sexta-feira, setembro 25, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - Orquídeas selvagens





Já algumas vezes aqui vos tenho falado do meu refúgio quando em tempos difíceis me assaltam dúvidas, temores e incertezas que contagiam, que desencorajam e que deprimem. É então que procuro a minha «arca das recordações» onde guardo vários pedaços do quebra-cabeças que é a vida – essa manta de retalhos que constitui a nossa caminhada por este mundo. Farrapos, muitos farrapos!... Alguns já debotados, outros em vias disso. Folheio ao acaso as notas que tomei ao longo dos anos e quase sempre me detenho, com um misto de saudade e emoção naquele espaço de tempo que medeia entre os anos 50 e 60. Uma década que me marcou interiormente, que me moldou e que arrumou ideias e sentimentos, até então indefinidos e esparsos...
Em 50, tinha acabado a guerra há pouco, e vivia-se a todo o gás tentando recuperar o tempo perdido. Com as sopas em pacote chega ao Velho Mundo a coca-cola. Começa a falar-se no aspirador e as meias de nylon fazem a sua aparição. Em França – de onde tinha mais notícias, através dos jornais, embora chegados com atrasos de meses – a indústria automóvel atingia as 190 mil unidades produzindo, entre outros, um carro que acabaria por seduzir a Europa, a Renault 4. Em 54, – tenho anotado – no salão das "Arts Ménagers" em Paris, podia fazer-se a barba de graça com a máquina de barbear eléctrica, made in USA!
Era o tempo dos três "Dês" – "Drôles de Moeurs, Drôles de Modes e Drôle d’Époque! Mas era também a grande festa da literatura francesa com Sartre, Mauriac, Camus, Gide e da ousadia de Françoise Sagan com "Bonjour Tristesse". E com Minou Drouet que publica poemas de amor aos 7 anos e Roberto Benzi que dirige em calção as mais famosas orquestras! Era o tempo dos prodígios! E continuo a folhear...
Martine Carol, Brigitte Bardot, são duas "bombas" que explodem e cujas ondas de choque chegam a atingir os "States". O cinema marca pontos: Jean Marais, Eddie Constantine, aliás, Lemy Caution, Louis Jordan, Belmondo, Charrier, Gérard Philipe, apaixonam multidões de admiradoras. Edith Piaf reina no music-hall e quando canta «é a chuva que cai, é o vento que sopra, é a luz da lua que estende o seu manto», no dizer de Cocteau. De Bruxelas chegam Brassens, Bécaud e Brel que vêm justar-se a Yves Montand, Aznavour, e a tantos outros...
Do outro lado do Atlântico é Sidney Bechet com "Petite Fleur" e os seus novos ritmos de jazz "New Orléans" que faziam vibrar a juventude, que escutava, bebendo laranjada...
E paro de folhear... São pedaços de papel amarelecido, escritos na solidão dos trópicos, à luz da "Petromax", ouvindo os ruídos indefinidos da floresta virgem, e sorvendo o perfume inebriante das orquídeas selvagens...

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