sábado, dezembro 29, 2007

Fiquei triste, minha senhora!...


(Texto escrito e publicado em 16 de Julho de 2004)
A recente decisão do senhor Presidente da República de não convocar eleições antecipadas, para além do terramoto político que provocou, permitiu também que ficássemos com uma ideia, ainda que pálida, de algumas personalidades que gravitam nas altas esferas da vida política portuguesa.
Poderia citar várias, mas a que mais surpresa me causou pelo chorrilho de impropérios e pela agressividade como criticou o mais alto Magistrado da Nação, foi, sem dúvida a secretária nacional do PS, Ana Gomes.
Talvez pela maneira como desde pequeno me ensinaram e depois me habituei a admirar e louvar a sensibilidade feminina, confesso que me constrangeu ainda mais a maneira desbocada (perdoem o termo) como proferiu aquelas palavras à intenção do Presidente da Republica.
Daqueles olhos que eu vi há anos verter lágrimas de alegria aquando do processo da independência de Timor, brotaram agora autênticas chispas de raiva e de ódio não contidos.
Fiquei triste, minha senhora!...
Fiquei triste por ser obrigado a substituir aquela sua patriótica, afável, enérgica e humana imagem que guardava dentro de mim, por esta outra de agora – olhar desvairado, cara deformada pelo rancor e boca sequiosa de vingança.
Nas derrotas, e para os que não sabem perder, o orgulho pessoal e a convicção de superioridade, cerra-lhe os olhos e faz com que percam a noção de uma das mais nobres virtudes dos seres humanos – a humildade!
Ser humilde, saber enfrentar as contrariedades da vida, além de virtude é também uma característica das grandes personalidades. E eu sempre pensei que a senhora pertencia ao número delas. Mas enganei-me…
Quando a ideologia e o sereno juízo dos factos são substituídos por reacções puramente afectivas, facciosas e intolerantes, perde-se por completo a noção das coisas. E foi o que aconteceu…
Lá bem no fundo, e passada que foi a vaga de revolta que lhe tolheu o discernimento, deve ter reconhecido, minha senhora, que a sua atitude e o seu comportamento, não foram, minimamente, compatíveis com o lugar que ocupa.
Um democrata verdadeiro nunca perde o norte, quer quando a frustração lhe bate à porta quer quando a sorte lhe entra pela janela…
Fiquei triste, minha senhora!...
Fiquei triste, porque – e repito-me – dos olhos que vi brotar lágrimas de alegria, e da boca que ouvi palavras de grande elevação patriótica, vi agora sair fulminantes faíscas de ódio e palavras arrogantes, rancorosas, impregnadas de prepotência e de má educação…

Vaticínios




No fim de mais um ano que não nos deixa boas recordações, e no começo de outro que segundo já predizem os oráculos não vai ser nada melhor, não sei, francamente, o que hoje vos hei-de dizer quanto à maneira como se irá comportar o figurão que aí vem – o 2008…
Para já, e sem que isso constitua desrespeito ou concorrência desleal para com os nossos astrólogos oficiais, eu aventurar-me-ia a prever para 2008 um ano decisivo, isto é, um ano do “ vai ou racha”.
Dito por outras palavras: ou os nossos políticos começam a fazer uma espécie de recruta no país profundo para conhecer as suas verdadeiras necessidades dando, ao mesmo tempo, exemplos de trabalho aos indígenas ou então continuaremos na mesma cegarrega e arriscamo-nos a ser incorporados no país vizinho, como aliás, já o vaticinou o nosso Nobel.
Em qualquer dos casos, quer chova quer faça sol, os mandantes, esses, estão-se nas tintas. Quer a coisa vá bem quer não, nada perdem, porque há sempre dinheiro para eles. E por mais perigosas que sejam as suas piruetas no trapézio da governação, há sempre por baixo a rede do Zé que em caso de queda os catapulta para outros trampolins.
«É a vida! …» Como costumava dizer um dos nossos ex-mandantes, o tal das “paixões” que se escapuliu e se despediu à la française, mas que hoje está bem na dita cuja!
Mas foi sempre assim. Não julguem que por agora termos auto-estradas com portagens, “metro”, TV por cabo, telemóveis da 4.ª geração, Internet, brevemente TGV, um aeroporto ainda sem lugar certo, que as coisas mudaram!... Ora leiam, (mudem apenas as datas) o que escreveu em finais do século dezoito o nosso Fialho de Almeida:
«Na ratoeira do tempo ainda ignobilmente está a agonizar 1889, e já ao faro do queijo, o ratinho de 90 se prepara a esfuziar pela portinhola do cárcere, a sua cabeça aguda e chata de roedor. (…) - «Ele aí vem 1890!... Com o mesmo parlamento a esbarrondar de intrigas e ambiciúnculas corriqueiras, a mesma bobagem turva nas cumeeiras do Estado; a mesma inanidade nos tipos, a mesma falta da iniciativa nos caracteres, e esterilidade idêntica nos ventres das mulheres, nos cérebros dos homens, e na cornucópia sôfrega dos argentários. 1890, é mais um acto desta farsada da vida em que os homens se entrechocam como Polichinelos, sem o respeito que salvou a geração dos nossos Avós, e sem o desprezo que foi longos anos a grande força cívica dos nossos Pais. – Rato de esgoto passa depressa, e livra-nos de ti…»
Por isso, percam as esperanças os ingénuos, os que ainda acreditam nas palavras de políticos. De nada vale escrever, falar, barafustar, praguejar ou reivindicar. Eles não nos ouvem. Ergam as mãos ao Céu – aqueles que, como eu, acreditam – e peçam a Deus muita saúde, paz e alegria, porque cá em baixo ninguém nos ouve.

Feliz Natal


Feliz Natal
Neste mundo apressado e frenético em que vivemos, só as crianças, na sua inocência e simplicidade e com a pureza que brota dos seus corações, continuam a transmitir a mensagem de esperança, de solidariedade, de paz e de amor que há mais de dois mil anos, esse Menino veio trazer ao Mundo.
Os homens, numa luta contínua e ambiciosa, – primeiro na terra, depois nos mares, nos ares e agora nos espaços interplanetários, pouco a pouco, se foram esquecendo de si próprios.
E por mais paradoxal que isso pareça, quanto mais o homem avança e mais descobre, mais ele se apaga e mais a sua imagem original se desvanece nessa corrida vertiginosa que a vida lhe impõe. Preso na automatização que criou, ele tende cada vez mais a transformar-se numa simples peça de uma engrenagem maldita, da qual jamais poderá libertar-se.
Dei comigo a pensar em tudo isto num hipermercado rodeado pela multidão frenética, apressada e eufórica que por entre atraentes brinquedos, inúmeras iguarias, e tentadoras embalagens de prendas, se acotovelava ao som do "Jingle Bell" facturado em jeito de rock e lançado pelos alto-falantes espalhados por todos os cantos.
Um outro mundo, esse!... Um mundo mágico e fantasmagórico, tornado ainda mais quimérico e irreal pelo piscar intermitente de miríades de luzinhas coloridas. À música, juntava-se a algaraviada daquele formigueiro que, em longas filas, carrinhos a abarrotar, esperava a sua vez. Novos, menos novos e muitas crianças – um ror de gente!
Comparações com o Natal da minha infância? Impossíveis... Nem parecenças com aquele Natal tranquilo, quase sem brinquedos! Uma noite diferente envolta no perfume da resina das pinhas a aquecer junto à lareira para extrair os pinhões; os estalidos do troco que ardia; as panelas de ferro de três pés onde, conjuntamente, coziam as batatas, as couves e o bacalhau para a ceia; as filhós de farinha de trigo que minha Mãe tão bem fazia... e que tão bem sabiam lambuzadas com o mel das nossas colmeias!...
E o presépio, na velha capela, revestido com heras e musgo onde um menino gorducho, de faces rosadas, com um dos dedos do pé já partido, parecia sorrir? E a Missa, e depois a fila para beijar o Menino; e as ofertas que se depositavam num açafate de vime; e os cânticos, ainda sem instrumentos musicais; e depois o regresso a casa, agasalhados nas samarras, nas capuchas de burel ou nos xailes de merino? E aquele matraquear dos socos e dos tamancos nos degraus luzidios da escadaria de loisa...
Mas tudo mudou!... No entanto, e porque o Natal «é a festa de uma criança que acabou de nascer», ela pressupõe sempre um recomeço que muitas vezes é um reviver do passado. Um encontro com o presente. Com muitos sonhos à mistura. E muitas recordações. Nunca ouviram dizer que os velhos passam o tempo a recordar?!...
Um santo e feliz Natal para vós todos.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Peadelos


Pesadelos
Sem saber como nem porquê, dei comigo sentado numa cadeira da última fila da sala de aulas da minha neta mais nova…
O "sôtor" não tinha nada daqueles mestres do meu tempo que eram assim mais "pesadotes" na idade e mais escrupulosos no vestir. Este vestia calça de ganga, e oficiava em mangas de camisa. Por falta de um botão, via-se um peito cabeludo onde luzia um fio prateado, na extremidade do qual baloiçava um berloque. Calçava sapatos de ténis que deviam ter nascido brancos, mas que, agora, a idade ou os maus tratos, tinham transformado num arco-íris rastejante. Mas era, na linguagem da minha neta, um professor porreiraço...
Constava que a sua especialidade era a Agricultura, pois possuía uma licenciatura num desses novos cursos, – Ciências Agrárias, se não estou em erro – mas em face da crise nesse sector, virou-se para o ensino e lá conseguiu umas aulas...de português!...
Estava eu nestas conjecturas quando o mestre começou a aula:
«Como já por várias vezes tenho afirmado – começou ele dirigindo-se à turma – quanto a mim, para que o aproveitamento na disciplina de português seja o desejado, devemos acabar com essa parte da gramática a que chamam ortografia. Acabando com ela, suprimem-se os erros ortográficos..."
Engoli em seco, mas achei uma certa lógica no raciocínio, pois se cortarmos o pescoço a qualquer fulano, ele não sofrerá mais de dores de cabeça pensei eu cá p'ra mim.
"Os pequenos – continuou – não gostam da disciplina de português, porque a maior parte das palavras não se escrevem como se pronunciam, ou se pronunciam de maneira diferente da que se escrevem..."
Raciocínio foneticamente muito discutível, mas que deixei passar…
"A ortografia – insistiu – porque só uns tantos a praticam, é um elemento de segregação social. É até uma forma, camuflada, de racismo! Por isso, não só contribui para o empobrecimento cultural, pelo tempo que rouba e pelos sentimentos xenófobos que desperta, como também é responsável pelo enfraquecimento do espírito, tendo em conta o esforço que exige..."
Raciocínio de cariz político-partidário, que fingi não perceber…
"Porque – continuou, já vermelho e a transpirar – a ortografia é, nos nossos dias, uma coisa arcaica que cheira a mofo e não tem cabimento numa sociedade de tecnologias avançadas. Vivemos quase meio século no cárcere do obscurantismo. Há mais de duas décadas que dele nos libertaram!... Então por que esperamos para deitar no lixo as grilhetas que ainda nos prendem a esse passado, (que eu nem sequer conheci!...) mas que dizem ter sido sinistro e castrante, indolente e conservador?!..."
E foi então que me levantei e, revoltado, agarrei o ilustre “pedagogo” pelos colarinhos e expliquei-lhe em altos berros que no "tal passado que ele nem sequer tinha conhecido", a maior parte daqueles que faziam a quarta classe ficava a saber escrever correctamente o português, sem erros ortográficos!...
Entretanto apareceu um “segurança” – é assim que agora são designados os homens a que outrora, nos colégios, se chamavam “ prefeitos” – e sem mais aquelas, pegou-me por um braço e pôs-me na rua. Mas não parei de espernear e foi só quando minha mulher me deu um safanão que eu acordei…