domingo, dezembro 20, 2009

Mas as crianças, Senhor...

Cheguei agora a casa e em complemento do que escrevi de manhã e porque vi na rua da cidade crianças famintas e tiritando de frio, lembrei-me de um poema de Augusto Gil,de 1909, em "Luar de Janeiro" que transcrevo pela sua oportunidade:

A NEVE

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim...

É talvez a ventania;
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento, com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
de uns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
- depois em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos... enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
– E cai no meu coração.

Augusto Gil – Luar de Janeiro, 1909

Desabafo

Nesta manhã fria de Domingo, 20 de Dezembro de 2009, com a temperatura a rondar os dois graus positivos no termómetro que tenho à entrada da porta, aqui estou, bem quentinho, a pensar em todos aqueles que a esta hora enfrentam esta onda de frio. E penso, sobretudo nos que dormem na rua, nos que não têm agasalhos suficientes ou naqueles que são obrigados a suportar estas baixas temperaturas para ganharem o seu sustento. Sempre fui muito sensível ao frio e, por vezes, o simples facto de abrir a janela e ver o manto branco da geada que cobre o meu quintal, faz com que me sinta completamente tolhido nos meus movimentos!...
Nesta altura do Natal são muitos os apelos à solidariedade, à angariação de bens e roupas para os mais carenciados. Porém, a maior parte desses apelos são feitos, mais porque se tornou um hábito desta quadra natalícia do que por verdadeira convicção.
Há, nestas época de Natal, muita hipocrisia misturada nestas acções de pretensa ajuda aos necessitados.
E é por isso que eu me revolto contra aqueles que se dizem humildes, mas que praticam conscientemente a injustiça. Revolto-me contra aqueles que falam em Deus com devoção, mas que no fundo, elegeram como ídolos a ganância, a soberba e a inveja.
E revolto-me, sobretudo, contra aqueles que, podendo, não são capazes de praticar o bem, mas estão sempre a criticar o bem que outros fazem!
E que dizer dos que dão esmolas na rua para que todos vejam e espalham aos quatro ventos essa “caridade”hipócrita?!...
Por tudo isso urge dizer não à injustiça, à falsa compaixão, a toda essa fingida solidariedade que por aí se apregoa.

sábado, dezembro 19, 2009


Esta fotografia foi tirada em 1943 no Colégio Tomás Ribeiro em Tondela. Fizemos vários jogos com outras equipas, nomeadamente de outros estabelecimentos de ensino – Colégios de Oliveira do Hospital, Mangualde, Liceu Alves Martins – e outras equipas da época.
O Professor Pimenta, ex-jogador da Académica de Coimbra orientou-nos durante algum tempo nos treinos.
A equipa era constituída, da esquerda para a direita e de pé: Reis, Vicente, Manuel, Aureliano (Espanhol), Fausto Lobo, Almeida. De joelhos: Dionísio, Palinho, José Brás (mais tarde jogador da Académica de Coimbra) Filipe e Humberto.
Pelo que sei, o Reis, o Vicente, o Espanhol, o Lobo, o Dionísio, o José Brás, e o Humberto já faleceram. Tenho estado com o Palinho e do Almeida e do Filipe, perdi-lhes o rasto…
O Reis, encontrei-o em Kinshasa, trinta anos depois, em 1973 e só pela fotografia confirmámos que éramos nós, de tal maneira tínhamos mudado de feições!... Os anos não perdoam…

O Palinho e eu fizemos também parte da equipa de Voleibol do Colégio Tomás Ribeiro, que ficou em 2.º lugar no campeonato nacional da Mocidade Portuguesa em 1945.
Na foto:
Da esquerda para a direita: Henrique F. Marques, Amadeu Viegas, Aureliano (Espanhol), Manuel V. Costa, Jorge Amaral e António Gomes (Palinho).
O Amadeu e o Espanhol já faleceram. Há ainda (Dezembro de 2009) quatro “sobreviventes”: o Henrique, o Manuel, o Amaral e o Palinho.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Um crime perfeito

Viviam numa casa empoleirada lá bem no alto da serra e lá iam sobrevivendo sem sequer receberem o tal famigerado Rendimento Social de Inserção. O Francisco tinha ouvido na rádio que era preciso assinar uns papéis, mas como era complicado, desistiu. Tudo tinha mudado e quase tudo era proibido. A última novidade que soubera por um sobrinho que habitava na cidade é que nem animais da própria criação se podiam matar. Só no matadouro…
Desconfiado de todas as modernices, evitava descer à cidade e lá se entretinha a cultivar a terra ingrata que lhe dava o sustento para a mulher e dois filhos e ainda para a criação: galinhas, porcos, patos, um chibo e duas cabras que lhe davam o leite prós miúdos.
Na semana passada a sogra viera viver com eles e era mais uma boca a sustentar, o que complicava ainda mais as coisas. Vida ingrata! De cada vez que ouvia notícias acerca do ordenado e da vida airada dos políticos e afins, tinha ganas de lhes apertar os gasganetes!.. Vão pró raio que os parta!... E cada vez se agigantava mais a ideia que o perseguia há algum tempo. Estava decidido. Ia fazê-lo! A mulher sempre temente às leis dos homens e a Deus, tentava dissuadi-lo:
-Ó Francisco, tu já pensaste no que vais fazer?
-É evidente que sim. Há outra maneira de resolver a situação para dar de comer a todos?
- Não sei, mas matar assim…E se descobrirem?
- Se descobrirem, descobriram e então? Está tudo preparado e já não se pode recuar. O compadre Barnabé vai ajudar-me e vais ver que tudo há-de correr bem. Lembra-te que é para bem dos nossos filhos e até da tua mãe. Ninguém vai descobrir…
Entretanto bateram à porta. A mulher espreitou pela janela. Era a carrinha do compadre Barnabé. O Francisco deu um pulo na cadeira, pegou na enorme faca que tinha afiado há pouco, e saiu porta fora…
De manhã os filhos notaram a falta do pai. «Foi trabalhar e só vem noite dentro», disse-lhes a mãe.
E era já alta noite quando a porta se abriu de mansinho. Era o regresso. Entrou o seu homem seguido de compadre Barnabé, sorridentes, camisas ensanguentadas e cada um com seu saco às costas. O saco do Francisco estava roto e pelo rasgão saia uma perna da vítima.
A mãe, aflita, perguntou: Têm a certeza de que ninguém vos viu?!... Foi o compadre Barnabé já habituado, pois não era o primeiro que liquidava, que respondeu:
-Calma! Não esteja nervosa. O servicinho foi feito como manda a praxe. Mas que belo bicho, comadre! E criado com batatas e hortaliça cá destas nossas courelas – carne sem corantes nem conservantes, esse tradicional e genuíno produto que ainda se encontra nos lugares mais desconhecidos deste nosso Portugal!...
Nem os do Alentejo, criados com bolota, têm assim esta carninha gostosa… ASAE?... Qual ASAE?... Esses “iconoclastas” que andam a tentar acabar com as nossas tradições gastronómicas?! Eles sabem lá o que é bom?...

sábado, novembro 21, 2009

Quando os ladrões eram pobres

Julgo que não há ninguém que, de vez em quando, consiga resistir ao desejo de revisitar o passado e recordar factos e figuras que dele fizeram parte e que partilharam esses saudosos tempos da adolescência!...
Fiz há dias uma dessas viagens e fui parar à minha antiga aldeia. Lá estava tudo: o casario da minha infância; os antigos caminhos por onde transitavam a chiar, os carros de bois; os campos verdejantes que percorri correndo à procura de ninhos e em brincadeiras de miúdo e, de repente, ao virar de uma esquina, quem me aparece?... O Bernardino!
O Bernardino era mais ou menos da minha idade. Só que mais forte. Corpulento, sempre risonho, ele era – usando a linguagem de hoje – um gajo porreiro.
Porém, naquela altura, a sua profissão já não era nada bem vista e o mais simples trabalho que fizesse lhe trazia complicações. E ele, como todos nós, tinha de trabalhar para comer. E trabalhava dia e noite. Mas mais de noite…
Nos intervalos, nos momentos livres, dormia em qualquer sítio: no vão de uma escada, numa casa abandonada ou num palheiro. Todos esses lugares lhe serviam, logo que estivessem situados longe dos povoados. Não gostava do barulho. Adorava o silêncio e era um acérrimo defensor do escuro.
Para executar as suas tarefas, usava as mais rudimentares ferramentas, arrostava os maiores perigos, não tinha sindicato que o defendesse, não tinha direito a férias, e nessa altura também ainda não existia o subsídio do malandro – o Rendimento Mínimo Garantido.

Por vezes eram todos contra ele, a população, os polícias… e até a Justiça, já naquela altura nada tinha de imparcial. Defendia ferozmente os “clientes” visitados e condenava sempre o visitante – o Bernardino. E foi a pensar nele, com um pé no começo do século vinte, (altura em que ele exerceu a sua actividade) e outro neste, em que estamos, tentei imaginar como seria o Bernardino de hoje, o Bernardino versão moderna, século vinte e um!...
E então, imaginei-o sentado ao volante de um “topo de gama”, bem vestido, rolando pela auto-estrada, telemóvel colado ao ouvido e sorriso nos lábios…Um Bernardino à la page – sem gazua, sem pé-de-cabra, sem escada de corda e servindo-se apenas da ferramenta que usam agora os da sua profissão – uma simples esferográfica!...
Como as coisas mudaram, como os métodos evoluíram e quão bonito é o progresso! Que diria o Bernardino se fosse possível ressuscitá-lo?!
Ah!...Esquecia-me de vos dizer que num dia em que o “trabalhinho” não correu bem, o Bernardino foi preso e condenado a muitos anos de prisão que teve de cumprir integralmente numa enxovia húmida e sem luz. Como eram pobres os ladrões desses tempos!...

quinta-feira, outubro 22, 2009

Reflexões de Outono


Uma das vantagens que o amontoar dos anos nos confere é podermos estabelecer uma comparação entre passado e presente e pôr em confronto épocas, gentes, formas de viver e até maneiras de pensar.
Muitos dos equívocos da história residem no facto de se avaliarem situações ou pessoas, sem que previamente haja um conhecimento sério dos factores inerentes à época em causa. Todos nós somos o produto de um determinado tempo, de um determinado meio, de um determinado lugar e de uma determinada condição. Por isso, quando se fala de passado, e antes de criticar, há que ter em conta todos esses factores.
Hoje em dia, nomeadamente no que diz respeito à política, é moda criticar-se tudo e todos. Desde o passado remoto, até ao passado recente. E as críticas vêm dos mais variados quadrantes!
A mim, o que mais me impressiona é o descaramento com que, pessoas cuja idade não lhes permite ir mais para atrás do que as três ou quatro últimas décadas; que nem sequer estão habilitadas a falar do presente, porque não participam nele, (alguém o faz por eles!...) emitem opiniões depreciativas ou tentam apagar da História pessoas ou factos que a marcaram e que são dela indissociáveis. A esses indivíduos, costumo eu chamar "pequenos homens". Ou "crianças grandes", vestidas a rigor, de fato e gravata, mas com a cara lambuzada de guloseimas.
O homem verdadeiro e completo só se constrói pela luta que mantém ao longo dos sucessivos e variados confrontos com os obstáculos que a vida coloca no seu caminho.
Mostra-nos a experiência que a falta de esforço e de treino para ultrapassar essas barreira, conduz a um amolecimento prematuro e também à erupção de sentimentos egoístas e mesquinhos que se traduzem geralmente por exigências desmedidas, facilitismo ostensivo e, até, por vezes, ultrajante! Essa espécie de homens não tem quaisquer noções da realidade do dia-a-dia. Tudo lhes caiu do Céu. A vida é um pronto-a-vestir, uma feira de vaidades, onde encontram tudo. É chegar, escolher e usar, porque alguém há-de pagar!...
E é daí que resulta a proliferação dos inúteis e dos parasitas que vão vivendo acoitados sob as asas de uma sociedade super-protectora que os leva pela mão, que lhe remove as pedras e lhes alcatifa o caminho.
E como é fácil viver nesse mundo irreal, fechando os olhos à miséria e fazendo orelhas moucas aos gemidos dos que sofrem! Mas mal o dinheiro escasseia...
O resultado, ilustrado com retratos nem sempre muito claros, entra-nos todos os dias pela porta dentro em letras gordas e cores berrantes, por intermédio dos Jornais; com entoações dramáticas através da Rádio, ou em imagens sugestivas e apropriadas via televisão. Subornos, corrupções, e negócios escuros vão alimentando essa cáfila de barriguistas militantes.
Podem dizer-me que também já havia barrigas grandes nesse tempo que agora tanto se critica. É verdade. E volto ao princípio, às tais vantagens da idade e das comparações. Já havia, sim! Só que, e ao contrário do que acontece hoje, era fácil contá-las. E era simples saber como se enchiam…

segunda-feira, outubro 05, 2009

RCORDAÇÕES DE ÁFRICA - AS PLANTAÇOES DE N'GONGO



Árvores da borracha
Passados dois dias fiquei sozinho com cerca de trezentos trabalhadores que se dividiam pela exploração da borracha, extracção do óleo de palma e outros trabalhos. Havia pedreiros, carpinteiros, trabalhadores de limpeza da plantação, caçadores, pescadores e vários outros sem trabalho certo.
Muitos viviam nas senzalas vizinhas e cerca de metade habitava na plantação, em casas construídas com blocos de terra secos ao sol e tijolo feitos manualmente no local ou ainda em palhotas cobertas com folhas secas, uma espécie de colmo.
Os pescadores e caçadores tinham por missão pescar e caçar e trazer a caça que era distribuída gratuitamente pelos trabalhadores. O rio Maringa era muito rico em peixe. As espécies eram muitas e desde o peixe pequeno, passando pelo médio e terminando no crocodilo, havia sempre pescado com abundância. Da caça pode dizer-se o mesmo. Desde o pequeno antílope, passando pelo macaco, pela galinhola e terminando no boi selvagem, havia quase sempre carne para distribuir. Quando, por ventura, víamos que era de mais, mandávamos secar e, assim, ficávamos com uma reserva... Uma vez até se distribuiu pelos trabalhadores um hipopótamo! Mas isso vou contar mais à frente.
A plantação de borracha tinha uma extensão de 300 hectares e estava dividida em vários talhões, cada qual com cerca de 300 árvores e que eram atribuídas a cada "sangrador" para, todos os dias, fazerem a colheita do látex.
Como atrás disse, a chamada era feita cedo e os homens entravam na plantação logo que a manhã rompia. A incisão nas árvores tinha que ser feita por essa altura, pois mal o sol começasse a aquecer, o látex ia coagulando lentamente até que uma fina película acabava por tapar a ferida interrompendo assim a sangria. Entretanto os capatazes iam percorrendo os vários talhões para verificar se o trabalho tinha sido feito convenientemente. Isso para evitar que os "sangradores" – o que era muito frequente – por preguiça, deixassem algumas árvores sem fazerem a respectiva incisão.
Cerca das dez horas, o encarregado de tocar a "ngonga" (um tronco oco, feito a propósito e que produzia um som que se ouvia longe) batendo com as duas maçanetas, indicava que podiam recolher o látex que tinha escorrido para uns pequenos copos redondos de alumínio.
Os "sangradores" despejavam então os copos para um recipiente de 30 litros, em alumínio e, por fim uma camioneta transportava-os para a fábrica que estava situada junto ao rio.
Um grande hangar coberto com folhas de zinco abrigava as máquinas e os tanques onde se tratava o látex. O conteúdo dos recipientes, – depois de pesado e o seu peso ter sido posto num registo geral e em cada um dos livros de cada trabalhador para o prémio de rendimento no fim do mês – era dividido pelos vários tanques de cimento revestidos com azulejos. Adicionava-se então uma quantidade de água proporcional aos litros ou quilos de látex vazados, mexia-se e adicionava-se, misturado com água, uma quantidade previamente calculada de ácido fórmico para acelerar a coagulação. Logo a seguir e nas ranhuras existentes nos tanques colocavam-se placas de alumínio o que dava origem a que a mistura coagulasse e ficasse em placas finas com cerca de 2 cm de espessura. Cerca de três horas depois, retiravam-se as placas de alumínio e tínhamos então folhas espessas. Essas folhas eram passadas por várias calandras ou prensas que as achatavam e ao mesmo tempo lhes tiravam a água que traziam. Por último passavam por uma outra calandra de cilindros estriados que fazia nas folhas uns opérculos como nos favos de mel das abelhas. Esta operação tinha como finalidade ajudar a fazer uma secagem mais rápida.
As folhas eram então levadas para um secador a lenha e aí ficavam penduradas por um período entre os 4 e 8 dias. Depois de bem secas, as folhas apresentavam uma cor amarelada e já não se colavam.
Eram então transportadas para a secção de embalagem onde eram escolhidas e embaladas para exportação. A escolha obedecia a certos requisitos e conforme as características assim eram classificadas em: "Sheets I, Sheets II, Sheets lll, Lumps e Scraps, e embaladas em fardos de 50 quilos e expedidas por barco para a Bélgica, Inglaterra ou Angola, via Leopoldville.

Plantação de palmeiras
Havia também, mesmo junto ao rio, a fábrica do óleo de palma. Era composta por uma autoclave para cozer os frutos da palmeira, (dendê) um malaxador para separar a polpa da noz do fruto de palma, uma centrifugadora para extrair o óleo, um triturador para partir a noz e extrair o coconote e uma caldeira a vapor para fazer girar tudo isso.
A concessão de 50 hectares era pouco produtiva e dois camiões percorriam os arredores para comprar fruto aos indígenas. Todos os dias eles saíam e percorriam o mesmo percurso de cerca de 100 quilómetros ida e volta. Havia também uma baleeira que subia o rio e ia comprando fruto de palma aos indígenas que habitavam nas margens. Levava sempre sal, fósforos, espelhos e catanas, pois os homens da beira-rio, preferiam a permuta ao dinheiro.
O óleo era, depois de filtrado, metido em tambores de 200 litros e expedido também por barco para Bruxelas ou Luanda, via Leopoldville. O coconote seguia o mesmo caminho.
As borras do óleo serviam depois para fazer sabão que era vendido nas cantinas e nos arredores.

sábado, outubro 03, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - Testemunhos

Mapa da viagem
«O viajante que percorre a África, ao chegar ao Congo Belga, fica impressionado com o trabalho deveras notável que ali se realizou em tão pouco tempo.
Não pretendemos, num trabalho desta natureza, apreciar afundo tudo o que ali tem sido feito em pouco mais de meio século. Vejamos, por exemplo, como é concedida a assistência sanitária ao indígena: cada distrito possui seis a oito hospitais. Visitámos um hospital-tipo, igual a todos os outros, que faria corar de inveja muitos hospitais de cidades europeias, provido de pavilhões separados para homens e mulheres, instalações de Raio X, dois laboratórios, uma bem apetrechada sala de operações, uma sala para partos e diversos anexos.
Suponhamos, por exemplo, que um indígena se encontra doente a cem quilómetros do hospital mais próximo: recebido o apelo, imediatamente uma ambulância se desloca a recolhê-lo, hospitalizá-lo, tratá-lo fornecendo-lhe os alimentos e remédios, operá-lo, se necessário for, tudo isso sem despender um centavo. Na hipótese de o indígena ser empregado, a firma empregadora pagará uma taxa insignificante.
Vejamos agora alguns números que me foram fornecidos gentilmente pelo director desse estabelecimento hospitalar: leitos, 250; intervenções cirúrgicas, 350 por ano; partos 1.200 por ano.
O Governo belga constrói activamente em pedra casas para os indígenas destinadas a substituir as pitorescas mas anti-higiénicas palhotas. Leis são promulgadas destinadas a proteger o indígena, muitas vezes – diga-se de passagem em detrimento do colono branco… Isto e muito mais no que diz respeito à assistência ao indígena.
Tem sido notabilíssima a obra de aproveitamento do solo, desenvolvimento industrial, exploração do subsolo, etc. Tudo isto tem sido possível m virtude das enormes facilidades concedidas pelo Governo belga os colonos de todas as nacionalidades Créditos bancários são igualmente concedidos com a maior facilidade. Esta é, na realidade, a verdadeira razão da prosperidade no Congo Belga: facilidades, sempre facilidades em tudo. Um colono deseja abrir um estabelecimento? Muito bem…Abre o estabelecimento e tem um mês ou dois para tratar das respectivas autorizações, com a s formalidades reduzidas ao mínimo. Deseja uma audiência de alguma alta individualidade? Muito bem… Apresenta-se com o seu traje de trabalho, em mangas de camisa, sem gravata e é imediatamente recebido.
Eis em poucas linhas o que tem sido o belíssimo trabalho de colonização executado pelos belgas em sessenta anos.
Porém, atrás desse, há outro que talvez lhe não seja inferior: o trabalho executado pelos portugueses.
Falando correctamente a língua dos indígenas, os portugueses, em meados do século passado foram os primeiros comerciantes a estabelecer-se no Congo.
Conversei com alguns velhos comerciantes que, com risco da sua vida, entraram em contacto com indígenas que nunca tinham visto um branco, algumas tribos com reputação de antropofagia, estabelecendo feitorias portuguesas por todo o Congo, encontrando-se compatriotas nossos nas regiões mais remotas, onde num raio de cem quilómetros não se encontra um branco. (…) A colónia portuguesa do Congo Belga goza hoje de um grande prestígio, que muito honra o País…»
Do “Roteiro Africano”( 1955), um livro de Fernando Laidley, primeiro a efectuar a nível mundial a primeira volta à África em automóvel ( um “carocha”),páginas 153/4:

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - A Ngonga


Um pouco atrás referi-me a este instrumento, mas penso que vale a pena determo-nos um pouco e falarmos sobre esse tradicional instrumento de comunicação africano.
Aqueles que viveram as emoções das duas grandes “caçadas aos brancos”em 1960 e 1964 conhecem bem o papel desempenhado por ele nesse período.
Num tronco de árvore, um especialista, uma espécie de marceneiro, retira o miolo abrindo um corte longitudinal. Deixa que o tronco seque e vai depois, batendo com duas maçanetas de madeira, abrindo o corte, procurando obter o som desejado. Alcançado esse objectivo, está a "ngonga" pronta a entrar ao serviço...
Esse instrumento de percussão era usado na plantação para anunciar a chamada dos trabalhadores, a recolha do látex ou fora destes dois casos para reunir todo o pessoal para qualquer comunicação.
No entanto não era qualquer um que podia fazê-lo, pois há toques diferentes e muitas vezes ouvíamos a “ngonga” de uma aldeia vizinha, cujo toque (para os indígenas) significava que tinha morrido alguém ou que qualquer outro facto importante tinha acontecido…
Havia uma espécie de escala musical que era interpretada consoante o respectivo acontecimento.
Era uma maneira de comunicação entre aldeias. Na plantação e para que o som chegasse mais longe, a ngonga
estava colocada no cimo de uma termiteira com cerca de três metros de altura.
Como acima já disse, aquando das rebeliões, tanto da de 1960 como da de 1964, a ngonga foi um dos meios de comunicação que, sobretudo nas regiões do interior onde me encontrava, facilitou muito o “trabalho”dos rebeldes, dando-lhes indicações da movimentação dos europeus, o que levou às atrocidades de que todos tiveram conhecimento.

quarta-feira, setembro 30, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - Mbandaka, a capital da Província do Equador


Aqui passe a linha do Equador
Situada na confluência do Ruki com o rio Zaire a capital do distrito do Equador, Mbandaka, anteriormente Coquilhatville, é, na altura em que alinhavo estas linhas uma cidade com cerca de 150.000 habitantes. Um marco no jardim da residência do Governador simboliza a linha do Equador que atravessa a cidade. Porém contrariamente ao que se poderia prever da geografia, o clima é suportável. De Janeiro a Março e de Junho a Agosto, o tempo é magnífico. A magnífica massa de água do rio Zaire neste local talvez tenha influenciado os Europeus para ali instalarem a capital do distrito do Equador.
Em 1883, quando Stanley subia o rio em direcção a Stanleyville, hoje Kisangani, o explorador parou a seis quilómetros a Sul, em Wangata e baptizou o local onde pernoitou – uma aldeia indígena – de «Equateur”onde pouco depois os Belgas fundaram o seu primeiro posto avançado.
Em 1891, abandonaram Wangata e instalaram-se em Coquilhatville, hoje, Mbandaka.
Entretanto a sede de distrito cresceu e é hoje uma das mais belas cidades do país, com um plano de urbanização ditada pelo rio e seus afluentes. O Palácio e o edifício da Administração, parecem reinar sobre a floresta vizinha. As largas estradas de Mbandaka estão entre as mais e melhores conservadas das cidades zairenses. A avenida Mobutu que se estende do aeroporto à Câmara, a avenida Bonsomi, o centro comercial, a avenida Bolengé, em forma de cornija à beira do rio, são lugares de excelência para passeios.

Placa Jardim Botânico
Ladeada de palmeiras reais com o branco tronco, bem iluminadas de noite, são o ponto de encontro privilegiado dos citadinos. As pracetas são também de uma beleza rara. A da Braderie, o Parque da Revolução são lugares magníficos onde têm lugar manifestações culturais, políticas e passeios de repouso inigualáveis.
Mesmo o bairro popular, a “Cite”, separada da cidade administrativa e comercial pela avenida Bayookéli, não tem nada de comparável ao espectáculo desolante, promíscuo e miserável de outras aglomerações urbanas. Entre estas duas partes da cidade os Belgas tinham instalado em tempos um quartel militar. Este antigo campo não desapareceu, mas o espaço, como aliás indica o nome da avenida, é o local onde se encontram as escolas, uma delas a que frequentou em tempos passados, o general Mobutu.
Mbandaka é também um grande porto fluvial. Os barcos provenientes de Kinshasa ali fazem escala para se abastecerem antes de continuar viagem para Kisangani ou para Boende, Mompono, Ngongo, etc. Tudo isto suscita uma actividade febril ao longo do cais sobre a margem esquerda do rio, onde permanentemente há barcos ancorados.

Casa no Jardim Botânico
Não podemos deixar Mbandaka sem visitar o Museu do Equador. É um edifício pequeno, de estilo barroco a dois passos do porto. Ali está exposta uma rica colecção de objectos antigos: artigos de caça, de pesca, armas de guerra, máscaras, tantãs de todas as formas e feitios, amuletos, e curiosos sarcófagos em madeira chamados “Efombe”, onde, como os Egípcios da Antiguidade, os Wangata, que são a etnia maioritária, colocavam os corpos dos grandes chefes antes de os enterrarem.

O aeroporto de Mbandaka
A principal atracção nos arredores de Mbandaka encontra-se a sete quilómetros da cidade. É um bonito jardim botânico com muitas árvores onde se encontram espécies que atingem proporções impressionantes. Uma vasta gama de plantas alimentares, medicinais, industriais e de ornamentação ali crescem com extraordinária vitalidade. Cerca de 3.200 espécies botânicas ali são estudadas a maior parte no seu habitat natural. Outras mil estão catalogadas nos arredores. O principal ponto de interesse do jardim é a cultura de orquídeas. Nos arredores da capital do distrito existe outra curiosidade – a aldeia de Basoko, construída parcialmente sobre estacas.

terça-feira, setembro 29, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - A minha nova casa


No meio dos cafeeiros, construí uma casa de habitação. Moderna!... Os materiais foram pedidos a Basankusu e por barco lá chegaram. E, facto curioso, a planta dessa casa, talvez porque ficasse gravada no meu subconsciente, ajudou a gizar esta que hoje habito!...
A mão-de-obra foi-me cedida pela Missão Católica de Mompono – pedreiros, carpinteiros e pintores. Formados nas suas oficinas por frades especializados – oriundos da Bélgica, da Holanda ou da Inglaterra – esses homens eram muito competentes nas respectivas especialidades. Nos alicerces já entrou o ferro e o cimento, materiais que nessa data e na aldeia, nunca tinham sido utilizados na construção.
Faço aqui uma pausa para explicar que no interior do Congo e mais especificamente em plena floresta tropical, para construir uma casa, – sempre casas térreas – não eram necessários quaisquer materiais usados nos nossos países de origem: delimitado o terreno, iniciava-se a construção. Em primeiro lugar, calcava-se bem a terra para fazer o piso. Depois, espetavam-se paus à volta da área previamente estabelecida e entre eles eram entrelaçadas folhas, amarradas com o auxílio de lianas de arbustos próprios para o efeito. Era feita a seguir uma estrutura com os mesmos paus e folhas, estrutura essa que era, posteriormente, coberta com a ramada de um arbusto que dava a ideia do colmo das nossas aldeias serranas – estava assim feito o "esqueleto" da casa... Para as divisões interiores procedia-se de igual forma como para os "muros" de fora. Seguia-se a impermeabilização ou caiação: cavava-se um buraco, punha-se água, amassava-se, e estava pronta a argamassa. Atirava-se a mistura com a mão contra o tapume e estavam feitas as paredes – uma espécie do nosso estuque antigo...
Não havia que ter preocupações a dividir a casa e tanto podia haver duas como três separações no interior. Não havia preconceitos quanto a promiscuidade e, geralmente, a cozinha, um espaço de terra com duas pedras para segurar os tachos, era o aposento mais utilizado. As portas eram construídas da mesma forma. A latrina era feita ao ar livre e resumia-se (nem sempre!..) a uma espécie de fossa árabe. Para se lavar o indígena não tem necessidade de casa de banho, utilizando os rios e os riachos e, contrariamente ao que se possa imaginar, o negro, regra geral, toma banho várias vezes ao dia!

Resumindo: a casa era feita apenas com material local. Nem um prego... ou qualquer outro objecto que fizesse lembrar a "civilização"!... Em conversas com idosos, muitos me fizeram notar que não tinham tido quaisquer vantagens na vinda dos brancos. Pelo contrário! O branco só tinha vindo para complicar...
Mais à frente explicarei, acerca disso, e por experiência própria, as razões em que se fundamentam tais afirmações...

Mas retomando o fio à meada, a minha casa do N'gongo, apesar de manter ainda um pouco da arquitectura colonial em que a varanda se impunha, fugia já ao protótipo da casa tradicional do colonizador. A cozinha e a casa de banho revestidas a azulejos e o amplo espaço com um bar a separar a sala de jantar, do salão, davam-lhe já um toque mais europeu...
Um gerador, movido por um motor a gasóleo, fornecia a energia eléctrica que utilizávamos apenas de noite. O frigorífico era ainda a petróleo, pois a potência não dava para a alimentar.
Rodeada de cafeeiros, com vários arbustos, bananeiras, goiabas e outras árvores tropicais a servir de fronteira, o "meu palácio" era como que a compensação de todo o meu trabalho e de todas as minhas privações...

Nas asas da brisa fresca da manhã vinha até nós o perfume inconfundível da flor dos cafeeiros e o bulício das manhãs tropicais com o clarão vermelho do sol nascente a fazer reluzir as folhas verdes das plantas ainda orvalhadas, é um cenário inesquecível!
Em frente da minha casa havia uma pequena plantação de palmeiras e, muitas vezes, de manhã, quando tomávamos o pequeno-almoço na varanda, bandos de macacos deliciavam-se também comendo os seus frutos.
A casa estava situada no começo da plantação de café e à tarde, depois de se ter feito a pulverização, bandos de aves coalhavam o céu em busca de insectos que fugiam dos insecticidas. Muitas vezes pegava na espingarda, carregava-a com cartuchos de escumilha e era só virar o cano para o ar e disparar sem fazer pontaria. Era uma “chuva” de bicharocos!... Depois, era só grelhá-los e estava pronta a refeição da noite!

Ao lado da casa havia um campo de ténis em terra batida que tinha construído, no qual, aos fins-de-semana, jogava com amigos, belgas, holandeses ou italianos vindos de outras plantações. Algum tempo depois, aquando dos incidentes motivados pela independência, estive em vias de ser preso, acusado de o ter construído para a aterragem de helicópteros dos “comandos belgas”!...

sábado, setembro 26, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - O dia-a dia


Colheita do café

Como já dissemos anteriormente, as Plantações de N'gongo situavam-se na margem direita do Rio Maringa, a montante de Mompono, a sede da área administrativa, e estendiam-se por uma grande extensão de terreno: trezentos hectares de árvores-da-borracha, as seringueiras; cinquenta hectares de palmeiras, uma pequena área de cacau e cem hectares de café. Uma fábrica de extracção de óleo de palma, uma fábrica onde era coagulado o látex e transformado em folhas. Dois enormes secadores com fornalhas a lenha onde essas folhas eram secas antes de serem expedidas para a Bélgica ou para Angola e uma fábrica de descasque de café.
Trezentos e cinquenta homens, grande parte a viver com suas famílias em casas de adobes de terra cozida e cobertas com chapa de zinco e construídas para o efeito, constituíam a mão-de-obra e ocupavam-se dos diversos serviços.
O dia começava cedo para os que trabalhavam na plantação de borracha. A chegada dos "sangradores" (os homens formados para fazer a sangria das árvores) começava cerca das 4 horas da manha. O pessoal convergia para um grande terreiro em frente de uma casa coberta com uma espécie de colmo, o "ndele". Uma hora depois e à luz de uma lanterna Petromax, começava a chamada. As várias equipas constituídas por vinte homens cada, e comandadas por um capataz, entravam na plantação onde cada homem tinha a sua área bem demarcada, contando cerca de 350 árvores que ele tinha de "sangrar" antes que o Sol começasse a aquecer. Isto porque mal a intensidade dos raios do Sol aumentava, logo uma película formada pelo látex coagulava e impedia que a seiva escorresse para o pequeno copo de alumínio, previamente colocado, e preso à árvore por uma cinta de arame.
Se bem que, normalmente, a hora da recolha do líquido estivesse marcada para as dez, era o calor que mandava. Assim, se o Sol "apertasse", a Ngonga (um tronco oco, onde um especialista em transmissões de mensagens batia com duas maçanetas, fazendo chegar o som a quilómetros de distância) dava o sinal convencionado e os "sangradores" começavam a recolher o látex em vasilhas de alumínio que podiam conter cerca de 20 litros. Uma camioneta percorria então as ruas da plantação recolhendo as vasilhas e levando-as para a fábrica. Uma vez ali, o líquido leitoso era despejado em tanques de cimento, onde lhe era adicionada uma determinada quantidade de água. A essa mistura, depois de bem mexida, eram adicionados, numa proporção adequada, alguns cm3 de ácido fórmico que ajudavam a coagulação e a tornavam mais homogénea. Com o auxílio de placas de alumínio e depois da coagulação, as folhas eram retiradas, passadas nas máquinas apropriadas que as achatavam, adelgaçavam e por fim lhes faziam opérculos para facilitar a secagem. Transportadas depois para os secadores, ali permaneciam cerca de 20 dias sendo depois retiradas e embaladas em malotes, segundo a sua classificação: folhas de 1.ª, de 2.ª, de 3,ª e, finalmente os "scrapes" (raspas, pequenos bocados). Finalmente eram expedidas para Leopoldville e dali para os destinos habituais – Luanda, para a Fábrica Imperial de Borracha, ou para a Bélgica.
Os frutos das palmeiras da concessão, juntamente com outros que se compravam aos autóctones num raio de 50 quilómetro eram cozidos e em seguida postos na máquina extractora, obtendo-se, da operação, o óleo de palma. Depois de decantado, era transvazado para tambores de 200 litros e expedido nos barcos para Kinshasa. Com as borras do óleo e soda cáustica fazíamos sabão que se vendia nas diversas cantinas instaladas na plantação e arredores.
Enquanto na plantação de árvores da borracha e de palmeiras, nos limitávamos apenas a substituir as que morriam com plantas novas que possuíamos em viveiros, a do café fomos nós (o meu irmão Alberto também colaborou durante um tempo) que cortámos a floresta, preparámos o terreno e colocámos as plantas na terra!

Secagem do café
Daí que houvesse uma certa tendência para eu gostar mais da plantação do café. Era a minha "obra"! Desbravámos a floresta, por vezes com grande dificuldade, pois tínhamos de fazer uma espécie de estrado acima do solo por não haver, rente ao chão, espaço para fazer circular o serrote... Serrote porque nesse tempo não havia motosserras e era tudo feito a braços com grandes serrotes como os que havia em Portugal antigamente. Fazia-se o estrado a cerca de 4 ou 5 metros de altura onde havia menos vegetação e começava-se o corte. Após a queda da árvore, cortavam-se as outras à volta e assim se procedeu ao longo de meses...
As plantas vieram da Estação Agrícola de Yangambi, um viveiro do Estado onde se iam buscar todas as árvores, já seleccionadas, para plantar. As plantas vinham envasadas e durante muitos dias procedemos à sua plantação. Acompanhei o seu crescimento até que um dia as bagas vermelhas começaram a aparecer – como cerejas pequenas!...
Seguia-se depois a secagem ou não, pois o descasque podia fazer-se quer com elas verdes, quer secas, usando o processo por via húmida ou seca.

Descasque do café
A colheita do café era feita pelo pessoal da plantação, posto a secar e depois de tratado nas máquinas, descascado e escolhido, era enviado, sempre por barco, para Leopoldville e daí li transaccionado e vendido para vários países.
A qualidade que cultivávamos era a “ROBUSTA”, havendo alguns pés de “ARÁBICA” para uso próprio, isto é, como tomávamos café do nosso, fazíamos uma mistura das duas qualidades, obtendo um café excelente!

sexta-feira, setembro 25, 2009

RETRATOS



Há homens que recriam o mundo a partir de si próprio e que se julgam uma espécie de deuses. Acreditam que podem bastar-se sozinhos, que não precisam de ninguém, e só o que pensam e dizem é que conta.
Só eles sabem. Dizem-se detentores de toda a sapiência, arvoram-se em construtores de ideias e rejeitam quaisquer modificações à sua maneira de pensar. Tudo o que os outros fazem está mal feito e só eles podem fazer melhor. Não gostam de ser contrariados, nem aceitam que lhes digam que têm defeitos.
Os defeitos estão sempre nos outros que não neles. Como todo o ditador que se preze eles precisam de público, de gente que com eles partilhe, que tenha os mesmos gostos, que cultive os mesmos ideais e, sobretudo, que faça da bajulação um sacerdócio, aplaudindo-os, elogiando-os, apoiando-os.
Raiva, ódio, maledicência e inveja são sentimentos que, ao mais leve sopro, podem explodir e atingir inocentes alheios às suas manobras e contrários à sua conduta.
Não há fronteiras para essa gente e na sua caminhada pela vida, não hesitam em fazer ataques com armas imorais como a difamação, a calúnia, a traição, o embuste, a mentira e a hipocrisia.
Nada os detém e envoltos num esfarrapado manto de superioridade, eles pavoneiam-se emproados, cheios de nada, tentando a todo o custo transmitir a imagem de que nada temem.
A arrogância é outra das suas armas de defesa, porque na sua maneira de pensar quem mais alto fala, mais facilmente é ouvido. Pobres deles!..
Insuflados de sentimentos de importância, usam sempre a primeira pessoa do singular no exagero dos seus feitos, nem sempre verdadeiros.
Têm obsessão por fantasias de sucesso ilimitado, procuram fama, poder e omnipotência. Procuram adulação, atenção e afirmação.
Não aceitam que deles discordem e vivem convencidos que merecem tratamento especial, sempre com prioridade em relação aos outros.
São invejosos e pensam que os outros têm o mesmo sentimento em relação a eles. Desconfiam de tudo e de todos.
São, por tudo isso, uns eternos dependentes. Dependentes de uma fachada que criaram e cuja manutenção necessita de cuidados cada vez maiores. Com o rolar dos anos, com a erosão do tempo e a diminuição das forças, as aparências tornam-se cada vez mais difíceis de manter…
E como neste mundo tudo é efémero, da falsa aparência que sempre ostentaram ficará apenas desencanto e frustração.
É bom não esquecer que o êxito pessoal depende, quase sempre, da humildade, da persistência e da lealdade com que procuramos realizar os sonhos que temos.

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - Orquídeas selvagens





Já algumas vezes aqui vos tenho falado do meu refúgio quando em tempos difíceis me assaltam dúvidas, temores e incertezas que contagiam, que desencorajam e que deprimem. É então que procuro a minha «arca das recordações» onde guardo vários pedaços do quebra-cabeças que é a vida – essa manta de retalhos que constitui a nossa caminhada por este mundo. Farrapos, muitos farrapos!... Alguns já debotados, outros em vias disso. Folheio ao acaso as notas que tomei ao longo dos anos e quase sempre me detenho, com um misto de saudade e emoção naquele espaço de tempo que medeia entre os anos 50 e 60. Uma década que me marcou interiormente, que me moldou e que arrumou ideias e sentimentos, até então indefinidos e esparsos...
Em 50, tinha acabado a guerra há pouco, e vivia-se a todo o gás tentando recuperar o tempo perdido. Com as sopas em pacote chega ao Velho Mundo a coca-cola. Começa a falar-se no aspirador e as meias de nylon fazem a sua aparição. Em França – de onde tinha mais notícias, através dos jornais, embora chegados com atrasos de meses – a indústria automóvel atingia as 190 mil unidades produzindo, entre outros, um carro que acabaria por seduzir a Europa, a Renault 4. Em 54, – tenho anotado – no salão das "Arts Ménagers" em Paris, podia fazer-se a barba de graça com a máquina de barbear eléctrica, made in USA!
Era o tempo dos três "Dês" – "Drôles de Moeurs, Drôles de Modes e Drôle d’Époque! Mas era também a grande festa da literatura francesa com Sartre, Mauriac, Camus, Gide e da ousadia de Françoise Sagan com "Bonjour Tristesse". E com Minou Drouet que publica poemas de amor aos 7 anos e Roberto Benzi que dirige em calção as mais famosas orquestras! Era o tempo dos prodígios! E continuo a folhear...
Martine Carol, Brigitte Bardot, são duas "bombas" que explodem e cujas ondas de choque chegam a atingir os "States". O cinema marca pontos: Jean Marais, Eddie Constantine, aliás, Lemy Caution, Louis Jordan, Belmondo, Charrier, Gérard Philipe, apaixonam multidões de admiradoras. Edith Piaf reina no music-hall e quando canta «é a chuva que cai, é o vento que sopra, é a luz da lua que estende o seu manto», no dizer de Cocteau. De Bruxelas chegam Brassens, Bécaud e Brel que vêm justar-se a Yves Montand, Aznavour, e a tantos outros...
Do outro lado do Atlântico é Sidney Bechet com "Petite Fleur" e os seus novos ritmos de jazz "New Orléans" que faziam vibrar a juventude, que escutava, bebendo laranjada...
E paro de folhear... São pedaços de papel amarelecido, escritos na solidão dos trópicos, à luz da "Petromax", ouvindo os ruídos indefinidos da floresta virgem, e sorvendo o perfume inebriante das orquídeas selvagens...

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - A capital do Distrito - Boende


Quem vem de Coquilhatville,(hoje Mbandaka) ou mais especificamente de Ingende por uma picada no meio da floresta, depois de atravessar várias pontes de madeira tosca, tem ainda de utilizar uma jangada para atravessar o rio Tshuapa e chegar a Boende.
A vila tinha na década de 60 uma população de cerca de 10.000 habitantes e o aspecto de uma aldeia escondida na floresta. Tirando algumas vivendas de funcionários, perdidas no meio das palmeiras e os edifícios administrativos, a cidade é um aglomerado de casotas sem características definidas cercadas por renques de arbustos. Agricultores, pescadores e alguns artistas que trabalham o marfim ali se misturam e vivem em conjunto. A principal avenida, onde estão instalados os Serviços do Distrito, hoje denominada Avenida da Revolução é a única pavimentada e é ladeada por palmeiras. Do outro lado existe o bairro da Missão, um conjunto de belas casas cobertas de chapa ondulada e onde tudo é limpo, calmo e sereno. Os padres brancos ali passam uma vida retirada do mundo e propícia à meditação. Num extenso terrenos vedado com arame, bois e vacas pastam tranquilamente.

Porém, o principal encanto de Boende é o Tshuapa, um rio de águas escuras onde quase se não nota a corrente. Dir-se-ia que as águas estão adormecidas! Da margem esquerda, de noite e sobretudo quando há barcos no porto fluvial o espectáculo é maravilhoso.
Boende dispunha de um aeroporto com uma pista em terra batida onde aterravam, três dias por semana, pequenos aviões – os famosos DC3 e depois os Fokker.
Havia muitas lojas de comércio no centro, a maior parte geridas por europeus. Havia também dois supermercados mais tarde equipados com sistemas de frio onde já chegavam víveres frescos vindos de Leopoldville por avião. Uma pequena unidade hoteleira, uma padaria, uma garagem que representava a General Motors, uma fábrica de descasque de arroz, uma fábrica de descasque e torrefacção de café e várias pequenas indústrias, faziam da cidade um ponto importante do interior.
Para nos abastecermos de mantimentos e também para passear, deslocávamo-nos, algumas vezes do Ngongo a Boende, uma distância de cerca de 160 quilómetros. A estrada era em terra batida, uma picada, portanto, e a cerca de 80 quilómetros, em Samba, onde existia uma feitoria de uma outra companhia portuguesa, a Gomal, tínhamos de atravessar o rio Maringa com o carro numa jangada. Inicialmente a jangada levava apenas um carro e era movida por homens que, com remos a faziam subir a corrente e depois, a pouco e pouco, deixavam que ela descaísse, atravessasse o rio e acostasse na outra margem...
Mais tarde foi-lhe adaptado um motor e mais uma baleeira o que permitia uma travessia mais segura e rápida. Já com a cidade de Boende à vista, outra travessia era necessário fazer – a do rio Tshuapa. Aí as coisas eram mais fáceis não só pelo tamanho da jangada como pela rapidez da travessia. A jangada podia levar quatro carros e os seus dois potentes motores depressa nos punham do outro lado.

Casa do Comissário de Distrito
Estas idas a Boende constituíam uma festa quando os meus filhos atingiram a idade de 4 e 5 anos. Minha mulher preparava um lanche e ao meio do caminho parávamos para petiscar. E era sempre uma alegria para os dois petizes. Com o apetite da idade, aguçado ainda pela alegria do passeio, era um consolo vê-los comer!...
Umas vezes regressávamos no mesmo dia, outras dormíamos para o dia seguinte.
(Excertos do caderno “A minha África”

quarta-feira, setembro 23, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA -Ligações aéreas


O inesquecível DC 3

As viagens mais importantes e mais urgentes entre Leopoldville e as cidades do resto do País fazem-se de avião.
Em todas as cidades do interior e até em locais onde existem grandes aglomerados e é mais difícil o acesso rodoviário, há uma pista para a aterragem de aeronaves.
Estes aeródromos são em terra batida, bordejados, por vezes, de altas ervas.
Uma casa, a maior parte das vezes coberta com folhas zincadas, serve de terminal.
Não há biruta nem qualquer aparelho que indique a velocidade do vento ou outras condições climatéricas. Apenas o fumo que se eleva de uma fogueira que arde no fim da pista indica ao piloto a melhor orientação que deve tomar para aterrar. E sempre em segurança!
Os pilotos, de origem belga e com muita experiência, guiam-se nos seus percursos pelos rios. Não há voos que cheguem ao interior de noite. O contrário, isto é, voos que cheguem a Leolpoldville ao lusco-fusco, são frequentes.
A única vez que um avião aterrou em Boende de noite foi em 1960 aquando da rebelião após a independência. O avião trazia a bordo o Comandante das Forças Armadas Congolesas na altura, General Mobutu e vinha expressamente para libertar os europeus que se encontrava prisioneiros no Quartel da cidade onde me encontrava com um irmão meu e outros europeus, Belgas, Holandeses, Ingleses e outras nacionalidades.
Para aterrar foi necessário colocar ao fundo da pista vários automóveis com os faróis acessos para sinalizar a pista de aterragem. Mas será um episodia que contarei mais adiante.
Durante os trinta anos que passei no Congo nunca houve, felizmente, um acidente de avião. Houve, é certo, sustos, mas não passaram disso. Descolagens abortadas ou aterragens só com um motor eram factos que quase não constituíam notícia. Várias vezes aterrámos com uma hélice em bandeira, mas nunca houve problemas.
No começo a tripulação dos aviões era constituída pelo piloto e um mecânico. Dancei muitas vezes dentro deles e sempre que passávamos sobre Coquilhatville, hoje Mbandaka, a turbulência era de tal forma contínua que mesmo os não crentes faziam as pazes com Deus. Os “poços de ar”, por vezes, faziam com que descêssemos uns vinte metros! Grandes aviões, esses!... Quando apanhávamos uma tempestade mais forte, a chuva chegava a entrar no avião pelas frinchas das portas! Eram uns autênticos heróis do ar esses DC3!...
Fabricado pela Douglas Aircraft Company, o DC3, serviu inicialmente para o transporte de tropas durante a 2.ª Grande Guerra. Nessa altura foram fabricados cerca de 11.000 unidades. Terminada a guerra milhares desses aviões foram adaptados para o transporte de passageiros e vendidos a vários países.
Era um avião com dois motores Pratt & Whitney, com 4,50 m de altura, 8 de largura, 19,7 de comprimentos, uma envergadura de 29 m, velocidade de cruzeiro 270/298, capacidade 28 passageiros e 4 tripulantes e uma autonomia de voo de cerca de 1.900 km.
Quase setenta anos depois do voo inaugural, o DC3 continua ainda, em alguns países, a voar. Era um avião excepcional: seguro, rápido (para a época) confiável que colocou a Douglas no primeiro lugar entre os fabricantes de aeronaves.
Ainda guardo nos ouvidos o inigualável ronronar dos Pratt & Whitney, os motores do DC3, um dos mais importantes aviões comerciais jamais construídos.

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - Extracção do látex


Extracção do látex
Convém abrir aqui um pequeno parêntese para explicar como se faz a extracção do látex (líquido branco espesso e pegajoso) que depois se transforma em borracha.
Esse líquido obtém-se fazendo aquilo a que se chama “sangria”. Esta operação consiste num pequeno corte descendente sobre a metade ou um terço do tronco da árvore e o líquido começa a cair para um recipiente geralmente de alumínio.
A incisão tem de ser feita manhã cedo, pois que quando o Sol começa a aquecer faz com que haja uma coagulação e uma película feche o corte impedindo que o líquido continue a sair.
Não confundir látex com seiva…
Enquanto a seiva assegura a distribuição da água, dos sais minerais e do açúcar, o látex está relacionado com os mecanismos naturais da defesa da árvore e circula por uma rede de vasos diferentes, chamados canais “latexíferos”.
Como acontece com a resina do pinheiro o látex escorre logo que seja feita uma ferida na árvore e forma, quando seca, uma camada protectora.
As árvores podem começar a ser “sangradas” a partir dos 5 anos e manter-se em produção durante cerca de 30 anos.
Logo que o látex deixa de correr para os copos, estes são despejados em recipientes de alumínio que são transportados para a fábrica, onde o conteúdo é vazado para tanques.

Ali é coagulado com a ajuda de, geralmente, ácido fórmico. Após o endurecimento as folhas são passadas por várias máquinas que as vão adelgaçando até passarem pela última que as transforma numa espécie de cera de abelhas.

A máquina faz-lhes uma série de opérculos para facilitar a secagem. Segue-se a colocação em secadores e quando se nota que já não contêm humidade, retiram-se e são embaladas em fardos com designações diferentes conforme o seu grau de perfeição.
Os fardos são depois expedidos para o estrangeiro onde, depois de outras manipulações, se obtém a borracha que vai servir para as mais variadas aplicações.

segunda-feira, setembro 14, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - Mãos à obra



Passados dois dias fiquei sozinho com cerca de trezentos trabalhadores que se dividiam pela exploração da borracha, extracção do óleo de palma e outros trabalhos. Havia pedreiros, carpinteiros, trabalhadores de limpeza da plantação, caçadores, pescadores e vários outros sem trabalho certo.
Muitos viviam nas senzalas vizinhas e cerca de metade habitava na plantação, em casas construídas com blocos de terra secos ao sol e tijolo feitos manualmente no local ou ainda em palhotas cobertas com folhas secas, uma espécie de colmo.
Os pescadores e caçadores tinham por missão pescar e caçar e trazer a caça que era distribuída gratuitamente pelos trabalhadores. O rio Maringa era muito rico em peixe. As espécies eram muitas e desde o peixe pequeno, passando pelo médio e terminando no crocodilo, havia sempre pescado com abundância. Da caça pode dizer-se o mesmo. Desde o pequeno antílope, passando pelo macaco, pela galinhola e terminando no boi selvagem, havia quase sempre carne para distribuir. Quando, por ventura, víamos que era de mais, mandávamos secar e, assim, ficávamos com uma reserva...
Uma vez até se distribuiu pelos trabalhadores um hipopótamo! Mas isso vou contar mais à frente.
A plantação de borracha tinha uma extensão de 300 hectares e estava dividida em vários talhões, cada qual com cerca de 300 árvores e que eram atribuídas a cada "sangrador" para, todos os dias, fazerem a colheita do látex.

Como atrás disse, a chamada era feita cedo e os homens entravam na plantação logo que a manhã rompia. A incisão nas árvores tinha que ser feita por essa altura, pois mal o sol começasse a aquecer, o látex ia coagulando lentamente até que uma fina película acabava por tapar a ferida interrompendo assim a sangria. Entretanto os capatazes iam percorrendo os vários talhões para verificar se o trabalho tinha sido feito convenientemente. Isso para evitar que os "sangradores" – o que era muito frequente – por preguiça, deixassem algumas árvores sem fazerem a respectiva incisão.

Cerca das dez horas, o encarregado de tocar a "ngonga" (um tronco oco, feito a propósito e que produzia um som que se ouvia longe) batendo com as duas maçanetas, indicava que podiam recolher o látex que tinha escorrido para uns pequenos copos redondos de alumínio.
Os "sangradores" despejavam então os copos para um recipiente de 30 litros, em alumínio e, por fim uma camioneta transportava-os para a fábrica que estava situada junto ao rio.
Um grande hangar coberto com folhas de zinco abrigava as máquinas e os tanques onde se tratava o látex. O conteúdo dos recipientes, – depois de pesado e o seu peso ter sido posto num registo geral e em cada um dos livros de cada trabalhador para o prémio de rendimento no fim do mês – era dividido pelos vários tanques de cimento revestidos com azulejos. Adicionava-se então uma quantidade de água proporcional aos litros ou quilos de látex vazados, mexia-se e adicionava-se, misturado com água, uma quantidade previamente calculada de ácido fórmico para acelerar a coagulação. Logo a seguir e nas ranhuras existentes nos tanques colocavam-se placas de alumínio o que dava origem a que a mistura coagulasse e ficasse em placas finas com cerca de 2 cm de espessura. Cerca de três horas depois, retiravam-se as placas de alumínio e tínhamos então folhas espessas. Essas folhas eram passadas por várias calandras ou prensas que as achatavam e ao mesmo tempo lhes tiravam a água que traziam. Por último passavam por uma outra calandra de cilindros estriados que fazia nas folhas uns opérculos como nos favos de mel das abelhas. Esta operação tinha como finalidade ajudar a fazer uma secagem mais rápida.
As folhas eram então levadas para um secador a lenha e aí ficavam penduradas por um período entre os 4 e 8 dias. Depois de bem secas, as folhas apresentavam uma cor amarelada e já não se colavam.
Eram então transportadas para a secção de embalagem onde eram escolhidas e embaladas para exportação. A escolha obedecia a certos requisitos e conforme as características assim eram classificadas em: "Sheets I, Sheets II, Sheets lll, Lumps e Scraps, e embaladas em fardos de 50 quilos e expedidas por barco para a Bélgica, Inglaterra ou Angola, via Leopoldville.
Havia também, mesmo junto ao rio, a fábrica do óleo de palma. Era composta por uma autoclave para cozer os frutos da palmeira, (dendê) um malaxador para separar a polpa da noz do fruto de palma, uma centrifugadora para extrair o óleo, um triturador para partir a noz e extrair o coconote e uma caldeira a vapor para fazer girar tudo isso.

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - O dia seguinte...


Lembro-me que no dia da minha chegada me deitei cedo, não só porque estava um pouco cansado mas também porque sabia que no dia seguinte me esperava o desconhecido, e havia que descansar para estar em forma.
Recordo que nos trópicos, às 18 horas já é de noite e às 6, o dia começa a romper...
No dia seguinte, logo às 4 da manhã assisti, com o tal senhor que ia substituir, à chamada dos "sangradores".
A chamada fazia-se da varanda da casa, à luz de um candeeiro a petróleo, um "Petromax", e ingerindo taças de café cultivado na plantação. Café fortíssimo que nos punha mesmo a mexer...
E o senhor falou: «Está feita a chamada. Agora é preciso vigiar os 280 sangradores que vão entrar na plantação. Cada equipa de 20 homens tem à frente um capataz e, por seu intermédio, é preciso saber se tudo está a correr bem...»
Entretanto entrei em casa para procurar o casque colonial que nessa altura se usava como protecção contra os raios solares. Durante muito tempo culpei tal ornamento pela queda do meu rico cabelo...
Frigorífico, apesar do calor tropical, era coisa que não existia. E no capítulo da alimentação o meu antecessor foi claro, prático e muito franco: «Quando quiser beber uma cerveja fresca ponha-a num balde com água ou então enterre-a em areia molhada... Para o resto não há necessidade, pois como tudo o que lhe disseram para comprar é enlatado, está resolvido o problema: é abrir e comer. Aliás, temos aí uma equipa de pescadores e outra de caçadores que lhe trazem constantemente peixe ou carne fresca. Nos pequenos riachos abunda o camarão de água doce que as mulheres apanham e vêm vender. É uma delícia! O sistema a seguir é o mesmo: mandar o cozinheiro preparar, e comer.
Tem também aqui no quintal muita fruta – bananas de diversas qualidades, ananases, abacaxis goiabas, laranjas, mangas, papaias, toranjas e outros frutos indígenas que os trabalhadores lhe irão trazer. Muito bons...»
Depois, mostrou um tambor de 200 litros encostado à casa e explicou: «Ali está a minha reserva de peixe. Os pescadores trazem muitos ainda vivos e eu então ponho-os naquele tambor que está com água e vou consumindo à medida que necessito... Como vê, aqui não se morre à fome. Mesmo que lhe faltem os víveres que trouxe, e não haja peixe do rio nem carne do mato, pode comprar galinhas e ovos aos indígenas... Quanto à farinha para fazer pão, aí a coisa é mais complicada. Mas também se resolve: quando não há, não se come!...»
Seguiu-se depois uma lição sobre princípios e comportamento:
«Antes de dar uma ordem, veja primeiro se ela pode ser executada. Isso é essencial. Agora no começo, é necessário mostrar e dar provas de que sabe mandar. Quando tiver dúvidas, abstenha-se. Uma desobediência de um trabalhador a uma ordem mal dada pode desacreditá-lo perante todo o resto do pessoal...
Tem aí livros em francês onde pode aprender tudo sobre o que aqui se faz: extracção e preparação da borracha; colheita e compra de fruto de palma e respectiva transformação em óleo; britagem da noz e preparação da noz e preparação do coconote; plantação, tratamento, colheita, secagem e descasque do café...
Os livros estão numa prateleira no escritório... Leia e depois com a prática, vai ver que não custa nada!...»

Vieram depois os conselhos dados por um homem com 40 anos de África, e 60 de idade, a um jovem de 24 anos, recém-chegado. E com o clima a espicaçar-lhe a carne...
«Já por lá passei, sei o que são essas necessidades, mas aqui tem que ter muito cuidado: primeiro, por causa das doenças e em seguida porque há também regras a respeitar. Mulher casada, se lá é pecado, aqui pode levar direitinho ao outro mundo...Cuidado, portanto! Há por aí muita mulher solteira. Algumas até hão-de vir oferecer-se... Colha informações primeiro. Informe-se com o cozinheiro, o velho Mbulungu. Já trabalha com brancos há muitos anos e os seus conselhos e sugestões são dignos de crédito... Não esqueça que estamos longe de médicos e de hospitais e uma blenorragia aqui não se cura facilmente...»
E tinha razão, o Sr. Machado. A confirmação veio alguns meses mais tarde. Um cidadão belga que trabalhava numa plantação próxima contraiu a doença e teve de ser evacuado de urgência, numa piroga a motor, para o Hospital inglês da leprosaria de Baringa...

sexta-feira, setembro 11, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - Estradas

Como já foi dito a maior parte do transporte de mercadorias entre as feitorias e as sedes das Sociedades ou os locais de destino era feito por barco visto que os rios eram navegáveis. No entanto, havia também “estradas” ou picadas, em terra batida, algumas em muito bom estado de conservação que permitiam boas médias. Por exemplo, entre Basankusu e Mompono ou Mompono Boende, não havia problemas, muito embora tivéssemos de atravessar dois rios sobre barcaças a motor que transportavam os veículos de uma margem para a outra.
O mesmo não acontecia nas picadas do interior profundo onde, por vezes, o trânsito era problemático. Quando havia pequenos riachos, as pontes eram construídas com troncos roliços, sem qualquer adaptação, e a sua travessia era muito arriscada. Quando fazíamos viagens logo às primeiras horas da manhã e tínhamos de atravessar uma ponte, era preciso cautela e ver se o “tabuleiro” se encontrava no sítio. Muitas vezes, durante a noite, uma manada de elefantes entretinha-se a “brincar” com os troncos … e adeus ponte!...

Numa aldeia, conhecida pelo nome de Loyau, onde íamos comprar fruto da palma para a fábrica e havia várias dessas pontes eram frequentes esses percalços o que nos obrigava a ter de repor os madeiros para continuar viagem. Só uma vez, manhã cedo, fomos obrigados a parar para deixar passar “suas excelências” que, pachorrentos iam lambiscando uma folha aqui outra acolá…Nunca vi o motorista, o Eugène, bom conhecedor da floresta tropical, dos seus bichos e dos seus mistérios, dar qualquer sinal de medo perante as várias situações que tivemos de enfrentar quando fazíamos o nosso périplo, quer na compra de produtos quer no abastecimento das várias feitorias que possuíamos.
Essas viagens tornavam-se penosas no tempo das chuvas, pois havia locais que ficavam submersos durante muitos dias e era difícil se não impossível fazer essas deslocações. Recordo-me de um local, perto de Samba, em que todos os anos numa distância de um quilómetro a travessia era difícil e não havia camião que ali se não atascasse. Os indígenas de uma povoação vizinha conheciam o facto e juntavam-se ali próximo e quando um veículo se enterrava no lodo, logo apareciam a oferecerem-se para ajudar mediante o pagamento de alguns francos. Era um negócio que prosperava enquanto a estação das chuvas não terminasse…

Depois da era dos velhos camiões que tinham feito a Última Guerra e que como já disse não tinham qualquer comodidade, começaram a aparecer os da General Motors, boas máquinas, resistentes e com uma mecânica tão fácil que não havia avaria que não se resolvesse “sur place”. Um alicate, um bom bocado de arame, um pneu de reserva, um Kit de emergência com platinados, um rotor, umas velas e mais umas pecitas… e pronto, aí estava a máquina, de novo, a funcionar.
Referindo-me ainda às vias de comunicação entre os locais mais importantes – sedes de freguesia, concelho, entrepostos comerciais de grande vulto ou grandes plantações quer de borracha, óleo, cacau ou café – gostaria de acrescentar que de cinquenta em cinquenta quilómetros havia uma “gîte d’étape”que poderemos traduzir por “casa de passagem ou de descanso”.
Essa casa tinha uma cozinha rudimentar sem qualquer utensílio, uma sala com uma mesa e duas cadeiras, uma casa de banho (fossa árabe) e um chuveiro (o tal balde com um crivo). Quem ali quisesse pernoitar ou descansar podia fazê-lo. Como todos sabiam, quando era necessário dormir, levavam a roupa de cama e os apetrechos necessários para cozinhar. Pernoitei em algumas e confesso que eram para mim uma espécie de “oásis”. Depois de percorrer, debaixo de um sol abrasador, algumas centenas de quilómetros em estradas de terra batida, cansado de mais uma jornada de trabalho, uma banhoca (mesmo de balde) seguida de um belo churrasco de frango “pica no chão” regado com uma bela cerveja (mesmo quente), eram uma espécie de restaurador de forças para o dia seguinte…

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - O 1.º dia na plantação




Lembro-me que no dia da minha chegada me deitei cedo, não só porque estava um pouco cansado mas também porque sabia que no dia seguinte me esperava o desconhecido, e havia que descansar para estar em forma.
Recordo que nos trópicos, às 18 horas já é de noite e às 6, o dia começa a romper...
No dia seguinte, logo às 4 da manhã assisti, com o tal senhor que ia substituir, à chamada dos "sangradores".
A chamada fazia-se da varanda da casa, à luz de um candeeiro a petróleo, um "Petromax", e ingerindo taças de café cultivado na plantação. Café fortíssimo que nos punha mesmo a mexer...
E o senhor falou: «Está feita a chamada. Agora é preciso vigiar os 280 sangradores que vão entrar na plantação. Cada equipa de 20 homens tem à frente um capataz e, por seu intermédio, é preciso saber se tudo está a correr bem...»
Entretanto entrei em casa para procurar o casque colonial que nessa altura se usava como protecção contra os raios solares. Durante muito tempo culpei tal ornamento pela queda do meu rico cabelo...
Frigorífico, apesar do calor tropical, era coisa que não existia. E no capítulo da alimentação o meu antecessor foi claro, prático e muito franco: «Quando quiser beber uma cerveja fresca ponha-a num balde com água ou então enterre-a em areia molhada... Para o resto não há necessidade, pois como tudo o que lhe disseram para comprar é enlatado, está resolvido o problema: é abrir e comer. Aliás, temos aí uma equipa de pescadores e outra de caçadores que lhe trazem constantemente peixe ou carne fresca. Nos pequenos riachos abunda o camarão de água doce que as mulheres apanham e vêm vender. É uma delícia! O sistema a seguir é o mesmo: mandar o cozinheiro preparar, e comer.
Tem também aqui no quintal muita fruta – bananas de diversas qualidades, ananases, abacaxis goiabas, laranjas, mangas, papaias, toranjas e outros frutos indígenas que os trabalhadores lhe irão trazer. Muito bons...»
Depois, mostrou um tambor de 200 litros encostado à casa e explicou: «Ali está a minha reserva de peixe. Os pescadores trazem muitos ainda vivos e eu então ponho-os naquele tambor que está com água e vou consumindo à medida que necessito... Como vê, aqui não se morre à fome. Mesmo que lhe faltem os víveres que trouxe, e não haja peixe do rio nem carne do mato, pode comprar galinhas e ovos aos indígenas... Quanto à farinha para fazer pão, aí a coisa é mais complicada. Mas também se resolve: quando não há, não se come!...»
Seguiu-se depois uma lição sobre princípios e comportamento:
«Antes de dar uma ordem, veja primeiro se ela pode ser executada. Isso é essencial. Agora no começo, é necessário mostrar e dar provas de que sabe mandar. Quando tiver dúvidas, abstenha-se. Uma desobediência de um trabalhador a uma ordem mal dada pode desacreditá-lo perante todo o resto do pessoal...
Tem aí livros em francês onde pode aprender tudo sobre o que aqui se faz: extracção e preparação da borracha; colheita e compra de fruto de palma e respectiva transformação em óleo; britagem da noz e preparação da noz e preparação do coconote; plantação, tratamento, colheita, secagem e descasque do café...
Os livros estão numa prateleira no escritório... Leia e depois com a prática, vai ver que não custa nada!...»
Vieram depois os conselhos dados por um homem com 40 anos de África, e 60 de idade, a um jovem de 24 anos, recém-chegado. E com o clima a espicaçar-lhe a carne...
«Já por lá passei, sei o que são essas necessidades, mas aqui tem que ter muito cuidado: primeiro, por causa das doenças e em seguida porque há também regras a respeitar. Mulher casada, se lá é pecado, aqui pode levar direitinho ao outro mundo...Cuidado, portanto! Há por aí muita mulher solteira. Algumas até hão-de vir oferecer-se... Colha informações primeiro. Informe-se com o cozinheiro, o velho Mbulungu. Já trabalha com brancos há muitos anos e os seus conselhos e sugestões são dignos de crédito... Não esqueça que estamos longe de médicos e de hospitais e uma blenorragia aqui não se cura facilmente...»
E tinha razão, o Sr. Machado. A confirmação veio alguns meses mais tarde. Um cidadão belga que trabalhava numa plantação próxima contraiu a doença e teve de ser evacuado de urgência, numa piroga a motor, para o Hospital inglês da leprosaria de Baringa...

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA -N'GONGO (Mompono)


Edição n.º 917 – de 13 de Novembro de 2008

N'gongo situa-se na freguesia de Mompono, concelho de Befale e distrito de Boende, Província do Equador, cuja capital era Coquilhatville, hoje Mbandaka. Encontram-se na margem direita do rio Maringa, rio navegável, que nasce alguns quilómetros acima num ponto chamado Befori-Lioko e que desagua no Lulonga em Basankusu.
N'gongo é apenas o sítio onde se situam as plantações, pois não existe qualquer aldeia com esse nome. Uma estrada de terra batida liga as plantações a Mompono, sede da Comarca onde está instalado o administrador da circunscrição. Um militar belga com um pequeno destacamento de soldados indígenas olha pela ordem. Há ainda um posto do correio e um porto fluvial onde são descarregadas as mercadorias e tudo o que é necessário para a manutenção dos serviços. Há também um campo de futebol e um campo de ténis. Ali habita também um agrónomo que se ocupa das plantações de borracha do Estado e vigia e aconselha os autóctones nas diversas culturas, nomeadamente do arroz de sequeiro. Um agente sanitário belga (com preparação universitária) percorria, com três enfermeiros congoleses todas as aldeias pertencentes à área, no despiste de todas as doenças tropicais. A malária, a lepra, a doença do sono e as doenças venéreas eram as que mereciam mais cuidados.
Para além de uma Missão protestante sob a direcção de um pastor inglês, Mr. Hansens, havia também uma Missão católica com a respectiva Catedral e um convento de freiras, pertencentes à Missão inglesa de Mill – Hill. Era ali que funcionava uma espécie de escola profissional dirigida por frades e onde se formavam os artífices das mais variadas profissões: pedreiros, pintores, carpinteiros, electricistas, etc. etc. Era de facto uma verdadeira escola profissional, pois todos os alunos exerciam as suas profissões na Missão, desenvolvendo os seus conhecimentos pela prática de trabalhos efectuados "in loco" em benefício da própria escola. Embora esta prática fosse condenada por alguns, porque os "operários" não auferiam qualquer salário, o certo é que a alimentação e os cuidados de saúde eram-lhes prestados gratuitamente o que, quanto a mim, com o "diploma" ou apenas com a prática que adquiriam, lhes proporcionava um ganha-pão que poderiam usar pela vida fora. E isso acontecia com frequência, pois quando havia obras de maior vulto era à Missão que se iam procurar os especializados.
A Catedral era construída em tijolo, feito, prensado e seco no próprio local e tinha sido edificada por "alunos."
Era lá que todos os domingos se reuniam, para além de muitos indígenas vindos de todos os cantos da circunscrição de Mompono, os estrangeiros católicos da região. Depois da Missa o Superior da Missão, um ancião de corpo franzino e de barbas compridas e brancas, fazia questão de nos reunir todos no átrio da casa paroquial para a habitual chávena de café que se seguia uma troca de impressões sobre os mais variados assuntos, com especial destaque para as notícias da Europa.
Esta Missão tinha quatro missionários itinerantes que percorriam os quatro cantos da "Paróquia", quase sempre a pé. Faziam centenas de quilómetros catequizando e celebrando missas. Por vezes andavam semanas pelo interior alimentando-se de frutos, e de alimentos, ovos, peixe ou carne que os indígenas lhes davam e que eles preparavam para comer.
Algumas vezes acolhemos em nossa casa, e de passagem, alguns desses homens que chegavam exaustos e com os pés doridos. Mal chegavam, perguntavam se podiam tomar banho, comiam depois e, muitas vezes, adormeciam à mesa, tal era o cansaço...
Sempre admirei esses homens que renunciando a tudo, se embrenhavam por veredas estreitas, floresta adentro, pregando a doutrina de Cristo.
Só quem alguma vez viveu situações destas e sabe o quão difícil é percorrer as pistas da floresta tropical com todos os perigos que daí podem advir pode dar o valor merecido a semelhantes mensageiros da Fé!
Refiro-me ainda à Missão católica de Mompono, só para sublinhar uma coincidência: um dos padres dessa Missão, meu amigo e orientador espiritual, o padre holandês Van-Kester, entretanto elevado a Bispo, celebraria, mais tarde, em Basanksu, o meu casamento...