sexta-feira, dezembro 19, 2014

IMPOSTOS

 
Dizia o saudoso filósofo e pensador Agostinho Silva que não pagava impostos "porque não sabia para onde iria o seu dinheiro...". Rematava o seu pensamento afirmando que quando lhe dissessem, e ele efectivamente visse como e onde era aplicada a sua contribuição, então pagaria. Dei comigo a pensar nessas palavras sábias quando há dias, mentalmente, estabelecia a comparação entre as carências com que se debatem os mais necessitados e o esbanjamento de dinheiro feito por muitos dos nossos mandantes fanfarrões.
De facto, e sem termos necessidade de nos deslocar para muito longe, verificamos que o exagero em festas e foguetório começa a mexer com os nervos de muita gente.
A propósito de tudo e de nada organizam-se as mais incríveis manifestações folclóricas que (ou será o meu anquilosado raciocínio a falsear a verdade?!), servem apenas para tapar olhos e desviar a atenção do povoléu das misérias com que é confrontado todos os dias.
Aliado a esse facto, o desleixo que impera na vigilância daqueles a quem pagamos para zelar pelo bem comum, é deveras revoltante! Para explicar melhor, e para aqueles que se quiserem dar a esse cuidado, observar uma brigada de funcionários do Estado quando efectue qualquer trabalho na via pública, é o exemplo mais flagrante de todo esse "faz-de-conta" que reina no País. Ninguém vigia ninguém e, dizem eles, filosoficamente, que o trabalho não é para se acabar, mas para se ir fazendo...
E enquanto os indiferentes e acomodados dizem que "sempre assim foi", os próprios visados queixam-se de que até trabalham de mais para os salários que auferem!
Entrementes, o Zé vai aturando todo este regabofe, acabando sempre por pagar a louça partida pelos elefantes que, constantemente, atravessam a loja.
Independentemente do juízo de valor que cada um possa fazer do que acima disse, não há dúvidas que este estado de coisas é gerador de grandes injustiças. Só os autistas não se dão conta de que o País vive uma fase de descalabro económico, agravada ainda mais pelo crescimento descontrolado de uma classe parasitária habilidosamente disfarçada sob os mais diversos e pretensos eventos culturais.
Por mais que afirmem o contrário não há outra via de salvação que não seja a do trabalho. Mas do trabalho que sirva o Homem e as suas comunidades e não o trabalho fingido de que o Homem se sirva apenas para gozo dos seus apetites e vaidades.
Retomando o mote desta crónica, seria de facto justo, honesto, transparente e democrático que o contribuinte soubesse para onde vão, e como são aplicados os dinheiros que deposita nos cofres do Estado. Utopia, claro!...  Mas se fosse possível, seriam muitas as surpresas. Ou talvez não.
.    
 
 

 

 

sexta-feira, dezembro 12, 2014

POR QUE NÃO NOS VENDEM ?

Não. Não estás só. Somos muitos. E em cada dia que passa, é mais um que se nos junta. Aumenta o número, mas nem por isso fazemos com que se lembrem de nós. Tens razão quando dizes que ao longo dos anos fomos adquirindo saber e experiência e que, por isso, possuímos um património que poderia contribuir para que a sociedade avançasse rumo ao futuro com mais firmeza, seriedade e segurança. Tens ainda razão quando dizes que constituímos o elo entre o passado e o futuro e que contribuímos para que o presente não seja esvaziado de memória, de valores e de orientação. É verdade!
Mas puseram-nos o rótulo de “velhos! “E alguns de nós são até considerados como um “peso”!... Olha o João, que troçava quando  nos nossos verdes anos ouvíamos  Brel cantar “Les Vieux” :  Les vieux ne rêvent plus, leurs lèvres s’ensommeillent, leurs pianos sont fermés / Le petit chat est mort, le muscat du dimanche ne les fait plus chanter / Les vieux ne bougent plus leurs gestes  ont trop de rides leurs monde est trop petit / Du lit à la fenêtre, puis du lit au fauteuil et puis du lit au lit…(…) Les vieux ne meurent pas, ils s’endorment un jour et dorment trop longtemps...»  Pois é. O João dorme agora num Lar, até adormecer para sempre… Houve um tempo em que a experiência valorizava. Agora, muitas vezes, compromete e condena à solidão…
Dizias-me que “no Antigo Testamento o idoso era referido como transmissor da sabedoria que vinha de Deus, que no Livro do Génesis, no Deuteronómio, no da Sabedoria e no Eclesiástico, a velhice era considerada uma bênção, uma riqueza que devia agradecer-se…”
Mas os tempos mudaram, Zé. Os valores económicos esmagaram os valores espirituais e até culturais. O idoso não produz, não consome, só gasta…deixou, portanto, de figurar na coluna do “Haver”.
De vez em quando, lá nos vão atirando uns rebuçados disfarçados em cêntimos ou mostrando na televisão o avozinho que leva o neto à escola, …
Cambada de hipócritas! Se estorvamos, por que não nos vendem? Vem aí um Novo Ano, e ao ritmo acelerado que vai a venda dos “bens” do País, nós, que também somos Património, porque não nos trocam por alguns euros? Já pensaste no alívio que seria para a Segurança Social? E já pensaste na alegria e, sobretudo, no orgulho dos nossos tetranetos, quando lessem nos manuais escolares a saga dos seus antepassados que sacrificaram “carne e osso” pela salvação da Pátria? Ri-te, homem! Nada podemos fazer. Estamos velhos… e mal pagos. Mas, como dizia o outro a velhice é maravilhosa. Só é aborrecido é que ela acabe tão mal…
 

 

 

 

 

 

 

NÃO TÊM OUTRO NOME

 
Há dias, numa entrevista, quando o jornalista perguntava a um dos nossos “meninos de coro”, qual a receita que tinha usado para adquirir tamanha fortuna em tão curto espaço de tempo, o entrevistado, carinha de anjo papudo, respondia sem pestanejar:
- “ Com muito trabalho, muito suor e muitos sacrifícios. Não se esqueça que até andei descalço…”
A um outro figurão a quem perguntavam o que tinha a declarar pelo facto de ser acusado de estar envolvido numa “troca de agulhas” que conduziu ao descarrilamento de uma “pipa de massa” respondia com um sorriso angélico que “nada temia porque estava de consciência tranquila…”
Aqui estão dois casos que exemplificam o pensamento de uma certa classe de indivíduos que se passeia cá pelo rectângulo, que nunca trabalhou, que nada fez, mas que mercê do cargo que ocupou ou ocupa é hoje detentora de fortunas incalculáveis!
E não é preciso procurar muito, porque os exemplos estão à vista e ainda há pouco tempo as estatísticas nos diziam que, por cá, a percentagem de milionários não cessa de aumentar.
Enquanto de norte a sul uns indivíduos a que chamam de “ladrões” tentam forçar caixas do multibanco e aliviar as caixas registadoras de bombas de gasolina a poder de armas de fogo e marretas, outros, menos violentos e apenas com a ajuda de uma esferográfica, vão aforrando, desviando e avolumando as suas contas bancárias.
Acredito sinceramente que tanto a uns como aos outros, as duas expressões – “pé descalço” e “consciência tranquila” – assentem que nem uma luva, pois não há ninguém que não tenha andado de pé descalço quanto mais seja na praia ou quando vai para a cama.
Quanto a “consciência tranquila” e por força da profissão que ocupam, tanto uns como outros, esse sentimento íntimo que avisa e dá conhecimento das nossas acções, aprovando-as ou reprovando-as, é coisa que não devem possuir. Hoje consciência é coisa de pobre…
Aqui há uns tempos, os serviços cartográficos deram a notícia de que a superfície de Portugal tinha aumentado, pois após uma nova medição mais uns tantos quilómetros foram acrescentados ao rectângulo…
Na altura foi com surpresa e algum cepticismo à mistura, que “engoli “o alongamento. Hoje verifico que precisamos de muito mais espaço para albergar os tais figurões “do pé-descalço “e de “consciência tranquila.” E o que é terrivelmente assustador e escandaloso é que eles não param de aumentar dia após dia. E tudo legalmente… Ladrões!

 

 

ESCOLHAS

Nesta turbulência que nestes últimos tempos tem afectado a nossa cena política, a baixeza de alguns dos cidadãos que deviam constituir a "nata" da sociedade, transformou o País num lodaçal pestilento de indignidade e de podridão.
E o que mais me surpreende é que, perante tantos atentados à lei da honra tradicional, tal facto faz deles uma espécie de pára-raios onde todos descarregamos os nossos fracassos, as nossas desilusões e mesmo o nosso mau humor. Mas… mais nada!...
Estamos a habituar-nos a este cenário, e hoje, dizer mal dos políticos, não só alivia o stress como também é assunto para todas as conversas.
Fraco entretenimento é certo, mas com os exemplos que nos chegam do alto e a impossibilidade de inverter esta onda de “roubos” é difícil conter a revolta interior…e toca de imitar suas excelências, porque isto de ser honesto já foi chão que deu uvas!
Onde nós chegámos! Chegámos? Ainda não, porque, ao que parece, a procissão ainda vai no adro. Mas, convenhamos que é triste assistir a este descalabro moral, a esta falta de ética, a este desrespeito por tudo e por todos.
E é sobretudo triste e revoltante assistir a este apetite voraz em que ao ideal de servir a comunidade, se sobrepõe o espírito de rapina, essa fobia que faz com que, sem escrúpulos, nem olhando a meios, se pense unicamente em vantagens e benefícios pessoais.
O pelotão dos oportunistas não pára de engrossar - as benesses, os lucros duvidosos, as promoções injustas e os atropelos à Lei, correm lado a lado, embora sob bandeiras de cor diferente.
Há excepções à regra, bem o sabemos. Há gente honesta, há gente humana, há gente competente e há gente moralmente sã. Mas cada vez o seu número é mais reduzido.
Como pode o cidadão comum comportar-se digna e honestamente, quando os pontos de referência que devem pautar a sua conduta lhe mostram, precisamente, o contrário?
Numa espécie de naufrágio tudo está a afogar-se num mar de egoísmos, de cobiça e de estupidez. A herança que chegou até nós, qualquer que seja a interpretação que se lhe queira atribuir, é fruto do investimento generoso de muitas gerações que no-la legaram depois de muita renúncia, de muito suor e de muita lágrima. Mas essa herança está a ser roubada e vendida a retalho e ao desbarato. A corrupção, a impunidade, o desprezo pelas pessoas, a crueldade calculista, tudo isso levou à desvalorização da honra.
Eu que nasci português durante um período histórico que não escolhi, vou também chegar ao anoitecer sem o mesmo poder de escolha…
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A VELHINHA EUROPA


 
Os que costumam ler os meus rabiscos, já devem ter notado que sou um apaixonado por coisas antigas com especial interesse por tudo o que se relacione com a História, os usos ou os costumes dos Povos…
Há dias, numa ronda pela minha biblioteca, encontrei um antigo livro, já esfarrapado e com falta de algumas páginas, que despertou a minha curiosidade. Comecei a folhear e eis que dei com esta “pérola” centenária, que gostaria de partilhar convosco, não só pela sua pertinência como também por algumas coincidências.
Trata-se de um excerto de um livro escrito por volta de 1906 por um escritor inglês, William Stanley, com o título “The case of de fox”, páginas 30 a 34. Escreveu o autor:
«Em 1930 para fazer frente ao poderio dos Estados Unidos da América, formar-se-ão os Estados Unidos da Europa, cuja capital será Paris. Ali se reunirá o parlamento do qual sairão as leis para toda a comunidade europeia.
As discussões far-se-ão em inglês, pois este idioma será a língua universal.
Cada um dos antigos Estados terá uma assembleia legislativa especial encarregada de regular os assuntos internos. Todos os Estados se terão convertido em Republicas…»
Quase na mesma altura da profecia de William Stanley, um jornal estrangeiro publicava o seguinte texto: «O historiador e sociólogo francês, M. Anatole Leroy-Beaulieu que se encontra nos Estados Unidos proferindo várias conferências, afirmou na da Alliance Française, de Chicago, que era certa a formação dos Estados Unidos da Europa, acrescentando que mesmo que ela não se fizesse no século XX, ela era indispensável. Porém três nações europeias ficariam de fora: Grã-Bretanha, porque se combinaria com os Estados Unidos; Rússia, porque formaria uma grande nação por si só e a Turquia porque sem ficar materialmente excluída da federação, perderia a sua identidade nacional se a integrasse.
A União Europeia impor-se-á para fazer frente à agressão norte americana e ao “perigo amarelo”. Ainda segundo o conferencista, e segundo verificou, os Estados Unidos tinham a tendência de olhar para a Europa continental com a mesma consideração que sentem os filhos para com os pais caídos em decrepitude, cuja utilidade passou à história….».
É uma espécie de “premonição”, mas também a prova de que, um século depois, a velhinha e decrépita Europa continua o seu caminho e isso apesar dos maus-tratos por que tem passado...

EM JEITO DE CONFISSÃO

Há muita gente que tem medo de envelhecer. No meu caso, confesso que me sinto feliz por ter chegado a esta fase da vida. Ela dá-me a oportunidade de prosseguir o meu desenvolvimento tanto no aspecto pessoal como social.
E quanto não vale este livro ilustrado que é a memória com todas as experiências vividas?!...
É por isso que aceito o envelhecimento como uma fase da existência terrena de cada ser humano – encaro-o assim como que uma espécie de prolongamento de um projecto inacabado!
Agora que os sonhos se esfumaram, que as paixões se esvaziaram e que à euforia de outrora sucede a crua realidade do dia-a-dia, o tempo tem outro encanto, outro sabor e cada amanhecer é uma dádiva que aviva o sentimento da maravilha do ser humano na terra com toda a sua riqueza e diversidade.
E é também uma outra maneira de interiorizar a vida com a alegria de poder participar nas iniciativas que povoam o curso fértil da humanidade através da solidariedade e do voluntariado. 
Mas nem sempre é fácil. Numa sociedade computorizada e consumista em que se passa o tempo a premir teclas e botões num ritmo alucinante imposto pela informática e pela cibernética, só com força de vontade e determinação se consegue aguentar a corrida desgastante que a maquiavélica máquina exige.
É uma sociedade traiçoeira, esta em que vivemos!...
Ela não se compadece com ninguém, nem mesmo com aqueles que são testemunhas vivas dos laços de família ao longo de várias gerações.
O conflito entre elas agudiza-se em cada dia que passa. O individualismo selvagem e cruel anda à solta; a afirmação pessoal agride; a competição social destrói e a solidariedade entre as pessoas tende a desaparecer.
Por isso são várias as dificuldades com que o idoso se debate e é necessária uma grande força de vontade e uma fé inquebrantável para fazer a integração nessa nova sociedade, sem que tenhamos de abdicar dos princípios básicos daquela em que fomos criados.
Apesar de estarmos na era da globalização, não podemos esquecer que a Família continua a ser a célula básica da sociedade.
Durante estes últimos vinte anos foi talvez o período da minha vida em que se desenvolveu mais esta opção individual de reforçar o meu optimismo perante a vida. O envelhecimento não é uma doença nem uma incapacidade, que nos impeça de ter uma vida produtiva e feliz.
O diálogo entre gerações é essencial para prevenir a solidão e a exclusão social. Só por volta dos meus 60 anos é que comecei a martelar as teclas do computador. E os meus primeiros professores foram os meus netos…
 
 
 

sábado, novembro 29, 2014

EM DIA DE REFLEXÃO


Domingo pardacento e frio. Dia de recordar os que já partiram. Muita gente no Campo Santo. Muitas flores, muitas velas, orações e algumas lágrimas – de saudade e de remorsos também.
Lágrimas verdadeiras e sentidas por aqueles que partiram reconfortados com o carinho dos que ficaram, e de remorsos daqueles que em vida lho negaram…
Refiro-me aos homens e mulheres que em vida viveram sepultados no coração dos familiares como que amortalhados antecipadamente na frieza, na indiferença, no abandono, sofrendo carências de toda a ordem!
A melhor forma de celebrar as pessoas amadas é estimando-as em vida e não através de objectos decorativos de cariz religioso. É na sua vivência do dia-a-dia que devemos tratar com carinho aqueles que amamos.
Infelizmente, na sociedade consumista em que vivemos, as pessoas, a partir de uma certa idade são relegadas para segundo plano e muitas vezes abandonadas pelos seus familiares.
Mas há de tudo nesta multidão que põe flores, que acende velas, que ajoelha junto de campas rasas ou contempla orgulhosamente ricos mausoléus de mármore encimados por doiradas e reluzentes cruzes!
Mas é assim o nosso mundo. Um mundo de fingidos e de hipócritas. De Judas e de falsos Samaritanos.
O que importa é parecer. Mesmo que não se seja nem se possa vir a ser. Não há regras, não há códigos de conduta, nem cartilha que sirva de orientação. Cada qual se rege pelas suas próprias “convicções”… Que não podemos criticar. A liberdade de pensamento e de acção são bens inalienáveis de qualquer cidadão.  
Porém, com o amontoar dos anos aprendi que há sentimentos tão íntimos e pessoais que por uma questão de respeito por nós próprios, devemos evitar de os exteriorizar, guardando-os dentro de nós como pertença só nossa, como é o caso das nossas angústias e das recordações dos que nos deixaram.
E no meio daquela multidão dei comigo a reflectir nas palavras de Santo Agostinho: ‘Flores e lágrimas são alívio dos vivos, mas não refrigério dos mortos…»
Muitas vezes esses arranjos florais não são mais do que manifestações hipócritas à intenção dos vivos. Os mortos não falam, não vêem e é neste dia que muitos tentam “reabilitar-se perante os que ficaram, ofertando flores e choros como compensação de tudo o que lhes negaram enquanto vivos. E a esses basta uma simples cruz para simbolizar como foi a vida… 

LEVAR A VIDA A SORRIR


Julgo que o ser humano é o único organismo vivo que possui a capacidade de rir. O riso implica uma consciência. Nada daquilo que o homem inventou até agora é capaz de gracejar. Já viram, por exemplo, algum computador por mais avançada técnica que possua, que, por si só, seja capaz de rir?

O riso, no meu entender, está intimamente ligado à inteligência, a essa faculdade que nos foi concedida para podermos manifestar de maneira inequívoca a nossa existência no planeta que habitamos. O humor está intimamente ligado ao coração e é um meio de comunicação quando o diálogo se torna impossível e somos ultrapassados pela amplitude de um problema ou de uma situação.

Rir dos outros é sempre fácil. Mas rir de nós próprios torna-se mais difícil e chega a ser, para muitos, tarefa impossível.

Porém a auto-ironia é uma das melhores terapias e ajuda-nos a ter consciência dos nossos próprios defeitos, permitindo-nos, assim, que os corrijamos mais facilmente.

O nosso ego puxa quase sempre para o sério, mas o humor na maior parte dos casos anula essa seriedade e dá-lhe mais sentido de vida, mais cordialidade ao mesmo tempo que reforça a convivência e a integração na sociedade.

Ainda não há muito tempo, era raro ver um militar, um ditador, ou até um chefe religioso ostentar um rosto sorridente. Nessa época, o semblante austero, em certas circunstâncias, era obrigatório ou quase de lei.

E ainda restam resquícios dessa época e não é raro verificar ainda hoje tal situação, especialmente em alguns locais de culto. Já viram o rosto austero e sorumbático de muitos dos participantes? Tudo parece morte num local onde é suposto vivificar a fé?!...

Rir de si próprio e das nossas situações ridículas é a melhor maneira de sermos nós próprios e de assumirmos, por inteiro, a nossa verdadeira identidade como seres humanos que somos.

O humor desdramatiza, ajudando-nos a olhar e a observar com bonomia os comportamentos humanos, demonstrando-nos que os outros têm sobre nós apenas a importância que nós lhes quisermos dar.

Como costuma dizer-se, a vida é uma peça de teatro em que cada um de nós tem um rol a desempenhar. Por isso, façamo-lo com humor e boa disposição…

Com estes apertos de cinto é impossível baixar as calças. Mas mesmos se nos obrigarem a fazê-lo, façamo-lo com classe, com diplomacia – exibindo com determinação o anverso, e não expondo demasiado o reverso.

terça-feira, novembro 11, 2014

PROPÓSITOS DE UM AVÔ

O conflito entre gerações foi, ao longo dos séculos, sempre difícil de gerir e quase sempre impossível de evitar. Hoje, os confrontos são diários e preocupantes. Reportando-nos aos meios rurais, que melhor conhecemos, assistimos, por vezes, a comportamentos que deitam por terra todos os conceitos tradicionais que durante muito tempo pautaram a convivência familiar.
Houve um tempo em que a educação adquirida no seio da família era uma espécie de carapaça que permitia resistir a quaisquer investidas externas, fosse qual fosse a sua força ou proveniência. A obediência e o respeito constituíam a base da sua formação. Em qualquer família, da mais rica à mais humilde, eram esses os principais ingredientes usados na preparação do futuro. Tudo mudou, e em cada dia que passa, os solavancos da mudança provocam cada vez mais safanões na sociedade.
E vezes sem conta, é difícil determinarmos, com certeza, o verdadeiro culpado. No entanto - embora, por vezes, vejamos um mau comportamento num filho de pais moralmente exemplares - continuo a pensar que muitos dos problemas com que se debate a juventude têm a sua origem na família.
Porque a "engrenagem" a isso obriga, desde a mais tenra idade, as crianças são separadas da célula familiar, do carinho dos pais e do lar, e entregues a Jardins-de-infância, Infantários ou a Colégios. E nem em todos esses locais existem as condições próprias e humanas para as formar... 
Há ainda a acrescentar a essa situação, o caso de certos pais modernos que, por falta de tempo, tentam conquistar a afectividade dos filhos, fazendo-lhes todas as vontades, satisfazendo-lhes todos os caprichos, comprando-lhes, (mesmo com grandes sacrifícios) tudo o que os meninos exigem. 
Do somatório de tudo isto, não admira que a agressividade, a indisciplina, a propensão para brigas e o desrespeito pelos mais velhos sejam muitas vezes tidos por comportamentos normais da juventude do nosso tempo!
Nesta correria desenfreada, nesta insatisfação constante e com este egoísmo exacerbado que tomou conta da nossa sociedade, o conflito de gerações está a transformar-se cada vez mais num fenómeno sociológico de consequências imprevisíveis. Há já aqueles que situam o "Avô" na área da arqueologia e o considerem como parte integrante de um arquivo histórico e poeirento. Para muitos jovens, o "Avô" defende ideias reaccionárias, segue princípios desactualizados, ignora as novas tecnologias e, por isso mesmo, emperra o progresso! A sabedoria dos mais velhos é hoje ridicularizada e os mais novos afirmam-se os exclusivos detentores de toda a sapiência. Que assim seja!...
No entanto, e mesmo correndo o risco de ser acoimado de reaccionário ou de saudosista, continuo convencido de que a Escola coadjuva, mas nunca pode remediar o que faltou em casa. É em casa, no seio da Família, que deve começar a orientação dos homens do futuro. O que parece é que há cada vez menos famílias preparadas para levar a cabo essa complexa missão.
 

 

 

 

 

RIR ANTES QUE CHEGUE O IMPOSTO


 
A acreditar na doutrina de ilustres pensadores, de filósofos de renome e de outros seus seguidores, um País em que, pelo menos, oitenta por cento da sua população não ria a bom rir, pode ser considerado uma necrópole de seres vivos!
Entre nós, e segundo uma avaliação muito pessoal, o riso está em queda livre, e dos trinta por cento que ainda riem, grande parte é constituída por políticos, futebolistas e trafulhas…
O que me admira, é que o “Executivo”, – que é um autêntico alfobre de contadores de anedotas – não tenha ainda tomado medidas para combater esta espécie de “sinistrose” endémica!
Mobilizam-se todos os meios de propaganda para incentivar o investimento monetário, mas ninguém pensou ainda em investir no mercado do riso. Isento de IVA, sem necessitar de receita médica, além de ser ainda mais barato do que os “genéricos”, é também a melhor arma para enfrentar o dia-a-dia que cada vez se torna mais difícil de gerir.
Um amigo meu que, nas horas vagas, se dedica ao estudo das antigas formas de humorismo, dizia-me há dias que o célebre general de Napoleão antes de pronunciar a tal palavra de cinco letras que ficou conhecida por palavra de Cambrone teria exclamado (não se sabe bem porquê!...) «Les portugais sont toujours gais!...»
Aqui está mais uma razão para não deixar cair por terra os nossos pergaminhos, a nossa fama de outrora. Aliás, não podemos também esquecer, que em cada página da nossa História antiga, é raro não aparecer um humorista!... Isto para já não falar da nossa História recente em que todas as páginas são democraticamente hilariantes!...
Posto isto, a minha sugestão iria para a criação de mais um curso universitário, onde se ensinassem apenas as várias maneiras de fazer rir o pagode - uma espécie de terapia do riso. Com todo o pessoal a rir, muitas coisas mudariam no país, sobretudo no capítulo da saúde. Não dizem que «rir é o melhor remédio?» Lembram-se da história daquele velhinho que viveu muitos anos porque ria muito e morreu a rir? Leiam o que me contou a neta: «Meu Avô riu sempre muito. À aproximação dos cem anos, começou a rir mais, e ria por tudo e por nada. E como o riso é contagioso, todos nós ríamos com ele e divertíamo-nos muito. Num Domingo, acordou ainda mais sorridente e não foi possível fazer-lhe a barba, de tal maneira o seu corpo era sacudido por acessos de riso que impediam qualquer aproximação da navalha de barbear. De tanto rir, as lágrimas deslizavam em catadupas pelo seu rosto enrugado. Depois, cerca do meio-dia, começou a olhar-nos de uma forma estranha, apontando com o dedo e rindo a bandeiras despregadas. De repente, notámos que ele não se mexia. Foi o fim!... O Avô conservava ainda um sorriso nos lábios, mas ia já a caminho dos anjinhos…»
E choraram?-perguntei. «Então acha que chorar por uma homem que morreu a rir, é coisa de gente séria?» – respondeu a neta sorridente.
 

sábado, outubro 18, 2014

SETENTA ANOS DEPOIS...


 

(A propósito do 6.º encontro do “Tomaz Ribeiro”)

Já muitas vezes vos tenho aqui falado da minha velha arca. De vez em quando abro-a, remexo, folheio os papéis amarelecidos, e com as mãos também já envelhecidas faço uma visita ao passado.

Alguns livros por que estudei, lá estão como que a recordar esse tempo distante e diferente – uns sem capa, outros com folhas descoladas, ali dormem misturados com papéis decrépitos, cheios de anotações e de muitas rasuras indiferentes ao correr do tempo e às modernas reformas.

Às vezes, e porque já são tantos, sinto vontade de rasgar alguns, de os queimar... Mas desisto sempre! Eles representam os meus (já poucos) cabelos brancos, as minhas rugas, as veias salientes das minhas mãos que o tempo tingiu de castanho-escuro. Papéis amarelecidos. Retratos desbotados. Pétalas de flores ressequidas. Cartas…

 

«Velhas cartas…Antigas confidências…

Recordações de tudo que se quis:

Que avivam do passado as ocorrências

- E a mocidade quanta coisa diz!...

 

Velhas cartas… Desfile de sequências…

Devaneios que, outrora, amando, fiz,

Pois o tempo transforma em reticências

Palavra e gesto … o que me fez feliz!

 

Releio-as uma a uma… Que ansiedade!

Adormecido mundo que desperta,

Que me envolve no manto da saudade.

 

E, hoje, minha existência é tão deserta,

Que revejo o fulgor da mocidade,

Como se fosse a derradeira oferta.»

 

E são estes papéis sem cor – este amontoado de coisas velhas, essas sebentas rabiscadas, esse “querer” sem “crer” de outrora – que fazem com que, de vez em quando, ao sentir-me perdido e baralhado no meio de todo este turbilhão de loucuras e de incertezas, me fazem subir as escadas, ir ao sótão, abrir a minha velha arca…e sonhar um pouco!

Não sou poeta, mas sou um fervoroso adepto dessa mistura de filosofia e de religiosidade que é a saudade. E as saudades são uma espécie de sonho, uma poesia abstracta... E para mim, esse sonho, se não é poesia, é metade da realidade...

 

sexta-feira, setembro 12, 2014

A PROCISSÃO


 
Diz-nos a experiência, que por mais graus académicos que um individuo possua, tal facto não quer dizer que reúna os requisitos e a competência necessários para desempenhar esse difícil cargo que é o de administrar e gerir dinheiros. E quando se trata de dinheiros públicos maior ainda se torna o grau de exigência requerido.

Embora existam indivíduos que nascem já com um apurado sentido de gestão, a maior parte só pode adquiri-lo mediante vários factores, nomeadamente através da vivência de determinadas situações de carência às quais é preciso juntar muita experiência e prática da vida. Acresce ainda dizer que a honestidade e o brio profissional são também complementos que não devem ser esquecidos.

É muito fácil trabalhar com o dinheiro dos outros e com ele fazer grandes “obras”, muitas vezes transmitindo aos menos atentos ou aos mais ingénuos uma imagem de benemérito quando afinal o dinheiro com que foram feitas nos saiu do próprio bolso!

E nesse contexto existem duas espécies de gestores políticos – uma constituída por pessoas que de facto estão empenhadas em melhorar as condições de vida dos seus munícipes, outra, a mais numerosa, que gasta o dinheiro à toa, em jantaradas, em beberetes, em compras supérfluas e outros acontecimentos, sem olhar a prioridades de qualquer espécie.

Diz um antigo ditado que o exemplo vem de cima, subentendendo-se do enunciado, que o que é bom deve ser imitado pelos que estão mais baixo. Infelizmente o ditado prostitui-se ou obrigaram-no a prostituir-se e só se copia o que é mau. Assim se o Terreiro do Paço dá esse mau exemplo por que não praticá-lo também?

Há dias, a Imprensa fez-nos saber que o Governo que “decreta lá da capital” ia dar popós novos a 56 chefes de gabinete das pastas ministeriais gastando com essa “dádiva” mais de um milhão de euros!

Uma bagatela para um País cuja maior parte dos habitantes anda de calças na mão!...

Em face deste exemplo, que razão assiste, aos cidadãos contribuintes desta Parvónia que em que cada dia que passa mais serviços civilizacionais lhe são roubados, para criticar qualquer dos nossos políticos que num gesto altruísta e de alto sentido solidário, oferecem de vez em quando uma sardinhada e uns copos de tinto ou umas “bejecas” à malta?!

Pensem nisto, meus amigos, e em vez de os criticar juntem-se a essa “procissão” que não cessa de “engrossar”.

E porque nada se pode fazer contra esse “engrossamento”, ide prá fila, pois sempre ireis “petiscando” qualquer coisa… 

 

 

 

 

 

 

 

A ENXERGA


 
Um dos nossos notáveis poetas, que foi Guerra Junqueiro, autor de várias obras, entre elas Os Simples, era também senhor de uma admirável veia satírica que o levou a escrever vários panfletos de combate político. Lembro-me, a propósito, de que na minha adolescência, uma das suas obras, A Velhice do Padre Eterno, figurava no catálogo dos livros cuja leitura era proibida pela autoridade pontifical.

Escusado será dizer que o livro passou de mãos em mãos e apesar de muito esfarrapado, quase todos os que comigo romperam os fundilhos das calças nos bancos do Colégio Tomás Ribeiro, o leram. Fruto proibido…

Se hoje evoco o poeta de Freixo de Espada à Cinta é porque li há dias, num excerto de um dos seus opúsculos políticos, uma frase que apesar de ter já sido escrita há muitos anos mantém ainda uma actualidade desconcertante. Escreveu ele que «a política é uma enxerga podre cheia de percevejos...»

Não acham que a mensagem que a frase encerra continua pertinente e actual? A enxerga é a mesma. Pode não cheirar mal, mas a factura dos desodorizantes é elevadíssima!

Os percevejos, esses famigerados e fedorentos bichinhos que só atacavam de noite, foram substituídos por outros parasitas que atacam a qualquer hora e em qualquer sítio…

São os chamados doutores da política - esses pretensos defensores do povo que se arranham e insultam em público e que depois se juntam e se empanturram à volta de mesas recheadas dos mais requintados e exóticos manjares!

Não vale a pena entrar em pormenores, mas é bom que reflictamos um pouco naquele "sacudir a água do capote" por parte de quase todos os que deviam assumir a responsabilidade (ainda que indirecta) dos erros que têm sido cometidos.

Atente-se ainda no que se tem dito e feito, corrido e saltado, para encontrar um bode expiatório para justificar esta crise que, afinal foi provocada deliberadamente por essa máquina infernal da política!

Quanto a mim tudo isto não passa de uma constante e hipócrita encenação. E tanto os que nos governam como os que lhes fazem oposição não acreditam nem naquilo que dizem, nem naquilo que fazem. Vivem a sonhar. E, entretanto, o País, sem dono, parece estar à venda. Vem aí a liquidação total. E o trespasse...

Por isso não se admirem se um dia, ao acordar, e ao olharem para a “torre de menagem”, depararem com um sujeito desconhecido, a hastear uma bandeira, que não a nossa…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

domingo, agosto 24, 2014

A HIDROSTÁTICA E A POLÍTICA

 
Cerca de duzentos anos antes de Jesus Cristo, viveu um homem cujo saber se repartia por várias áreas – matemática, física, geometria e engenharia.
Chamava-se Arquimedes e dizem velhos manuscritos que ele tinha residência em Siracusa, uma cidade da grande ilha da Sicília, nessa altura, creio eu, sob o domínio dos Romanos.
Arquimedes fez inúmeros trabalhos no âmbito das ciências que dominava, tendo calculado as áreas da parábola, da elipse, da esfera e do cilindro. Estabeleceu também a o valor de “pi” que, como os leitores sabem, é o símbolo que representa a razão constante entre o perímetro do círculo e o comprimento do seu diâmetro.
Enunciou ainda vários princípios, mas os que ainda hoje são mais conhecidos e usados, embora com designações diferentes, são o da Estática e o da Hidrostática – o primeiro por causa daquela barra a que se chama alavanca, e o segundo porque diz respeito à flutuação.
Mas o progresso e a evolução fizeram das suas…
O da alavanca passou a ter vários sinónimos: cunha, compadrio, influência, recomendação e é hoje de grande importância na vida dos portugueses.
O outro, que teria sido descoberto pelo sábio quando tomava banho na sua tina, não deixa de ter uma singularidade ímpar. É que, mesmo sem ninguém lhe ter oferecido flores, o sábio sentiu um impulso!... E, desorientado, levantou-se, voltou a sentar-se, apalpou, remexeu … até que descobriu, finalmente, o princípio!...
Porém e como acima dissemos, com a cumplicidade das novas tecnologias e da galopante onda de modernidade que tudo transforma, o enunciado do princípio de Arquimedes, foi-se adulterando até que alguém se lembrou de o democratizar!
E foi nessa altura que os políticos entraram na dança…
E então o princípio subiu os degraus do Parlamento, foi motivo de acalorado debate, sofreu alterações pouco ortodoxas, mas, no entanto, lá conseguiu livrar-se do referendo reclamado pela oposição.
Terminada a sessão, e ao sair do hemiciclo, o princípio, não só trazia fatiota nova – uma indumentária furta-cores, género carapaça de camaleão – mas também um enunciado democrático a condizer: «todo o cidadão que tem a sorte de mergulhar na política, beneficia de um empurrão de baixo para cima, que se traduz sempre num montante de euros superior, tanto ao trabalho como ao seu coeficiente intelectual…»
Desde então o Povo rebaptizou-o e passou a chamar-lhe o princípio dos «Arquimerdas»…
E assim, o que a hidrostática perdeu em equilíbrio, ganhou a política em majestade… Uma majestade mal cheirosa, claro está!...
 

NEM O CLIMA ESCAPA

 
Hoje venho alertar aqueles que ficaram surpreendidos pelo anúncio do novo imposto sobre telemóveis, tablets e caixas descodificadoras de televisão “parido” pelos ex-cola-cartazes, jotinhas, betinhos e afins, que a “coisa” não vai ficar por aqui. Outras armadilhas estão já na forja…
Não há dinheiro que bonde para acudir a todas as excentricidades dos nossos mandantes e há que diversificar a tosquia. Enquanto houver lã, a tesoura não vai parar de cortar.
Segundo informações de um infiltrado que de vez em quando me dá umas dicas sobre as manigâncias dessa classe parasitária, uma nova extorsão estaria em estudo para ser aplicada muito em breve.
Tratar-se-á da criação de mais uma carga fiscal que vai incidir sobre o clima e que será designada por “Imposto Meteorológico”. Baseado no nosso clima, que é um dos melhores da EU, esta será a invenção mais estrambólica dos tosquiadores deste rebanho à beira mar tresmalhado!
E reparem na maneira ardilosa como as cabecinhas pensadoras do Terreiro do Paço evocaram Neptuno para criar ondas e lixar o mexilhão!...
Em primeiro lugar calcularam uma temperatura média de base. Depois, e para cada grau acima, cada habitante da região em que se verifique a subida, pagará uma taxa de 1 euro, equivalente ao «excesso calórico».  Nos locais que não atinjam a média estabelecida, por cada grau a menos, o indígena pagará uma taxa da mesma importância, equivalente ao «desequilíbrio térmico».
Mesmo processo para os dias de chuva: cálculo da humidade média e taxa de higrometria aplicada aos “mais” e aos “menos”, na mesma proporção.
No Inverno o diploma refere-se também ao dispêndio com o aquecimento, surgindo, neste capítulo, a primeira desigualdade entre cidadãos do mesmo País – o preço do gasóleo de aquecimento, do gaz e da electricidade será mais elevado no Sul e mais baixo no Centro e Norte. Em Beja, por exemplo, o litro, o quilo ou o quilovátio, respectivamente, serão mais caros do que em Viseu, Guarda ou Vila Real, porque os habitantes da cidade alentejana terão muito menos necessidade de aquecimento do que os indígenas das faldas do Caramulo, da Estrela ou do Marão!
O imposto não estaria ainda em vigor porque o Tribunal Constitucional ainda não se teria pronunciado sobre a queixa apresentada pelo Instituto do Mar e da Atmosfera. Este organismo que como se sabe detém o monopólio das condições climatéricas para Portugal continental e Ilhas adjacentes, denunciou a sua ilegalidade por constituir uma intromissão abusiva da Política na Geofísica.
 

 

AS ETAPAS DA VIDA

 
Há na vida de cada um de nós acontecimentos marcantes que quando os vivemos, nos fazem recuar no tempo e nos conduzem ao início do caminho percorrido.
E à medida que os anos se vão acumulando parece ter mais sabor essa imaginária viagem de regresso ao princípio da caminhada!
Apesar de o passado ser construído por uma cadeia de acontecimentos, nem todos os seus elos são iguais. Nem todos eles desempenharam igual papel, nem todos prenderam da mesma maneira – enquanto uns deram poesia às coisas, outros ensarilharam-se e, muitas vezes, emperraram a continuidade do trajecto.
Mas é dos primeiros, daqueles que me prenderam à vida com ternura, que me fizeram sonhar, que depois me acordaram para enfrentar a realidade e a seguir me colocaram no caminho da responsabilidade, – são esses elos, esses momentos, que mais gosto de recordar. Ao lembrá-los, é quase como que ingerir uma poção mágica que me dá ânimo e traz de volta quimeras e sonhos!
É uma espécie de pausa, uma interrupção no percurso e um repouso tranquilo rodeado da utopia que ainda me resta…
Mas, às vezes, a desilusão é mais forte, e há dias ou momentos em que sinto necessidade de me isolar, de fugir deste baile de interesses, deste materialismo galopante, desta falta de ética no comportamento das pessoas. Cansa-me este jogo do quotidiano feito de competições e de indiferenças, de hipocrisias e de cinismos, de subtilezas e de astúcias, de vigaristas transformados em heróis…Pouco falta para que até a esperança pague imposto!
Num mundo construído sob o signo do dinheiro e em que tanto se fala em solidariedade, entristece-me que ela não seja aplicada na prática. O ter é mais importante que o ser…
Falta mais alma, mais responsabilidade, mais altruísmo, mais espiritualidade pois só assim poderá ser vencida esta crescente desumanização a que, passivos e indiferentes, assistimos todos os dias.
É preciso acreditar, persistir e não ter medo de expor a nossa Fé. É necessário proclamar e exibir os valores que herdámos dos nossos pais  que selavam um compromisso, com uma palavra de honra.   
Às vezes, perante tanta injustiça, tanta falta de valores, tanto desrespeito, sobretudo pelos mais carecidos, apetece-me gritar e acusar tudo e todos… 
Porém, é a família, os amigos, mas sobretudo os filhos e os netos que contrabalançam esta revolta interior e me ajudem a ultrapassar tudo isso e a ir tentando adaptar-me a esta nova visão de encarar a vida…
 

 

 

 

DO SONHO À REALIDADE


Estava na sala, pantufas nos pés, recostado no sofá, quando bateram à porta. Pouco passava da meia-noite...
Fiquei um pouco intrigado dado o avançado da hora, mas sem outra alternativa, porque estava só, levantei-me, fui até à porta e perguntei quem era e qual o pretexto da visita.
À minha interrogação respondeu alguém com voz rouca, uma voz cujo timbre me pareceu familiar: 
«- Sou o Tempo, e venho trazer-lhe a sua prenda anual. Venho a desoras, pois eu não tenho horários e ando sempre a girar…
Abri a porta, mandei entrar e o mensageiro continuou:
- Este ano a prenda vem disfarçada de substantivo feminino e, como se pode ler tanto da esquerda para a direita, como da direita para a esquerda, os “homens das gramáticas” deram-lhe o nome de capicua – 88!..
Este número, meu caro senhor, o número 8, agora duplicado, e de acordo com as leis pitagóricas continua a ser uma espécie de enigma, que como todos os enigmas, é muito difícil de desvendar.
É mágico este algarismo!...
É um número que começou a ser desenhado na Índia. No começo era uma espécie de rabisco em ziguezague. A sua forma foi evoluindo, a sua imagem gráfica foi-se afastando da inicial, pois era muito parecida com a do 5, e adquiriu depois uma aura especial, uma espécie de magia...
Veja o senhor que os Chineses até lhe atribuem propriedades benévolas: é o número da prosperidade, da fortuna e da riqueza. Números de telefone, matrículas de automóveis e até os bilhetes das lotarias terminados em 8 ou 88 valem fortunas!  
No género humano a sua duplicação transcende a matéria e é responsável pela conexão entre os planos físico e espiritual.
A sua repetição – a tal capicua – quando se trata de datas de nascimento é considerada de bom augúrio para todos aqueles que acalentam o sonho de atingir os cem anos de longevidade!
E eu sei, meu caro senhor, que é esse o seu sonho...»
Bruxo!... Foi o que me apeteceu responder…
Porém, contive-me e em vez disso limitei-me a agradecer, manifestando-lhe o meu desejo de o ver novamente na mesma data em 2015.
Acompanhei o mensageiro até à porta e quando estendi o braço para a fechar, toquei no copo que estava na mesinha de cabeceira… e acordei!...
O barulho dos cacos também acordou minha mulher, que quis saber o que tinha acontecido.
- Nada de especial, foi mais um. Mais um copo… metaforizei.
Ele há sonhos que até parecem reais!...
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 

MEMÓRIAS

Ontem andei pela parte antiga da minha aldeia. Fui revisitar o bairro que, antigamente, era habitado pela “nobreza”, por gente rica que detinha o “poder” e a quem todos tiravam o chapéu.
E ali me quedei olhando aquelas casas, aquelas paredes velhas, aqueles telhados em ruínas, aqueles portões ferrugentos e aquelas árvores antigas.
Há bem pouco tempo a palmeira da minha juventude ainda lá estava. Teimosa, já quase sem ramos, ela ali se mantinha a desafiar o tempo, como que a atestar a antiguidade e o simbolismo do famoso largo.
Recordo ainda as variadas cores das flores das cameleiras que espreitavam por detrás dos altos muros da quinta, enfeitados, na Primavera, pelos rendilhados de flores das glicínias! …  
Mesmo ao lado, a Farmácia… E lá “estava” o farmacêutico, amante da caça e sábio apicultor, rodeado de frascos com rótulos em letra barriguda, alinhados em prateleiras de armários envidraçados. 
Um balcão carunchoso, uma balança da época e um cepo de madeira, esburacado, onde se anichavam os pesos.
Ao lado, um almofariz, alfaia essencial para misturar e triturar os ingredientes que o médico tinha rabiscado na receita. Frasco daqui, frasco dacolá, pó deste, mais pó daquele, pesa, junta, tritura, mexe… e receita aviada!
Ainda não existiam os antibióticos, as penicilinas e outros que tais e, por isso, todos os medicamentos eram “sãos”: além dos preparados, as papas de linhaça, os sinapismos, os xaropes de fabrico caseiro, eram os remédios mais usados naquele tempo!...
Mas havia menos doenças. Era raro ver-se por aqui o médico. E quando vinha era um acontecimento que atraía toda a pequenada da povoação. Todos iam vê-lo chegar no seu automóvel, “coisa” rara naquele tempo. Quando o chamavam para uma povoação na Serra, como não havia caminho próprio, traziam um burro ou um cavalo para o levar…
Outra rua ali. Antiga, estreita, feita à medida dos carros de bois e que vai até à velha escola. A minha escola. Em tudo diferente da escola de hoje. Mais austera, mais exigente, mas (que me perdoem os mestres de agora…) talvez mais escola no que à língua materna diz respeito.
Olho agora em frente. A Igreja e o casario moderno. E tudo muda. Casas novas que contrastam com as velhas aqui ao lado. É quase como que uma ruptura com o passado. São casas novas, ainda sem uma história como a daquelas que lá no Fundo da Rua, aos poucos, se vão desmoronando.