domingo, outubro 26, 2008

Homónimos



O Outono tinha começado há dias. As folhas amarelecidas começavam já a fazer um tapete sob a parreira que dava acesso à casa. Nas videiras havia ainda alguns restos de cachos de uvas que tinham escapado à tesoura dos vindimadores.
O João, um petiz de oito anitos, mochila às costas e “Magalhães” pendurado na mão esquerda, de vez em quando parava e, em bicos de pés, lá ia depenicando os bagos dos moscatéis.
Tinha recebido o “Magalhães” naquele dia e estava ansioso por mostrar ao pai aquele brinquedo que lhe haviam oferecido na escola e que, segundo a professora, era “coisa” que tinha lá dentro tudo o que era preciso para fazer dele um verdadeiro homem…
Até o Anacleto que era pouco dotado para aprender, iria tornar-se um sábio, acrescentara a D. Matilde… Livros, borracha, calculadora, dicionários, tudo isso a máquina substituirá. Até o trabalho de pensar será aliviado. O “Magalhães” pensará por vós, acrescentara a professora.
O que é preciso é saber servir-se dele – tinha reforçado um senhor que, segundo a professora, devia ao “Magalhães” tudo o que era, e tudo o que tinha.” (O petiz não sabia que o fulano era comissionista no negócio do Tio Zé!...)
Mas, ingénuo ainda, o João, à medida que se ia aproximando de casa, mais eufórico se sentia pela surpresa que iria fazer. Sobretudo ao pai que estava desempregado e para afogar as mágoas passava os dias a beber, insultando e chamando aqueles nomes feios, que todos conhecemos, aos nossos digníssimos mandantes.
Pensava o petiz, na dele, que a “maquina,” segundo tudo o que ouvira, iria resolver todos os problemas incluindo o da falta de dinheiro lá em casa…
O pai, cigarro na mão e já bastante eufórico como geralmente acontece com os fiéis amantes do deus Baco, conversava na soleira da porta com dois amigos, também eles seguidores acérrimos dos preceitos do mesmo deus…
João, sorridente, nem se lembrou do «olá pai!» e disparou: Olha o meu “Magalhães!”…
E o pai, olhos esbugalhados: Não, eu não acredito! Não me digas que trazes nessa caixa esse safado do Magalhães que ainda me deve o dinheiro da junta de bois que lhe vendi há dois anos?!...
-Não, pai! Isto é um computador. Aquela caixa que agora dão na escola e que ensina tudo. É o Magalhães…
-Na escola disseram-te isso? Fia-te neles!... Eu também me fiei no Magalhães quando lhe vendi a os animais e até agora, nem bois nem dinheiro…
-Mas, ó pai, isto é uma máquina que nos ensina e tem, como diz a senhora professora, uma coisa que se chama tecnologia de ponta…
-Pois! Os bois também tinham pontas, mas agora não há ponta por onde eu lhes pegue. Raios partam o Magalhães…





-

Sem comentários: