domingo, outubro 26, 2008

A alcateia




Fala-se muito em crise, mas poucos são aqueles que se interrogam e procuram saber quais os factores que contribuíram para que chegássemos a esta encruzilhada e ficássemos desorientados sem saber qual o caminho que devemos seguir.
A mim, simples e inculto cidadão deste País, o que mais me intriga é o facto de no meio de tantos especialistas, tantos intelectuais, tantos politólogos, tantas sumidades e tantos adivinhos não houvesse um que se apercebesse que, mais dia menos dia, isto ia acontecer!...
Era impossível que isto não desse o “estoiro”! Sem trabalho como seria possível aguentar o barco?!... Com tanta gente a viver à rica, a gastar à barba longa e a esbanjar “o nosso dinheiro”, o dinheiro dos que sempre trabalharam, que outro desfecho se poderia esperara que não este a que chegámos?
Diariamente os jornais e outros meios de comunicação trazem até nós casos flagrantes desta vida desregrada, destes gastos supérfluos que acontecem por esse Portugal fora. São cada vez menos os que trabalham e os que produzem, e cada vez mais os que estragam e comem à custa dos poucos que ainda vão trabalhando.
Infelizmente é na classe dirigente, nessa classe que deveria dar o exemplo, que surgem os maiores abusos, os maiores escândalos e a maior falta de vergonha e de honestidade.
Tenho à minha frente a notícia que nos dá conta de que três administradores da empresa da Câmara Municipal de Lisboa que gere os bairros sociais da capital gastaram só em restaurantes entre 2006 e 2007 um total de 64.413 mil euros em 621 refeições, pagando em média por cada uma 173 euros!...
Não há dúvidas de que grande parte dos que mandam tem a consciência na conta do Banco e a barriga no cérebro!...
Já em tempos éramos conhecidos por comilões e como escreveu Júlio Dantas, «somos um país de intoxicados. Não erraria muito quem fosse até ao extremo paradoxal de atribuir aos erros e às exuberâncias seculares da cozinha portuguesa todos os desastres seculares políticos que nos têm afligido. A nossa planturosa cozinha de artríticos, duma abundância monacal, com leitões e vitelas inteiras nadando em molho dentro de bandejas de prata, tem, pelo menos, graves responsabilidades nas grandes catástrofes nacionais…»
Todos os males que presentemente nos afligem têm origem em abusos. E o que me revolta e a muito mais gente é que apesar de não termos abusado, somos obrigados a pagar os abusos dos outros. E a revolta é ainda maior ao verificar que muitos dos membros dessa cambada de parasitas, saem quase sempre impunes das trafulhices que fazem. Mas como dizia meu Avô das barbas: “os lobos não se comem uns aos outros… “

Homónimos



O Outono tinha começado há dias. As folhas amarelecidas começavam já a fazer um tapete sob a parreira que dava acesso à casa. Nas videiras havia ainda alguns restos de cachos de uvas que tinham escapado à tesoura dos vindimadores.
O João, um petiz de oito anitos, mochila às costas e “Magalhães” pendurado na mão esquerda, de vez em quando parava e, em bicos de pés, lá ia depenicando os bagos dos moscatéis.
Tinha recebido o “Magalhães” naquele dia e estava ansioso por mostrar ao pai aquele brinquedo que lhe haviam oferecido na escola e que, segundo a professora, era “coisa” que tinha lá dentro tudo o que era preciso para fazer dele um verdadeiro homem…
Até o Anacleto que era pouco dotado para aprender, iria tornar-se um sábio, acrescentara a D. Matilde… Livros, borracha, calculadora, dicionários, tudo isso a máquina substituirá. Até o trabalho de pensar será aliviado. O “Magalhães” pensará por vós, acrescentara a professora.
O que é preciso é saber servir-se dele – tinha reforçado um senhor que, segundo a professora, devia ao “Magalhães” tudo o que era, e tudo o que tinha.” (O petiz não sabia que o fulano era comissionista no negócio do Tio Zé!...)
Mas, ingénuo ainda, o João, à medida que se ia aproximando de casa, mais eufórico se sentia pela surpresa que iria fazer. Sobretudo ao pai que estava desempregado e para afogar as mágoas passava os dias a beber, insultando e chamando aqueles nomes feios, que todos conhecemos, aos nossos digníssimos mandantes.
Pensava o petiz, na dele, que a “maquina,” segundo tudo o que ouvira, iria resolver todos os problemas incluindo o da falta de dinheiro lá em casa…
O pai, cigarro na mão e já bastante eufórico como geralmente acontece com os fiéis amantes do deus Baco, conversava na soleira da porta com dois amigos, também eles seguidores acérrimos dos preceitos do mesmo deus…
João, sorridente, nem se lembrou do «olá pai!» e disparou: Olha o meu “Magalhães!”…
E o pai, olhos esbugalhados: Não, eu não acredito! Não me digas que trazes nessa caixa esse safado do Magalhães que ainda me deve o dinheiro da junta de bois que lhe vendi há dois anos?!...
-Não, pai! Isto é um computador. Aquela caixa que agora dão na escola e que ensina tudo. É o Magalhães…
-Na escola disseram-te isso? Fia-te neles!... Eu também me fiei no Magalhães quando lhe vendi a os animais e até agora, nem bois nem dinheiro…
-Mas, ó pai, isto é uma máquina que nos ensina e tem, como diz a senhora professora, uma coisa que se chama tecnologia de ponta…
-Pois! Os bois também tinham pontas, mas agora não há ponta por onde eu lhes pegue. Raios partam o Magalhães…





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