sexta-feira, dezembro 19, 2014

IMPOSTOS

 
Dizia o saudoso filósofo e pensador Agostinho Silva que não pagava impostos "porque não sabia para onde iria o seu dinheiro...". Rematava o seu pensamento afirmando que quando lhe dissessem, e ele efectivamente visse como e onde era aplicada a sua contribuição, então pagaria. Dei comigo a pensar nessas palavras sábias quando há dias, mentalmente, estabelecia a comparação entre as carências com que se debatem os mais necessitados e o esbanjamento de dinheiro feito por muitos dos nossos mandantes fanfarrões.
De facto, e sem termos necessidade de nos deslocar para muito longe, verificamos que o exagero em festas e foguetório começa a mexer com os nervos de muita gente.
A propósito de tudo e de nada organizam-se as mais incríveis manifestações folclóricas que (ou será o meu anquilosado raciocínio a falsear a verdade?!), servem apenas para tapar olhos e desviar a atenção do povoléu das misérias com que é confrontado todos os dias.
Aliado a esse facto, o desleixo que impera na vigilância daqueles a quem pagamos para zelar pelo bem comum, é deveras revoltante! Para explicar melhor, e para aqueles que se quiserem dar a esse cuidado, observar uma brigada de funcionários do Estado quando efectue qualquer trabalho na via pública, é o exemplo mais flagrante de todo esse "faz-de-conta" que reina no País. Ninguém vigia ninguém e, dizem eles, filosoficamente, que o trabalho não é para se acabar, mas para se ir fazendo...
E enquanto os indiferentes e acomodados dizem que "sempre assim foi", os próprios visados queixam-se de que até trabalham de mais para os salários que auferem!
Entrementes, o Zé vai aturando todo este regabofe, acabando sempre por pagar a louça partida pelos elefantes que, constantemente, atravessam a loja.
Independentemente do juízo de valor que cada um possa fazer do que acima disse, não há dúvidas que este estado de coisas é gerador de grandes injustiças. Só os autistas não se dão conta de que o País vive uma fase de descalabro económico, agravada ainda mais pelo crescimento descontrolado de uma classe parasitária habilidosamente disfarçada sob os mais diversos e pretensos eventos culturais.
Por mais que afirmem o contrário não há outra via de salvação que não seja a do trabalho. Mas do trabalho que sirva o Homem e as suas comunidades e não o trabalho fingido de que o Homem se sirva apenas para gozo dos seus apetites e vaidades.
Retomando o mote desta crónica, seria de facto justo, honesto, transparente e democrático que o contribuinte soubesse para onde vão, e como são aplicados os dinheiros que deposita nos cofres do Estado. Utopia, claro!...  Mas se fosse possível, seriam muitas as surpresas. Ou talvez não.
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sexta-feira, dezembro 12, 2014

POR QUE NÃO NOS VENDEM ?

Não. Não estás só. Somos muitos. E em cada dia que passa, é mais um que se nos junta. Aumenta o número, mas nem por isso fazemos com que se lembrem de nós. Tens razão quando dizes que ao longo dos anos fomos adquirindo saber e experiência e que, por isso, possuímos um património que poderia contribuir para que a sociedade avançasse rumo ao futuro com mais firmeza, seriedade e segurança. Tens ainda razão quando dizes que constituímos o elo entre o passado e o futuro e que contribuímos para que o presente não seja esvaziado de memória, de valores e de orientação. É verdade!
Mas puseram-nos o rótulo de “velhos! “E alguns de nós são até considerados como um “peso”!... Olha o João, que troçava quando  nos nossos verdes anos ouvíamos  Brel cantar “Les Vieux” :  Les vieux ne rêvent plus, leurs lèvres s’ensommeillent, leurs pianos sont fermés / Le petit chat est mort, le muscat du dimanche ne les fait plus chanter / Les vieux ne bougent plus leurs gestes  ont trop de rides leurs monde est trop petit / Du lit à la fenêtre, puis du lit au fauteuil et puis du lit au lit…(…) Les vieux ne meurent pas, ils s’endorment un jour et dorment trop longtemps...»  Pois é. O João dorme agora num Lar, até adormecer para sempre… Houve um tempo em que a experiência valorizava. Agora, muitas vezes, compromete e condena à solidão…
Dizias-me que “no Antigo Testamento o idoso era referido como transmissor da sabedoria que vinha de Deus, que no Livro do Génesis, no Deuteronómio, no da Sabedoria e no Eclesiástico, a velhice era considerada uma bênção, uma riqueza que devia agradecer-se…”
Mas os tempos mudaram, Zé. Os valores económicos esmagaram os valores espirituais e até culturais. O idoso não produz, não consome, só gasta…deixou, portanto, de figurar na coluna do “Haver”.
De vez em quando, lá nos vão atirando uns rebuçados disfarçados em cêntimos ou mostrando na televisão o avozinho que leva o neto à escola, …
Cambada de hipócritas! Se estorvamos, por que não nos vendem? Vem aí um Novo Ano, e ao ritmo acelerado que vai a venda dos “bens” do País, nós, que também somos Património, porque não nos trocam por alguns euros? Já pensaste no alívio que seria para a Segurança Social? E já pensaste na alegria e, sobretudo, no orgulho dos nossos tetranetos, quando lessem nos manuais escolares a saga dos seus antepassados que sacrificaram “carne e osso” pela salvação da Pátria? Ri-te, homem! Nada podemos fazer. Estamos velhos… e mal pagos. Mas, como dizia o outro a velhice é maravilhosa. Só é aborrecido é que ela acabe tão mal…
 

 

 

 

 

 

 

NÃO TÊM OUTRO NOME

 
Há dias, numa entrevista, quando o jornalista perguntava a um dos nossos “meninos de coro”, qual a receita que tinha usado para adquirir tamanha fortuna em tão curto espaço de tempo, o entrevistado, carinha de anjo papudo, respondia sem pestanejar:
- “ Com muito trabalho, muito suor e muitos sacrifícios. Não se esqueça que até andei descalço…”
A um outro figurão a quem perguntavam o que tinha a declarar pelo facto de ser acusado de estar envolvido numa “troca de agulhas” que conduziu ao descarrilamento de uma “pipa de massa” respondia com um sorriso angélico que “nada temia porque estava de consciência tranquila…”
Aqui estão dois casos que exemplificam o pensamento de uma certa classe de indivíduos que se passeia cá pelo rectângulo, que nunca trabalhou, que nada fez, mas que mercê do cargo que ocupou ou ocupa é hoje detentora de fortunas incalculáveis!
E não é preciso procurar muito, porque os exemplos estão à vista e ainda há pouco tempo as estatísticas nos diziam que, por cá, a percentagem de milionários não cessa de aumentar.
Enquanto de norte a sul uns indivíduos a que chamam de “ladrões” tentam forçar caixas do multibanco e aliviar as caixas registadoras de bombas de gasolina a poder de armas de fogo e marretas, outros, menos violentos e apenas com a ajuda de uma esferográfica, vão aforrando, desviando e avolumando as suas contas bancárias.
Acredito sinceramente que tanto a uns como aos outros, as duas expressões – “pé descalço” e “consciência tranquila” – assentem que nem uma luva, pois não há ninguém que não tenha andado de pé descalço quanto mais seja na praia ou quando vai para a cama.
Quanto a “consciência tranquila” e por força da profissão que ocupam, tanto uns como outros, esse sentimento íntimo que avisa e dá conhecimento das nossas acções, aprovando-as ou reprovando-as, é coisa que não devem possuir. Hoje consciência é coisa de pobre…
Aqui há uns tempos, os serviços cartográficos deram a notícia de que a superfície de Portugal tinha aumentado, pois após uma nova medição mais uns tantos quilómetros foram acrescentados ao rectângulo…
Na altura foi com surpresa e algum cepticismo à mistura, que “engoli “o alongamento. Hoje verifico que precisamos de muito mais espaço para albergar os tais figurões “do pé-descalço “e de “consciência tranquila.” E o que é terrivelmente assustador e escandaloso é que eles não param de aumentar dia após dia. E tudo legalmente… Ladrões!

 

 

ESCOLHAS

Nesta turbulência que nestes últimos tempos tem afectado a nossa cena política, a baixeza de alguns dos cidadãos que deviam constituir a "nata" da sociedade, transformou o País num lodaçal pestilento de indignidade e de podridão.
E o que mais me surpreende é que, perante tantos atentados à lei da honra tradicional, tal facto faz deles uma espécie de pára-raios onde todos descarregamos os nossos fracassos, as nossas desilusões e mesmo o nosso mau humor. Mas… mais nada!...
Estamos a habituar-nos a este cenário, e hoje, dizer mal dos políticos, não só alivia o stress como também é assunto para todas as conversas.
Fraco entretenimento é certo, mas com os exemplos que nos chegam do alto e a impossibilidade de inverter esta onda de “roubos” é difícil conter a revolta interior…e toca de imitar suas excelências, porque isto de ser honesto já foi chão que deu uvas!
Onde nós chegámos! Chegámos? Ainda não, porque, ao que parece, a procissão ainda vai no adro. Mas, convenhamos que é triste assistir a este descalabro moral, a esta falta de ética, a este desrespeito por tudo e por todos.
E é sobretudo triste e revoltante assistir a este apetite voraz em que ao ideal de servir a comunidade, se sobrepõe o espírito de rapina, essa fobia que faz com que, sem escrúpulos, nem olhando a meios, se pense unicamente em vantagens e benefícios pessoais.
O pelotão dos oportunistas não pára de engrossar - as benesses, os lucros duvidosos, as promoções injustas e os atropelos à Lei, correm lado a lado, embora sob bandeiras de cor diferente.
Há excepções à regra, bem o sabemos. Há gente honesta, há gente humana, há gente competente e há gente moralmente sã. Mas cada vez o seu número é mais reduzido.
Como pode o cidadão comum comportar-se digna e honestamente, quando os pontos de referência que devem pautar a sua conduta lhe mostram, precisamente, o contrário?
Numa espécie de naufrágio tudo está a afogar-se num mar de egoísmos, de cobiça e de estupidez. A herança que chegou até nós, qualquer que seja a interpretação que se lhe queira atribuir, é fruto do investimento generoso de muitas gerações que no-la legaram depois de muita renúncia, de muito suor e de muita lágrima. Mas essa herança está a ser roubada e vendida a retalho e ao desbarato. A corrupção, a impunidade, o desprezo pelas pessoas, a crueldade calculista, tudo isso levou à desvalorização da honra.
Eu que nasci português durante um período histórico que não escolhi, vou também chegar ao anoitecer sem o mesmo poder de escolha…
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A VELHINHA EUROPA


 
Os que costumam ler os meus rabiscos, já devem ter notado que sou um apaixonado por coisas antigas com especial interesse por tudo o que se relacione com a História, os usos ou os costumes dos Povos…
Há dias, numa ronda pela minha biblioteca, encontrei um antigo livro, já esfarrapado e com falta de algumas páginas, que despertou a minha curiosidade. Comecei a folhear e eis que dei com esta “pérola” centenária, que gostaria de partilhar convosco, não só pela sua pertinência como também por algumas coincidências.
Trata-se de um excerto de um livro escrito por volta de 1906 por um escritor inglês, William Stanley, com o título “The case of de fox”, páginas 30 a 34. Escreveu o autor:
«Em 1930 para fazer frente ao poderio dos Estados Unidos da América, formar-se-ão os Estados Unidos da Europa, cuja capital será Paris. Ali se reunirá o parlamento do qual sairão as leis para toda a comunidade europeia.
As discussões far-se-ão em inglês, pois este idioma será a língua universal.
Cada um dos antigos Estados terá uma assembleia legislativa especial encarregada de regular os assuntos internos. Todos os Estados se terão convertido em Republicas…»
Quase na mesma altura da profecia de William Stanley, um jornal estrangeiro publicava o seguinte texto: «O historiador e sociólogo francês, M. Anatole Leroy-Beaulieu que se encontra nos Estados Unidos proferindo várias conferências, afirmou na da Alliance Française, de Chicago, que era certa a formação dos Estados Unidos da Europa, acrescentando que mesmo que ela não se fizesse no século XX, ela era indispensável. Porém três nações europeias ficariam de fora: Grã-Bretanha, porque se combinaria com os Estados Unidos; Rússia, porque formaria uma grande nação por si só e a Turquia porque sem ficar materialmente excluída da federação, perderia a sua identidade nacional se a integrasse.
A União Europeia impor-se-á para fazer frente à agressão norte americana e ao “perigo amarelo”. Ainda segundo o conferencista, e segundo verificou, os Estados Unidos tinham a tendência de olhar para a Europa continental com a mesma consideração que sentem os filhos para com os pais caídos em decrepitude, cuja utilidade passou à história….».
É uma espécie de “premonição”, mas também a prova de que, um século depois, a velhinha e decrépita Europa continua o seu caminho e isso apesar dos maus-tratos por que tem passado...

EM JEITO DE CONFISSÃO

Há muita gente que tem medo de envelhecer. No meu caso, confesso que me sinto feliz por ter chegado a esta fase da vida. Ela dá-me a oportunidade de prosseguir o meu desenvolvimento tanto no aspecto pessoal como social.
E quanto não vale este livro ilustrado que é a memória com todas as experiências vividas?!...
É por isso que aceito o envelhecimento como uma fase da existência terrena de cada ser humano – encaro-o assim como que uma espécie de prolongamento de um projecto inacabado!
Agora que os sonhos se esfumaram, que as paixões se esvaziaram e que à euforia de outrora sucede a crua realidade do dia-a-dia, o tempo tem outro encanto, outro sabor e cada amanhecer é uma dádiva que aviva o sentimento da maravilha do ser humano na terra com toda a sua riqueza e diversidade.
E é também uma outra maneira de interiorizar a vida com a alegria de poder participar nas iniciativas que povoam o curso fértil da humanidade através da solidariedade e do voluntariado. 
Mas nem sempre é fácil. Numa sociedade computorizada e consumista em que se passa o tempo a premir teclas e botões num ritmo alucinante imposto pela informática e pela cibernética, só com força de vontade e determinação se consegue aguentar a corrida desgastante que a maquiavélica máquina exige.
É uma sociedade traiçoeira, esta em que vivemos!...
Ela não se compadece com ninguém, nem mesmo com aqueles que são testemunhas vivas dos laços de família ao longo de várias gerações.
O conflito entre elas agudiza-se em cada dia que passa. O individualismo selvagem e cruel anda à solta; a afirmação pessoal agride; a competição social destrói e a solidariedade entre as pessoas tende a desaparecer.
Por isso são várias as dificuldades com que o idoso se debate e é necessária uma grande força de vontade e uma fé inquebrantável para fazer a integração nessa nova sociedade, sem que tenhamos de abdicar dos princípios básicos daquela em que fomos criados.
Apesar de estarmos na era da globalização, não podemos esquecer que a Família continua a ser a célula básica da sociedade.
Durante estes últimos vinte anos foi talvez o período da minha vida em que se desenvolveu mais esta opção individual de reforçar o meu optimismo perante a vida. O envelhecimento não é uma doença nem uma incapacidade, que nos impeça de ter uma vida produtiva e feliz.
O diálogo entre gerações é essencial para prevenir a solidão e a exclusão social. Só por volta dos meus 60 anos é que comecei a martelar as teclas do computador. E os meus primeiros professores foram os meus netos…