domingo, maio 17, 2009

É Domingo


É Domingo. Um Domingo triste...As nuvens não deixam que o Sol venha aquecer a Terra e amadurar os frutos. Fui há pouco colocar uma taramela no cocuruto da cerejeira, porque a passarada, sobretudo os melros, comem as cerejas que estão ainda verdes.
Todos os anos a árvore se transforma numa uma espécie de supermercado da passarada: melros, pardais, tentilhões, rolas, gaios, todos ali vão abastecer-se sem que lhes seja pedido nada em troca.
O mesmo acontece no velho tanque, cheio de água, onde as andorinhas, em voos rasantes, vão molhar o bico, levando um pingo para amolecer a “argamassa” com que constroem os seus ninhos.
Maio! O mês em que o meu quintal se veste com roupas de várias cores, e em que, no ar, há um cheiro diferente, difícil de explicar. É Primavera!... E como escreveu Miguel Torga:
“Depois do Inverno, morte figurada,
A Primavera, uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.”
Muitas andorinhas pousadas, além, num fio da luz eléctrica. Grande alarido. Gritos, bater de asas, mas como saber o que dizem?...
Se fossem melros eu diria que estavam a planear um ataque em massa às cerejas…
Numa inspecção que fiz há já muitos ramos em que resta apenas o pedúnculo e o caroço. A polpa já desapareceu!
Será que a taramela vai evitar que “a limpeza” atinja toda a árvore?...
Vamos ver…
É Domingo. Um Domingo triste...As nuvens não deixam que o Sol venha aquecer a Terra e amadurar os frutos.Fui há pouco colocar uma taramela no cocuruto da cerejeira

sexta-feira, maio 08, 2009

Canções



Não é fácil encontrar assunto para, semanalmente, preencher o espaço que me é concedido. Ou melhor dizendo: assuntos há, e muitos!.. Só que, escrever simplesmente para ajudar a encher a página, abordando temas que, por vezes, nem dominamos, é caminho pelo qual não gosto de enveredar. E foi por isso que recorri à minha velha arca de que já vos tenho falado. Velhinha, cheirando a naftalina, mas com muita coisa dentro!
Desta vez veio-me à mão um disco antigo ainda em vinil. Riscado já. Na capa um homem de forte estatura, enormes bigodes, empunhando uma viola – Georges Brassens. Um cantor compositor dos anos 50/60, muito contestado e cujas canções foram consideradas escandalosas pela burguesia francesa de então. Não sei se entre os meus leitores haverá quem se lembre de algumas delas e que escandalizaram a França: Le Gorille, Le Pornographe du Phonographe, Chanson pour l'Auvergnat, La Marche Nuptiale, Les amoreux qui ecrivent sur l'eau, La Mauvaise Herbe, etc. etc., são algumas das que deram muito que falar...
«Desmistifica, desintoxica, e é o inimigo de uma sociedade inimiga do homem. Quem não gosta dele, traiu ou participa. Viva Brassens!...» – diziam uns, «Tudo o que canta é absurdo ou imundo. O seu êxito é um desafio ao bom senso e ao bom gosto...», contrapunham outros.
E todos, afinal, tinham razão, porque de todas essas diferenças, nasceu o mito Brassens. As notas que tomei na altura, – já bastante desbotadas – dizem que a sua figura de lutador e as suas canções de revolta e sarcasmo, escondem um fundo de angústia e desilusão. A sua adesão ao movimento anarquista e a sua ânsia de se cultivar através de exaustivas leituras, explicam, talvez, as duas facetas do homem – um homem cada vez mais só. Família, credos políticos e religiosos, ele tudo despreza. Tudo recusa. E a violência da sua revolta é tal que a todos ataca. O mais violento vocabulário é para ele uma necessidade. É preciso chocar, testemunhar, escandalizar porque sem escândalos as pessoas conservam a sua pacatez e o agitador que as espicaça não teria razão de ser. Para conseguir dar um significado mais puro às palavras da tribo, é necessário desvendar o seu significado impuro. Brassens empenhou-se nessa tarefa e talvez sem o pensar operou uma revolução na arte, ao denunciar os falsos valores e as hipocrisias da sociedade escondidas sob uma canção.
Muito mais haveria a dizer, sobre esses homens da canção que pela sua irreverência, pelas suas "provocações", mas também pela sua ousadia e pelo desprezo por si próprios, enfrentaram os poderosos, fazendo com que muitas injustiças fossem atenuadas. Quedamo-nos no entanto por aqui, recordando as estrofes de uma das suas canções, cuja mensagem filosófica está ainda actualizada e merece reflexão:
Les hommes sont faits, nous dit-on, / Pour vivre en band' comm' les moutons. / Moi, j' vis seul e c'est pas demain / Que je suivrais leur droit chemin.