segunda-feira, agosto 31, 2015

"CHÁ" e DINHEIRO

“Chá” e dinheiro
Reza a História que por volta do século XVII, a filha do nosso rei D. João IV, ao contrair matrimónio com Carlos II de Inglaterra, - e a juntar à cidade de Bombaim, na Índia, que levava como dote - levou também o hábito de tomar chá, hábito até aí desconhecido em terras de Sua Majestade britânica.   
Muito embora tenham sido os ingleses os "inventores" do chá das cinco, foram no entanto os portugueses que trouxeram a planta do Oriente e a introduziram na Europa. A princípio, a bebida proveniente da infusão das folhas do arbusto, era só privilégio das casas mais abastadas cá do Reino. Tomar chá conferia assim um certo estatuto de nobreza que, ao longo dos tempos se foi divulgando até que a expressão "tomar chá" começou a ser sinónimo de educação e boas maneiras...
Estou daqui a ver a cara de escárnio de alguns leitores que consideram “essa coisa” de etiqueta e boas maneiras como resquícios do passado, daquele passado que as suas fanatizadas mentes não admitem seja lembrado!
Bom proveito lhes faça tal interpretação, mas cá p'ra mim continuo a pensar que a vida social só faz sentido quando é regulada por princípios de conduta que permitam distinguir o homem civilizado do homem das cavernas. Não porque ele não mereça o devido respeito, mas ou se evolui verdadeiramente em todos os sectores da sociedade ou se continua a comer com as mãos e a limpar o ranho à costa da mão. Recuo em que, evidentemente, ninguém está interessado...
Mas vem este prólogo a propósito do "vale tudo" que reina por aí, a começar pela classe dirigente que chega ao ponto de não saber comportar-se com frontalidade, nem conservar o aprumo e a compostura que o desempenho dos cargos que ocupa lhe impõe. À mais pequena escaramuça, estala o verniz, e assistimos, por vezes, a situações deveras caricatas para não dizer vergonhosas.
O “chá” que se possa ter tomado em pequeno ajuda muito, mas não basta. É preciso, pela vida fora, continuar a aperfeiçoar o nosso comportamento e saber enfrentar, civilizadamente, todas as situações.
Para baralhar ainda mais e usando armadilhas sofisticadas, apareceu el-rei D. Dinheiro que sem escrúpulos nem preconceitos se infiltrou em todos os sectores e se tornou senhor absoluto. E passa-se por cima de tudo e de todos. É uma espécie de salvo-conduto.
Tudo se compra e tudo é permitido. Compram-se empregos, títulos, nobreza... E até consciências! A afabilidade, a cortesia, o «bom dia», a «boa tarde», o «se faz favor», e outras formas de civilidade caíram em desuso. Nada disso interessa. A importância do cidadão passou a ser “avaliada” ou pelo lugar que ocupa (muitas vezes mal!) ou pela sua conta bancária. O dinheiro passou a ser uma espécie de lixívia, um tira-nódoas cada vez mais usado...


ELES AÍ ESTÃO !...



Sorridentes, bronzeados, barrigudos, palradores e descontraídos, ei-los que chegam. É o regresso dos nossos ilustríssimos e denodados filhos da pátria que depois de um descanso merecido (?) vêm de novo ocupar as almofadadas cadeiras dos seus confortáveis, luxuosos e climatizados departamentos.
É a “rentrée” política! Não sei por que apareceu no nosso tão rico vocabulário este francesismo. O que sei é que nos tempos que correm é de bom-tom usar essa expressão. Parece que ela confere aos que a pronunciam um certo ar de intelectualidade e sapiência! Puro fingimento, claro, mas como hoje “o parecer” é mais importante do que “o ser”, são muitas as vantagens da camuflagem.
Seja como for, o certo é que há ainda muitos ingénuos que depositam neste regresso dos nossos mandantes muitas esperanças convencidos de que eles vêm de facto com vontade de melhorar as coisas! Mentira. E é lamentável que ainda se não tenha percebido que é necessário e urgente operar uma revolução que se traduza numa mudança de mentalidades. É urgente que se deixe de falar tanto na tal “rentrée” política e se fale antes e mais na “rentrée” de todos nós. 
É que, inadvertidamente ou por comodismo vamos adiando dia após dia a nossa efectiva “rentrée”, a nossa entrada ou seja a exigência dos nossos direitos de contribuintes. Pagamos, cumprimos, mas não denunciamos as injustiças ou as arbitrariedades de que somos vítimas. Há muita gente que quando se queixa, o faz apenas para amigos e sempre em voz baixa, quase em segredo. Parece existir uma “barreira” que os impede de reivindicar o que lhes é devido em troca dos impostos que pagam. Há dias quando alguém se queixava de ter sido mal recebido num serviço público e o aconselhávamos a que denunciasse o caso por escrito, a resposta que obtivemos ilustra bem o círculo vicioso em que vivemos:- Ah! Isso não, porque tenho lá gente de família a trabalhar e isso poderia prejudicar-lhes a carreira...       
É este o País em que vivemos! Um país de comprometidos; um país em que famílias inteiras chegam a ocupar e dirigir uma repartição completa; um país de cunhas, de padrinhos, de troca de favores, de vergonhoso e descarado compadrio. Por tudo isso não serão os políticos, qualquer que seja a cor da camisola que enverguem, a pôr termo a este monopólio de benesses e de lugares públicos e a toda esta falta de competência e de brio profissional que reina por aí.
Só a nossa “rentrée”, o nosso regresso aos tradicionais valores da honra e da moral, e um combate sem tréguas denunciando por escrito os abusos do poder, a prepotência, a falta de civismo e a corrupção, poderá pôr fim a esta onda de anarquia que dá origem a todo este regabofe que reina de norte a sul do país. Se hoje não participarmos nesse combate, não poderemos queixar-nos do que possa surgir amanhã. E, por vezes, a cumplicidade também é crime.


A CRISE


Houve um tempo em que aqui na nossa Europa Ocidental, sabíamo-nos mais prósperos e com melhor nível de vida, à excepção de outros países, como a América do Norte, a Austrália, o Japão e, evidentemente, os do Golfo Pérsico. Éramos mais pobres do que os suíços, que os noruegueses, mas mais ricos do que os chineses. E isso era para cada um de nós tão normal como o facto de o nosso céu ser um dos mais azuis do Mundo!
Além disso julgávamo-nos mais civilizados, mais educados, mais cultos e mais tolerantes que todos os outros povos do mundo. A nossa vida era boa e mantínhamos as nossas tradições com orgulho e até, por vezes, com uma vaidade exagerada.
Porém, a certa altura, os dias felizes de tanta prosperidade passaram a ser menos felizes e com muito menor prosperidade…
E deu-se o reverso. As empresas começaram a fechar, o desemprego aumentou. E então os governantes começaram a explicar o inexplicável, fazendo promessas para a resolver e criar empregos. E continuaram a prometer, mas sempre com os desempregados a aumentar, o dinheiro para viver a escassear e a frustração e o desespero a apossar-se dos mais pobres.
E então chegámos a esta situação que todos conhecem. E com a nossa tradicional bonomia adoptamos a teoria do senhor Pangloss que afirmava que as coisas acontecem, porque têm mesmo que acontecer...
E a todo esse emaranhado complexo de problemas por que estamos a passar, de ordens e contra-ordens, de originalidades que nunca imaginámos, - como a de pôr na rua o ladrão e mandar a julgamento o polícia, que se atreveu a prendê-lo - a todo este emaranhado de coisas, repito, se deu o nome de crise, que tudo abrange e explica tudo o que de mau nos acontece. E ordena-se o corte de vinhas, de oliveiras; obrigam-se os pescadores a deitar o pescado ao mar; desincentivam-se os agricultores a semear, tudo isso porque a fartura é antieconómica!...
Enquanto isso, as populações de chamado “interior” são esquecidas e os já escassos sinais de “civilização” que ainda existem, - escolas, postos de saúde, correios, etc. – são suprimidas ou deslocalizados para as cidades onde tudo se concentra.
Por tudo e por nada e obedecendo ao Progresso do cimento armado, construíram-se auto-estradas que serpenteiam o País, - algumas sem tráfico que justifique a sua existência – há festas, há certames, há exposições, há inaugurações e as Finanças, sem bússola, batem no mexilhão, porque na rocha ninguém lhe toca. É a crise! E é inútil gritar, combatê-la, porque os seus tentáculos espalharam-se pelo País inteiro…
E há ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. É a crise. E se há culpados, não há julgamento. Os Tribunais só julgam pequenos delitos! 





quinta-feira, agosto 20, 2015

AMANHÃ PODE JÁ SER TARDE...


 

Eis uma frase que adoptei como lema na década de 60 e que ainda hoje me serve de guia. Em 1965 escrevi-a num papel e mandei-a copiar para uma chapa de ferro, que depois, e à guisa de brasão, encimei com uma casa em miniatura, no interior da qual coloquei uma lâmpada, que irradia luz.

Como na língua do País onde então me encontrava não existia o til, o copista substitui-o por um acento circunflexo.

Na altura pensei corrigir o erro, mas perante o sorriso de satisfação do “artista” quando me entregou a “obra”, desisti de o fazer. Afinal a gralha até tinha a sua piada, pois o amanhâ com o chapéu ficaria mais protegido das “intempéries” da vida!

Durante anos o “brasão” manteve-se afixado numa espécie de pátio da casa onde habitei. Era um espaço interior a céu aberto, com canteiros de flores e duas buganvílias, uma branca e outra vermelha.

Era lá que tomávamos o pequeno-almoço naquelas manhãs quentes e peganhentas de África!

Hoje, “o meu lema” encontra-se em destaque por cima da minha lareira – o meu refúgio no Inverno, pois como vos tenho dito, sou um friorento como não deve haver igual.

Mas, como tudo na vida, a divisa em questão tem uma história: Logo no início dos meus trabalhos no Continente Negro, e apesar de me encontrar num dos locais mais recônditos daquele País, longe de tudo e de todos, o primeiro dinheiro que ia ganhando, aplicava-o em variados utensílios de casa e em livros.

Passados alguns anos pode dizer-se que tinha tudo o que é necessário numa casa -utensílios de uso diário, uma biblioteca onde podia esclarecer dúvidas, um rádio, por intermédio do qual, em onda curta, ouvia as notícias da Pátria distante, e até, confesso, coisas supérfluas…

No entanto, muitas vezes privávamo-nos de utilizar o que tínhamos para não estragar ou para, eventualmente, nos acompanhar aquando do regresso definitivo!

Guardávamos tudo quase religiosamente. Até que um dia… ficámos reduzidos à roupa que tínhamos vestido. Perdemos tudo!

As convulsões políticas na região fizeram com que ficassem apenas as paredes da casa…

E eis o motivo por que a partir daquela data nunca mais deixei o certo pelo duvidoso, isto é, nunca mais deixei de sorver todos os momentos da vida e sempre que posso, “vivo o “hoje” como se fosse o último dia da minha vida”, porque... «Amanhâ pode já ser tarde...!»

 

 

 

 

 

 

 

A PROPÓSITO DO NOSSO QUOTIDIANO


 
Como todos sabem, as parábolas são narrativas que usam alegorias para transmitir lições morais. Por isso, hoje, dei férias aos meus neurónios e vou tentar contar-vos uma que, penso eu, se encaixa, perfeitamente no actual contexto do dia-a-dia lusitano.

«Havia um rei que estava desesperado, porque não conseguia um novo arrecadador de impostos.

- Não há, neste país, uma pessoa honesta que possa arrecadar os impostos sem roubar dinheiro? - Lamentava-se ele.

E depois de pensar por alguns momentos chamou o seu conselheiro mais sábio e explicou-lhe o problema.

E o conselheiro deu a sua opinião:

-Peço a Vossa Majestade que publique um pregão, anunciando que estais procurando um novo arrecadador e deixai o resto por minha conta.

O anúncio foi feito e naquela mesma tarde, o salão do palácio encheu-se de gente. E vieram todos: grandes, pequenos, gordos, magros, velhos ou jovens, e todos elegantemente vestidos, menos um pobre homem vestido com roupas amarrotadas e bastante gastas. Os demais riam-se dele e cochichavam entre si:

- O rei não vai escolher para seu arrecadador um pobre homem como este, mal vestido, uma espécie de vagabundo….

 Entretanto chegou o sábio conselheiro e disse-lhes:

- O rei está à vossa espera, mas para chegar até aos seus aposentos, deverão passar por este corredor. Como ele é muito estreito só pode passar um de cada vez.  O corredor era, de facto, muito escuro e estreito e todos tinham de caminhar apoiando suas mãos nas paredes para não se perderem ou não se machucarem. Finalmente todos chegaram diante do rei e este, sem conhecer qual o estratagema do conselheiro cochichou-lhe:

- E agora o que faço?

- Com vossa permissão, Majestade, eu vou chamar a charanga para que toque uma música e depois vou pedir a todos os pretendentes ao cargo, que dancem…

 O rei achou muito estranho, mas fez o que o conselheiro lhe disse. Todos os homens se esforçavam em dançar com elegância, mas o resultado era um desastre. Parecia que tinham pés de chumbo. Apenas o homem mal vestido dançava com uma leveza invejável. Os outros quase não se moviam…

Então, o conselheiro dirigiu-se a ele, mostrando-lhe o dançarino pobre e disse-lhe: - É este é o vosso novo arrecadador - e explicou: Coloquei no corredor, estreito e escuro, montões de moedas e jóias. Este foi o único que não encheu seus bolsos com elas. Por isso dança tão levemente….»

O rei, finalmente, encontrou uma pessoa honesta. E se cá na Lusitânia experimentássemos o estratagema?