segunda-feira, dezembro 27, 2010

NOITE DE NATAL

Este ano fomos passar o Natal com a família do Norte – Vila Nova de Gaia. Menos frio do que aqui na aldeia, mas mesmo assim as temperaturas eram baixas.
Visitámos umas das “catedrais” do consumo. Muita gente e poucos sinais que indiciassem a crise por que estamos a passar. Talvez tivéssemos sido influenciados pela afluência às lojas onde muitos vão, mas nem todos fazem compras…
Salvo raras excepções é tudo gente apressada. Uma correria infernal. Só as crianças, ainda indiferentes à cavalgada da vida, olham sorridentes, olhos gulosos, os atraentes brinquedos expostos nas lojas da especialidade.
As canções de Natal, ora na toada antiga, ora em arranjos modernos, enchem o espaço, mas parece que ninguém nota muito a diferença. Dá-nos a impressão que o que conta é o barulho. Talvez um barulho diferente de outras épocas do ano, não tanto pelos acordes, mas mais pelos cheiros da quadra natalícia. Antigamente a música identificava uma época do ano com mais rigor. Hoje nem sempre isso acontece e a tendência é para derrubar essas fronteiras musicais. A melodia cedeu o lugar a um barulho tão ensurdecedor que quase se confundem os ritmos. Sinais dos tempos!...
Noite de consoada em família. O fiel amigo, ainda fumegante, acompanhado pelo respectivo séquito – couves, cebolas, ovos, batatas – presidiu, como manda a tradição, à cerimónia, e mal chegava aos pratos, logo era ungido com fino azeite, seguindo-se, conforme os gostos, a adição de alho picado.
Doces da quadra onde imperavam as rabanadas, rodeadas pelo bolo-rei, pelas filhós de abóbora e outras doçuras enchiam a mesa. Bebidas diversas e tradicionais testemunhavam a solenidade do momento sem qualquer descriminação, pois até o estrangeiro champagne se juntou à festa!
Meia-noite! Abriram-se as prendas e eis senão quando lá do presépio ouviu-se uma voz:
“Era Cristo Menino
A fazer beicinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
E do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Não tive tecto nem afecto!...”
Fez-se silêncio na sala e a vozita continuou:
“Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:
Foi este o Natal de Jesus?!...” (*)

(*) Excertos de “Natal de Quem?” de João Coelho dos Santos




quinta-feira, dezembro 09, 2010

Nada mudou... ou mudou para pior?!...

( 1850 - 1923 )


Muito se tem dito, escrito e apregoado quanto à necessidade de uma mudança de mentalidade do povo português.
Interrogo-me muitas vezes sobre esse desejado “ milagre”e, à medida que o tempo passa, cada vez me parece mais longe essa possibilidade. A nossa maneira de pensar, de agir, enfim, a nossa maneira de ser é imutável.
A esse respeito e a juntar a vários textos antigos que tenho lido, recebi há dias, de um Amigo, com o título acima, um excerto de um texto de Guerra Junqueiro escrito em 1896 sobre o que éramos (e somos) que quero partilhar com os leitores, reforçando assim a minha opinião sobre o assunto:
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Como os leitores podem verificar, este texto, escrito há mais de um século, está actualíssimo e mostra à saciedade, que por mais voltas que o Mundo dê, não mudamos.
E tanto poderá ser um castigo que Deus Nosso Senhor nos infligiu, como uma praga que o Diabo nos rogou!...


OS PEQUENOS DITADORES



O País está atulhado deles. Há-os por todo o lado. Grandes e pequenos. Intelectuais e analfabetos. E existem tanto na esquerda como na direita.
No Governo, na Assembleia da República, nas Secretarias de Estado, na Justiça, na Saúde, nos Sindicatos, nas Fundações, nas Comissões de Inquérito, nos Municípios, na Imprensa, nas Escolas e em todos os lugares onde lhes cheire a poder, eles espalham-se e escondem-se por todo o lado como piolho em costura!
Saímos de uma Ditadura maior para ditaduras menores, mais disfarçadas, mas não menos nefastas…
E são essas pequenas ditaduras que geram sentimentos de medo por parte dos subalternos que, por sua vez, criam à sua volta, e em simultâneo, climas de bajulação e de denúncias.
Com medo de se perder o emprego, o estatuto ou os privilégios, lisonjeia-se o chefe e denuncia-se o colega.
Não há moral, não se respeita a ética, e ignoram-se os ditames de consciência – a integridade que deve caracterizar qualquer ser humano desaparece.
Muita gente vê o autoritarismo apenas sob a perspectiva do Estado enquanto opressão do poder político. Mas isso não é totalmente assim.
O autoritarismo é uma manifestação de egoísmo que pode manifestar-se em qualquer sector da sociedade, dependendo apenas do alto conceito que cada um atribua a si mesmo. A ambição, a vaidade, o protagonismo e a supremacia em relação ao semelhante, pode desencadear esse sentimento
Um lugar de chefia é, geralmente, a rampa de lançamento mais usada para a propulsão do prepotente.
Há instituições particulares que apesar da sua fachada democrática e da sua orientação pedagógica e científica, apresentam, por intermédio do seu chefe, um carácter opressivo.
E, paradoxalmente, é nessas instituições em que a liberdade, a sinceridade, o respeito mútuo, a civilidade e o diálogo deveriam, acima de tudo, sobrepor-se a qualquer outra forma de actuação.
Esses pequenos ditadores consideram-se profetas de um novo Mundo e exercem os seus cargos como de feudos se tratasse, erguendo muralhas e fossos de protecção e usando o poder que a função lhes confere para reforçar a sua vaidade pessoal e o domínio sobre os outros.
E há casos em que eles não só exercitam a sua prepotência sobre aqueles que gravitam à sua volta como também tentam estender os seus tentáculos para o exterior. Com sucesso algumas vezes, mas muitas mais sem conseguirem atingir o seu objectivo. No primeiro caso porque o alvo se presta a chantagem, no segundo porque há ainda quem não tema quaisquer represálias sejam elas de carácter ideológico, profissional ou meramente pessoal.
O pequeno ditador, geralmente, não é inteligente. Mas é esperto. E é narcisista, hipócrita, vingativo, manhoso, mas covarde quando atacado frontalmente. Não sei se algum dos meus leitores já alguma vez foi alvo dessa casta de indivíduos. Se não, acautelem-se.