sábado, setembro 26, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - O dia-a dia


Colheita do café

Como já dissemos anteriormente, as Plantações de N'gongo situavam-se na margem direita do Rio Maringa, a montante de Mompono, a sede da área administrativa, e estendiam-se por uma grande extensão de terreno: trezentos hectares de árvores-da-borracha, as seringueiras; cinquenta hectares de palmeiras, uma pequena área de cacau e cem hectares de café. Uma fábrica de extracção de óleo de palma, uma fábrica onde era coagulado o látex e transformado em folhas. Dois enormes secadores com fornalhas a lenha onde essas folhas eram secas antes de serem expedidas para a Bélgica ou para Angola e uma fábrica de descasque de café.
Trezentos e cinquenta homens, grande parte a viver com suas famílias em casas de adobes de terra cozida e cobertas com chapa de zinco e construídas para o efeito, constituíam a mão-de-obra e ocupavam-se dos diversos serviços.
O dia começava cedo para os que trabalhavam na plantação de borracha. A chegada dos "sangradores" (os homens formados para fazer a sangria das árvores) começava cerca das 4 horas da manha. O pessoal convergia para um grande terreiro em frente de uma casa coberta com uma espécie de colmo, o "ndele". Uma hora depois e à luz de uma lanterna Petromax, começava a chamada. As várias equipas constituídas por vinte homens cada, e comandadas por um capataz, entravam na plantação onde cada homem tinha a sua área bem demarcada, contando cerca de 350 árvores que ele tinha de "sangrar" antes que o Sol começasse a aquecer. Isto porque mal a intensidade dos raios do Sol aumentava, logo uma película formada pelo látex coagulava e impedia que a seiva escorresse para o pequeno copo de alumínio, previamente colocado, e preso à árvore por uma cinta de arame.
Se bem que, normalmente, a hora da recolha do líquido estivesse marcada para as dez, era o calor que mandava. Assim, se o Sol "apertasse", a Ngonga (um tronco oco, onde um especialista em transmissões de mensagens batia com duas maçanetas, fazendo chegar o som a quilómetros de distância) dava o sinal convencionado e os "sangradores" começavam a recolher o látex em vasilhas de alumínio que podiam conter cerca de 20 litros. Uma camioneta percorria então as ruas da plantação recolhendo as vasilhas e levando-as para a fábrica. Uma vez ali, o líquido leitoso era despejado em tanques de cimento, onde lhe era adicionada uma determinada quantidade de água. A essa mistura, depois de bem mexida, eram adicionados, numa proporção adequada, alguns cm3 de ácido fórmico que ajudavam a coagulação e a tornavam mais homogénea. Com o auxílio de placas de alumínio e depois da coagulação, as folhas eram retiradas, passadas nas máquinas apropriadas que as achatavam, adelgaçavam e por fim lhes faziam opérculos para facilitar a secagem. Transportadas depois para os secadores, ali permaneciam cerca de 20 dias sendo depois retiradas e embaladas em malotes, segundo a sua classificação: folhas de 1.ª, de 2.ª, de 3,ª e, finalmente os "scrapes" (raspas, pequenos bocados). Finalmente eram expedidas para Leopoldville e dali para os destinos habituais – Luanda, para a Fábrica Imperial de Borracha, ou para a Bélgica.
Os frutos das palmeiras da concessão, juntamente com outros que se compravam aos autóctones num raio de 50 quilómetro eram cozidos e em seguida postos na máquina extractora, obtendo-se, da operação, o óleo de palma. Depois de decantado, era transvazado para tambores de 200 litros e expedido nos barcos para Kinshasa. Com as borras do óleo e soda cáustica fazíamos sabão que se vendia nas diversas cantinas instaladas na plantação e arredores.
Enquanto na plantação de árvores da borracha e de palmeiras, nos limitávamos apenas a substituir as que morriam com plantas novas que possuíamos em viveiros, a do café fomos nós (o meu irmão Alberto também colaborou durante um tempo) que cortámos a floresta, preparámos o terreno e colocámos as plantas na terra!

Secagem do café
Daí que houvesse uma certa tendência para eu gostar mais da plantação do café. Era a minha "obra"! Desbravámos a floresta, por vezes com grande dificuldade, pois tínhamos de fazer uma espécie de estrado acima do solo por não haver, rente ao chão, espaço para fazer circular o serrote... Serrote porque nesse tempo não havia motosserras e era tudo feito a braços com grandes serrotes como os que havia em Portugal antigamente. Fazia-se o estrado a cerca de 4 ou 5 metros de altura onde havia menos vegetação e começava-se o corte. Após a queda da árvore, cortavam-se as outras à volta e assim se procedeu ao longo de meses...
As plantas vieram da Estação Agrícola de Yangambi, um viveiro do Estado onde se iam buscar todas as árvores, já seleccionadas, para plantar. As plantas vinham envasadas e durante muitos dias procedemos à sua plantação. Acompanhei o seu crescimento até que um dia as bagas vermelhas começaram a aparecer – como cerejas pequenas!...
Seguia-se depois a secagem ou não, pois o descasque podia fazer-se quer com elas verdes, quer secas, usando o processo por via húmida ou seca.

Descasque do café
A colheita do café era feita pelo pessoal da plantação, posto a secar e depois de tratado nas máquinas, descascado e escolhido, era enviado, sempre por barco, para Leopoldville e daí li transaccionado e vendido para vários países.
A qualidade que cultivávamos era a “ROBUSTA”, havendo alguns pés de “ARÁBICA” para uso próprio, isto é, como tomávamos café do nosso, fazíamos uma mistura das duas qualidades, obtendo um café excelente!

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