domingo, setembro 06, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA -Partida para o interior




O casal que estava à frente da loja de víveres da Macodibe era um casal excepcional – simpático, culto e acolhedor como poucos. Ele, cunhado do actor Álvaro Benamor, era um mestre a contar anedotas e a cozinhar... Ela, D. Isabel, grande apreciadora de Ópera (com uma colecção de discos das melhores, invejável!) era também, com a sua cultura e educação, uma senhora em toda a acepção da palavra. Não admira, por isso, que a casa do casal Ferraz, em frente do Super-Mercado, servisse de ponto de reunião de todos: viajantes e residentes.
Alguns dias depois de ter chegado e numa dessas reuniões, um desses representante de uma Companhia holandesa de Lepoldville, alfacinha de gema, alvitrou que se convidasse o "recém-chegado agente da Macodibe" para uma caçada aos gambozinos!... Todos, em coro, aplaudiram a ideia. Eu limitei-me a ouvir as instruções, pois já as tinha dado, por várias vezes, a veraneantes que vinham de Lisboa passar férias na minha aldeia...
Deram-me um saco de ráfia e lá fomos todos (uns oito) a caminho do aeródromo, numa carrinha, munida de um farol no tejadilho. Puseram-me então no início da pista, saco na mão, recomendando que devia assobiar primeiro e depois guardar o silêncio com o saco aberto, à espera que os gambozinos entrassem no saco... Eles iam por outro lado espantar os bichos e fazer com que eles se encaminhassem para a ratoeira... Logo que os pressenti longe, peguei no saco e eis-me a caminho de casa, a pé... Percorri assim cerca de dois quilómetros e quando cheguei a casa é difícil descrever a surpresa de D. Isabel, ela também a par da marosca... Contei-lhe então que a artimanha, para mim, era já muito velha e já a tinha aplicado a muitos "pacóvios"... Cerca de duas horas depois chegaram os promotores da "partida" e é fácil adivinhar a sua surpresa e frustração, ao verem-me sentado numa cadeira de verga a saborear, sorridente, o meu uísque!...
Isso constituía uma espécie de praxe para com os novatos que chegavam e, mesmo no interior, quando ali cheguei, também fui sujeito a uma outra brincadeira...
Um dia fui chamado ao escritório da Sede onde me informaram que o meu local de trabalho, se situava a cerca de 300 quilómetros – no distrito da Thsuapa, comarca de Befale, circunscrição de Mompono, aldeia de N'gongo. Partiria dentro de dois dias, teria que comprar o necessário, isto é: acessórios de cozinha, alimentos (enlatados) roupas, etc., etc., ...
Não sei se ainda se lembram das camionetas que começaram a circular logo após a última grande guerra: eram veículos sem quaisquer comodidades. A suspensão fazia-se por intermédio de molas muito rijas e a cabina que consistia apenas numa chapa rugosa sem forro, com bancos de madeira cobertos com uma espécie de almofada cheia de folhas, geralmente de palmeira... E foi nesse transporte de luxo que eu fiz a viagem até N’gongo. Tudo era novo para mim. E encantador!...

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