sexta-feira, setembro 11, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA -N'GONGO (Mompono)


Edição n.º 917 – de 13 de Novembro de 2008

N'gongo situa-se na freguesia de Mompono, concelho de Befale e distrito de Boende, Província do Equador, cuja capital era Coquilhatville, hoje Mbandaka. Encontram-se na margem direita do rio Maringa, rio navegável, que nasce alguns quilómetros acima num ponto chamado Befori-Lioko e que desagua no Lulonga em Basankusu.
N'gongo é apenas o sítio onde se situam as plantações, pois não existe qualquer aldeia com esse nome. Uma estrada de terra batida liga as plantações a Mompono, sede da Comarca onde está instalado o administrador da circunscrição. Um militar belga com um pequeno destacamento de soldados indígenas olha pela ordem. Há ainda um posto do correio e um porto fluvial onde são descarregadas as mercadorias e tudo o que é necessário para a manutenção dos serviços. Há também um campo de futebol e um campo de ténis. Ali habita também um agrónomo que se ocupa das plantações de borracha do Estado e vigia e aconselha os autóctones nas diversas culturas, nomeadamente do arroz de sequeiro. Um agente sanitário belga (com preparação universitária) percorria, com três enfermeiros congoleses todas as aldeias pertencentes à área, no despiste de todas as doenças tropicais. A malária, a lepra, a doença do sono e as doenças venéreas eram as que mereciam mais cuidados.
Para além de uma Missão protestante sob a direcção de um pastor inglês, Mr. Hansens, havia também uma Missão católica com a respectiva Catedral e um convento de freiras, pertencentes à Missão inglesa de Mill – Hill. Era ali que funcionava uma espécie de escola profissional dirigida por frades e onde se formavam os artífices das mais variadas profissões: pedreiros, pintores, carpinteiros, electricistas, etc. etc. Era de facto uma verdadeira escola profissional, pois todos os alunos exerciam as suas profissões na Missão, desenvolvendo os seus conhecimentos pela prática de trabalhos efectuados "in loco" em benefício da própria escola. Embora esta prática fosse condenada por alguns, porque os "operários" não auferiam qualquer salário, o certo é que a alimentação e os cuidados de saúde eram-lhes prestados gratuitamente o que, quanto a mim, com o "diploma" ou apenas com a prática que adquiriam, lhes proporcionava um ganha-pão que poderiam usar pela vida fora. E isso acontecia com frequência, pois quando havia obras de maior vulto era à Missão que se iam procurar os especializados.
A Catedral era construída em tijolo, feito, prensado e seco no próprio local e tinha sido edificada por "alunos."
Era lá que todos os domingos se reuniam, para além de muitos indígenas vindos de todos os cantos da circunscrição de Mompono, os estrangeiros católicos da região. Depois da Missa o Superior da Missão, um ancião de corpo franzino e de barbas compridas e brancas, fazia questão de nos reunir todos no átrio da casa paroquial para a habitual chávena de café que se seguia uma troca de impressões sobre os mais variados assuntos, com especial destaque para as notícias da Europa.
Esta Missão tinha quatro missionários itinerantes que percorriam os quatro cantos da "Paróquia", quase sempre a pé. Faziam centenas de quilómetros catequizando e celebrando missas. Por vezes andavam semanas pelo interior alimentando-se de frutos, e de alimentos, ovos, peixe ou carne que os indígenas lhes davam e que eles preparavam para comer.
Algumas vezes acolhemos em nossa casa, e de passagem, alguns desses homens que chegavam exaustos e com os pés doridos. Mal chegavam, perguntavam se podiam tomar banho, comiam depois e, muitas vezes, adormeciam à mesa, tal era o cansaço...
Sempre admirei esses homens que renunciando a tudo, se embrenhavam por veredas estreitas, floresta adentro, pregando a doutrina de Cristo.
Só quem alguma vez viveu situações destas e sabe o quão difícil é percorrer as pistas da floresta tropical com todos os perigos que daí podem advir pode dar o valor merecido a semelhantes mensageiros da Fé!
Refiro-me ainda à Missão católica de Mompono, só para sublinhar uma coincidência: um dos padres dessa Missão, meu amigo e orientador espiritual, o padre holandês Van-Kester, entretanto elevado a Bispo, celebraria, mais tarde, em Basanksu, o meu casamento...

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