sábado, junho 23, 2007

O QUADRO

Um quadro só sobrevive graças àquele que o olha”
Pablo Picasso
Tinha já folheado quase todas as revistas que se encontravam sobre a pequena mesa e como geralmente acontece nestes locais, todas elas estavam fora de prazo. Todas antigas exceptuando a “Maria” que estava a ser lida e comentada em voz baixa por duas adolescentes. Éramos uns sete ou oito. Tentei meter conversa com o vizinho do lado, mas pelas respostas monossilábicas logo depreendi que era homem de poucas falas. E desisti.
A senhora encarregada das consultas que, a avaliar pela sua má disposição devia sofrer de disfunção hepática, anunciou, entretanto, que o senhor doutor estava atrasado e não sabia a que hora chegava… Sussurros na sala e uma adolescente que se entretinha a fazer bolinhas com uma pastilha elástica, enchendo-a e esvaziando-a com um frenesim danado, pegou na mochila, soltou um palavrão e ala moço…
E foi quando a seguia com os olhos que vi o quadro na parede. Grande. Talvez um metro de comprido por sessenta de altura. Bela moldura. Lá dentro muita flores que lembravam a Primavera. Um banco com dois velhinhos sentados separados por uma bengala. Num canto, fazendo sombra, uma árvore frondosa. E na árvore um ninho… e três biquitos amarelos, abertos, implorando comida. Atrás do banco uma espécie de fonte antiga – um sulco numa pedra por onde corria um fio de água.
O Sol espreitava no outro canto e um raio mais atrevido, como numa carícia, emprestava tons de prata aos cabelos brancos da velhinha.
Aqui e além pinceladas de azul. De um azul celeste, a contrastar com o verde das folhas. E flores, muitas flores – violetas, madressilvas, rosas vermelhas. E duas pombas, talvez um casal, a debicar à cata de alimento…
Apeteceu-me “entrar” no quadro e conversar com o casal, saber coisas das suas vidas e perguntar-lhes se aquele sorriso a transbordar de felicidade era mesmo deles…Não seria um “postiço” do pintor como acontecia com a ausência de rugas bem disfarçadas sob sábia combinação de tintas? E por que havia uma bengala a separá-los? Teriam tido filhos, netos?... Devaneio de pintor ou transposição colorida de uma realidade? Mistério que só autor saberia explicar… De repente, o quadro pareceu animar-se! Uma das pombas esvoaçou, a velhinha levantou-se, pegou na bengala e estendeu a mão ao companheiro para que se levantasse. Os passaritos continuavam de bico aberto esperando que os pais lhes trouxessem alimentos. A bica de água continuava a correr, o Sol nascente espreguiçava-se lá no canto e as flores pareciam tremular empurradas pela brisa branda e fresca de uma manhã de Primavera. O casal caminhava agora lentamente, e tive a sensação de que o velhinho, sorridente, me piscou o olho num mudo convite para os acompanhar… Só quando ouvi o meu nome “berrado” pela senhora que sofria do fígado é que dei conta de que estava só...
































sexta-feira, junho 08, 2007