sábado, janeiro 02, 2016

O MEU NOME É "DOIS MIL E DEZASSEIS"


O meu nome é “Dois mil e dezasseis”

Nasci há pouco. E foi um nascimento difícil. E muito longo… Os quatro Esculápios que assistiram ao parto perderam muito tempo até chegarem a um consenso quanto à minha vestimenta política, pois como era canhoto e só havia indumentárias para destros, a confecção demorou o seu tempo.
Não sei ainda como, nem qual vai ser o meu percurso, pois os dozes envelopes com o itinerário, mantêm-se fechados e, cada um deles vai ser aberto apenas no final de cada mês.
Quer isto dizer que nasci com os olhos fechados e que irei abri-los, lentamente, à medida que os meses forem chegando ao fim…
Desde já apelo aos que nos governam para que reflictam sobre o momento crucial que o Mundo atravessa presentemente. Apesar de nada estar ainda perdido, é tempo de prevenir, de acautelar e de não facilitar.     
Nesta nossa velhinha Europa, que foi berço de civilizações, reina hoje a confusão e sucedem-se as indefinições. De nada têm valido as constantes cimeiras, encontros, acordos e compromissos. No sistema de relações entre Estados e Povos flutua numa nuvem de incertezas e inseguranças cujos contornos se apresentam impossíveis de delimitar. Este latente mal-estar geral de que nos dão conta todos os dias os meios de comunicação vem aumentado progressivamente a frustração das massas sociais, que estão desiludidas pelo não cumprimento das promessas que lhes foram feitas.
Por desconhecimento político ou outro, pensaram certas elites que a solução passava por juntar num único ramalhete o modo de ser e de estar de cada Povo, aplicando a todos as mesmas regras, tornando assim mais fácil a resolução dos problemas de cada um deles!
Como se tem verificado essa solução não se apresenta do mesmo modo e com as mesmas implicações a todos os povos. Assim acontece com Portugal, pois essa união não se apresenta aos portugueses da mesma maneira que aos alemães, franceses ou outros.
No estado nada animador em que Portugal se encontra, e apesar dos optimismos fáceis dos que, a tempo, souberam acomodar-se não é tempo para ilusões. O “deixa-andar” pode ser cómodo, mas é perigoso e a acção impõe-se com uma urgência que cresce todos os dias.
Todos sabemos que estamos a ser colonizados por povos sem história, mas com alto grau tecnológico. Estamos a ser vítimas dos fanáticos do materialismo.
Por tudo isso e sem deixar de cumprir quaisquer internacionalismos assumidos, se quisermos continuar Portugal está na hora de todos fazermos  um sincero e profundo apelo ao “sentido do nacional”.
A História nem sempre é feita de fatalidades. Ela deixa sempre uma margem – embora estreita- de escolha e de decisão.

 

FELIZ ANO NOVO


 

FELIZ ANO NOVO
Sincera ou hipocritamente, é de bom-tom, no começo de cada Ano, quer por intermédio de um postal, quer verbalmente, desejarmos uns aos outros, muitas felicidades e muitas coisas boas.
Não tenho dúvidas de que quando os nossos tetravôs criaram este hábito lhe tivessem vestido um manto branco, ornamentado com pérolas de pureza e de sinceridade. Não duvido...
Porém, à medida que os anos foram passando, as nódoas foram maculando a túnica e, de branco, de pureza, e de sinceridade, pouco ou quase nada resta. Aliás, o mesmo tem acontecido a muitas outras práticas antigas que se têm vindo a abastardar, desaparecendo depois, envoltas na poeira levantada pela correria desenfreado do progresso.
Mas apesar disso, e com a teimosia e desfaçatez que caracterizam o homem deste fim de milénio, e arrastados que somos, também, por essa onda que a todos envolve, continuamos a observar os mesmos ritos, num faz-de-conta muito bem conseguido, onde não faltam os escritos laudatórios, os sorrisos amarelos e as hipócritas e, por vezes, as bem assentes palmadinhas nas costas. Tudo exibido e exteriorizado num cenário a condizer, isto é: um cenário com pinceladas de falsa emoção onde não faltam salpicos de ironia, e uns borrifos de solidariedade à mistura. É assim que manda a praxe! Ou, dito por outras palavras, - e, se quisermos ir beber a inspiração à fonte inesgotável das acrobacias da política - é assim que manda "o tradicionalmente correcto".
Nesta época de transformações que estamos a atravessar, em que interessa mais mostrar o que queremos parecer do que aquilo que, na realidade, somos, nada melhor que esconder sob o manto espesso da hipocrisia a nossa verdadeira identidade. E daí esta febre de disfarçar com figuras e palavras a ruindade que nos vai na alma... FELIZ ANO NOVO!...
Frase e desejos que depois deste intróito um nadinha cínico, os leitores não vão aceitar com certeza. E têm razão. Aliás, "Em um Mundo tão avarento de bens, onde apenas se encontra com um bom-dia, ter obrigação de dar bons-anos, dificultoso empenho! E na minha opinião cresce ainda mais esta dificuldade, porque isto de dar bons-anos, entendo-o de diferente maneira do que comummente se pratica no Mundo. Os bons anos não os dá quem os deseja, senão quem os assegura. A quantos se desejaram nesta vida, a quantos se deram os bons anos, que os não lograram bons, senão mui infelizes? Segue-se logo, própria e rigorosamente falando, que não dá os bons anos quem só os deseja, senão quem os faz seguros..."
São palavras do Padre António Vieira proferidas no Sermão dos Bons Anos, pregado na Capela Real em Lisboa no ano de 1642. Não transcrevi o excerto acima, com o intuito de arranjar apoios ou desculpas para o que escrevi no começo. Se citei o nosso ilustre orador isso ficou a dever-se a uma pura coincidência. É que, presentemente, são "Os Sermões" que ocupam a minha mesa-de-cabeceira. E porque sou também um dos "infectados" com o vírus da síndroma do "tradicionalmente correcto", aqui reforço os meus votos. A vós, leitores, a escolha de os aceitarem ou não.

É NATAL!...


É NATAL!...

E cada vez o Natal é menos Natal!
Bem sei que nem todos estarão de acordo comigo, mas o verdadeiro Natal, aquele Natal humilde e silencioso, o Natal do Menino Jesus desapareceu.
O que se festeja em seu lugar é o homem que a Coca-Cola vestiu de vermelho, com um gorro a condizer, umas barbas brancas, um saco às costas e um nome – “Pai Natal”!...
O “outro” Natal, o do Menino Jesus, não se coadunava com a operação comercial e consumista que todos os anos dá origem a esbanjamentos desproporcionados!
Não vou, por isso, falar de Natal, mas contar-vos uma espécie de parábola -  a das  quatro velas.
Na Igreja da minha aldeia há uma coroa – a Coroa do Advento. Nela há quatro velas que ardem lentamente. Quando há dias lá fui rezar, era tal o silêncio, que pude ouvir o que diziam umas às outras:
Disse uma:
«Eu sou a Paz, mas as pessoas não conseguem manter-me acesa e penso que em breve eu me apagarei…»
A chama foi diminuindo pouco a pouco até que se apagou.
A segunda disse:
«Eu sou a Fé, mas, infelizmente, eu sei que estou a mais. Ninguém quer saber de mim. Portanto não vejo motivo para que continue a alumiar quem não quer ver…»
Entretanto, a porta abriu-se, uma leve brisa soprou mais forte e a vela apagou-se!
E, então, disse a terceira, tristemente:
«Eu sou a solidariedade e o Amor, mas não tenho força para continuar acesa. As pessoas não me ligam e não compreendem quanto sou importante – ser solidário, amar a Deus, ao próximo, tudo isso esquecem…»
E sem mais, a chama extinguiu-se.
De repente, pela porta semi-aberta, entrou uma criança. Quando viu as três velas apagadas, exclamou: «Mas o que é isto? Vocês deveriam estar todas acesas. Quem vos apagou? …» E começou a chorar.
E então a quarta vela falou, e disse:
«Não chores! Enquanto eu conservar a minha chama, poderei sempre acender as velas que se apagaram… Eu sou a Esperança!»
Ouvindo isso, a criança, com os olhitos ainda húmidos, mas brilhantes pegou na vela da esperança e acendeu as outras…
Que a esperança nunca se apague, e que cada um de nós saiba ser essa ferramenta que a criança necessita para manter bem acesas as velas da Paz, do Amor, da Fé e da Solidariedade!  
Bom Natal para todos.

 

TODOS IGUAIS


Todos iguais
Quando se atinge uma certa idade, acontece com frequência lembrarmo-nos de factos passados há muitos anos e esquecermo-nos de episódios da véspera. A ciência tem uma explicação para isso, mas como não tenho espaço, nem conhecimentos para entrar em detalhes, vou directo ao assunto...
Quando há dias, por intermédio do meu pequeno ecrã, assistia à reposição da conhecida comédia " As Traquinices da Democracia", lembrei-me de um livro que li há muitos anos e que foi escrito, salvo erro, por um filólogo japonês. Segundo ele, na origem da maioria dos conflitos ideológicos, estão a incerteza e a diversidade dos conceitos atribuídos por uns e por outros às palavras com que se exprimem. É verdade... Muitas vezes basta substituir uma palavra por outra, até por um sinónimo, menos débil ou mais forte, para que os efeitos produzidos sejam diferentes e até mesmo opostos.
O caso mais flagrante é o de dois pacatos e discretos substantivos que entraram no vocabulário de várias línguas com a humilde função de designar uma posição apenas de espaço em relação a outra coisa. São eles, esquerda e direita. Situar-se "à esquerda" ou "à direita", não implicava, no começo, qualquer significado especial, salvo no caso cerimonial em que ficar à direita da pessoa que recebe, era prova de maior consideração do que ficar à esquerda. Mas veio depois a deturpação. E de longe... Parece que de finais do século XVIII, das sessões da Convenção francesa, em que, na Sala da Pela, os Jacobinos (de ideias mais avançadas) se sentavam à esquerda dos Girondinos, (mais moderados) que se sentavam à direita. Daí teria surgido o significado político de "direita" e de "esquerda".    
De então para cá o verdadeiro significado das duas palavras foi adulterado, politizado, o que nos leva hoje a poder afirmar que se trata de um verdadeiro fenómeno de propaganda política. Fenómeno, porque, por mais que tentemos, não conseguimos determinar com exactidão, e na prática, nem onde acaba a esquerda nem onde começa a direita. Uma confusão levada da breca!...
E como tudo na terra gira à volta de convenções, lá se convencionou que os da "esquerda" eram uns patifes, uns salafrários, enquanto os da "direita" eram uns "gajos porreiros", bonacheirões, conservadores e amantes de tudo o que é bom! Intelectuais... só na esquerda! Na direita apenas "atrasados mentais," saudosistas bolorentos, cheirando a naftalina...
A princípio, a coisa resultou. Mas depois... Depois, a velha máxima, "todos diferentes, todos iguais", tornou-se uma realidade. E tantos os patifes e salafrários da esquerda como os bonacheirões e bolorentos da direita, começaram todos a afinar pelo mesmo diapasão, e a lutar pela mesma causa... Uma causa em que, por enquanto, a bandeira ainda ostenta, no meio, um símbolo dourado do  EURO…
Costuma dizer-se que a política é a segunda mais velha profissão do mundo. Mas não acham que é muito parecida com aquela que dizem ter sido a primeira?

 

  

A GENEROSIDADE DOS QUE MENOS TÊM

A generosidade dos que menos têm

Participei, mais uma vez, como voluntário, na campanha de recolha de alimentos promovida pelo Banco Alimentar contra a Fome.
Pude, durante essas horas, confirmar e reforçar a ideia que tinha acerca da generosidade do nosso Povo!
É comovente presenciar alguns casos e é com um certo incómodo e até com uma espécie de sentimento de vergonha interior que assistimos a gestos de altruísmo de pessoas que não conseguem disfarçar a limitação dos seus recursos e que nos dão lições de solidariedade partilhando o pouco que têm com aqueles que nada possuem!
É inegável que vivemos momentos complicados. Momentos terríveis. Momentos de incertezas, de angústias, momentos de crise… Mas, apesar disso, de onde vem esta capacidade de ser solidário, este sentimento de partilha que envolve esta gente e a leva a repartir parte dos seus poucos recursos com os mais necessitados?
O que representará como privação e sacrifício para aquela velhinha o facto de abdicar de uma lata de atum, das três que comprou, e que depositou no carrinho da recolha de donativos?
E que lição tirar do gesto daquele idoso, vergado pelos anos, aparentando uma vivência pouco desafogada, entregando um pacote de arroz, e desculpar-se a seguir, como que culpado de qualquer crime cometido, por não poder dar mais?
São estes e outros exemplos que nos fazem meditar e que nos levam a concluir que, afinal, não somos aquilo que deveríamos ser e que muitas vezes, o nosso altruísmo não passa de um mero gesto de hipocrisia à intenção dos que nos rodeiam.
São estes e outros exemplos que nos mostram que não precisamos de ter muito para dar e que muitas vezes vivemos apenas para fora, aparentando qualidades e dons que não possuímos.
Não é possível ser feliz quando, ao nosso lado, estão aqueles que o não são. Todos têm direito ao bem e só a felicidade partilhada é fonte de festa e de alegria. O verdadeiro amor está no facto de dar o que se não tem. E foi isso que muitas vezes me foi mostrado, nesse dia, ao longo das horas em que fazia o meu voluntariado. Por mais anos que vivamos, a Vida está constantemente a dar-nos ensinamentos e a mostrar-nos que temos sempre muito que aprender... Extraordinários exemplos de fraternidade, de entreajuda, de entrega, de partilha e de verdadeira solidariedade!
Que belas e marcantes lições dessas gentes, deste Povo com pequenos recursos, talvez de cultura rudimentar, mas de tão grandes corações!

 

 

 

 

"PORTUGAL, HOJE ÉS NEVOEIRO"


«Portugal, hoje és nevoeiro...»
«Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer-
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Portugal, hoje, és nevoeiro...

É a hora!»

Fernando Pessoa escreveu sob o título "Nevoeiro" o poema que acabais de ler. Li-o pela primeira vez, longe da Pátria, por altura do 25 de Abril de 1974, num livro enviado por um amigo que o sublinhou com tinta verde...
Reencontrei-o agora e voltei a lê-lo. E, coisa curiosa: talvez por obra do tempo... da tinta - verde que era - apenas uma mancha baça enquadra os versos!
Parece que é sina nossa. De tempos a tempos acreditamos ainda que D. Sebastião vai chegar rodeado por uma auréola de justiça.
Porém, os tempos mudaram! Os santos também fazem greve, acabaram-se os milagres, e Portugal continua a entristecer e...
«Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.»
Portugal é um país de resistentes e estas cogitações vêm-me à memória quando penso no país que nos querem impor... O povo sente-se desprotegido face a um Estado que tudo lhe exige e nada lhe dá em troca. No Portugal profundo, no país real, no interior, instala-se a desconfiança. Confrontada com tanta impunidade e tanta injustiça, esta gente simples não confia mais nos homens do leme. A tirania dos abutres abafa o grito dos pacientes que, apesar de tudo, ainda não perderam a fé. Mas a paciência vai-se esgotando e a revolta começa já a inflamar os mais pacíficos...
«Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Portugal, hoje és nevoeiro ...»

ESQUERDA VOLVER


 Esquerda, volver!...

Há muitos, muitos anos, e embora já se não note por fora por causa da ferrugem acumulada nas dobradiças, também assentei praça.
Bons tempos, esses, os do curso de milicianos, no antigo “Lanceiros 2” na Calçada da Ajuda, em Lisboa. 
Na altura havia ainda poucos esquadrões motorizados e o de Lanceiros 2, o Esquadrão a cavalo, era uma “tropa a sério”. Quer chovesse quer fizesse sol lá íamos para Monsanto. Os exercícios eram bastante violentos, os instrutores não brincavam em serviço, e não eram nada meigos.
A malta do Quartel de Infantaria do outro lado da Calçada chamava-nos “quebrados impróprios”, porque, como diziam, quando em cima dos burros, era maior o “numerador” do que o denominador! 
Lembrei-me da frase do título, dessa “voz de comando”, a propósito da nomeação de hoje, do novo Governo, que é uma reviravolta, uma «esquerda, volver...» com tanta força e sonoridade como aquela que um dos cornetins espalhava pela “parada”, e que até fazia estremecer os vidros das velhas janelas do Quartel...
É de facto uma «esquerda, volver...» histórica, esta que começa hoje, dia 24 de Novembro de 2015!
É uma espécie de “terramoto” cujas réplicas vão ainda sentir-se por muito tempo e com intensidades muito variáveis, pois segundo as notícias, são muitas as desafinações entre o “quarteto”, o que vai dificultar a afinação da orquestra no seu conjunto. É a vida, como dizia o outro. Há mudanças de cadeiras, derrubam-se uns e entronizam-se outros!    
Mas que se desiludam aqueles que julgam ou alimentam ainda a esperança de que a “coisa” vai mudar para melhor!
Como todos sabem, quem vai governar é forte na arte de distribuir e fraco na de produzir. E para distribuir é preciso haver. E não há. Sobretudo dinheiro...
Portanto, há que trabalhar, produzir, economizar e não esbanjar. Mas será que os homens que vão governar-nos terão a noção de que o factor principal para pôr o País nos carris é o trabalho? E que para que isso aconteça, serão necessários, nos comandos, homens competentes, capazes e conhecedores da realidade? Homens íntegros, resistentes a pressões, isentos, que sirvam e não se sirvam, e cujo passado seja exemplar?
Não irão os novos governantes seguir esse maldito e já enraizado hábito político de fazer uma “varredela” a eito, uma espécie de vingança cega, e esquecer o povo, esses cidadãos anónimos que após uma vida de sacrifícios e canseiras merecem agora, no fim da caminhada, que alguém se lembre deles? E como a esperança é a última a morrer, como vaticinou Bandarra, o sapateiro: «Augurai, gentes vindouras / Que o Rei que daqui há-de-vir / Vos há-de tornar a vir / Passadas trinta tesouras / Dará fruto em tudo santo / Ninguém ousará negá-lo / O choro será regalo; / E será gostoso o pranto.»

 

             

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Papéis desbotados

Já muitas vezes vos tenho aqui falado dela, da minha velha arca. De vez em quando abro-a, remexo, folheio os papéis amarelecidos, e com as mãos também elas envelhecidas, faço uma visita ao passado.
Alguns livros por que estudei, lá estão como que a recordar esse tempo distante e diferente – uns sem capa, outros com folhas descoladas ali dormem, assistindo às modernas reformas, indiferentes ao correr do tempo misturados com papéis decrépitos, cheios de anotações e de muitas rasuras feitas com lápis de variadas cores. \Às vezes, e porque já são tantos, sinto vontade de rasgar alguns, de os queimar... Mas desisto sempre!
Eles representam os meus (já poucos) cabelos brancos, as minhas rugas, as veias salientes das minhas mãos que o tempo tingiu de castanho-escuro. Papéis amarelecidos. Fotografias desbotadas. Cartas…
«Velhas cartas…Antigas confidências…
Recordações de tudo que se quis:
Que avivam do passado as ocorrências
- E a mocidade quanta coisa diz!...

Velhas cartas… Desfile de sequências…
Devaneios que, outrora, amando, fiz,
Pois o tempo transforma em reticências
Palavra e gesto … o que me fez feliz!

Releio-as uma a uma… Que ansiedade!
Adormecido mundo que desperta,
Que me envolve no manto da saudade.

E, hoje, minha existência é tão deserta,
Que revejo o fulgor da mocidade,
Como se fosse a derradeira oferta.»
E são estes papéis sem cor – este amontoado de coisas velhas, essas sebentas rabiscadas, esse “querer” sem “crer” de outrora – que fazem com que, de vez em quando, ao sentir-me perdido e baralhado no meio de todo este turbilhão de loucuras e incertezas, me fazem subir as escadas, ir ao sótão, abrir a minha velha arca…e sonhar um pouco!
Não sou poeta, mas confesso que sou um pouco saudosista, na verdadeira acepção do termo. E as saudades são uma espécie de sonho, uma poesia abstracta... E para mim um sonho se não é poesia, é metade da realidade...