terça-feira, setembro 29, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - A minha nova casa


No meio dos cafeeiros, construí uma casa de habitação. Moderna!... Os materiais foram pedidos a Basankusu e por barco lá chegaram. E, facto curioso, a planta dessa casa, talvez porque ficasse gravada no meu subconsciente, ajudou a gizar esta que hoje habito!...
A mão-de-obra foi-me cedida pela Missão Católica de Mompono – pedreiros, carpinteiros e pintores. Formados nas suas oficinas por frades especializados – oriundos da Bélgica, da Holanda ou da Inglaterra – esses homens eram muito competentes nas respectivas especialidades. Nos alicerces já entrou o ferro e o cimento, materiais que nessa data e na aldeia, nunca tinham sido utilizados na construção.
Faço aqui uma pausa para explicar que no interior do Congo e mais especificamente em plena floresta tropical, para construir uma casa, – sempre casas térreas – não eram necessários quaisquer materiais usados nos nossos países de origem: delimitado o terreno, iniciava-se a construção. Em primeiro lugar, calcava-se bem a terra para fazer o piso. Depois, espetavam-se paus à volta da área previamente estabelecida e entre eles eram entrelaçadas folhas, amarradas com o auxílio de lianas de arbustos próprios para o efeito. Era feita a seguir uma estrutura com os mesmos paus e folhas, estrutura essa que era, posteriormente, coberta com a ramada de um arbusto que dava a ideia do colmo das nossas aldeias serranas – estava assim feito o "esqueleto" da casa... Para as divisões interiores procedia-se de igual forma como para os "muros" de fora. Seguia-se a impermeabilização ou caiação: cavava-se um buraco, punha-se água, amassava-se, e estava pronta a argamassa. Atirava-se a mistura com a mão contra o tapume e estavam feitas as paredes – uma espécie do nosso estuque antigo...
Não havia que ter preocupações a dividir a casa e tanto podia haver duas como três separações no interior. Não havia preconceitos quanto a promiscuidade e, geralmente, a cozinha, um espaço de terra com duas pedras para segurar os tachos, era o aposento mais utilizado. As portas eram construídas da mesma forma. A latrina era feita ao ar livre e resumia-se (nem sempre!..) a uma espécie de fossa árabe. Para se lavar o indígena não tem necessidade de casa de banho, utilizando os rios e os riachos e, contrariamente ao que se possa imaginar, o negro, regra geral, toma banho várias vezes ao dia!

Resumindo: a casa era feita apenas com material local. Nem um prego... ou qualquer outro objecto que fizesse lembrar a "civilização"!... Em conversas com idosos, muitos me fizeram notar que não tinham tido quaisquer vantagens na vinda dos brancos. Pelo contrário! O branco só tinha vindo para complicar...
Mais à frente explicarei, acerca disso, e por experiência própria, as razões em que se fundamentam tais afirmações...

Mas retomando o fio à meada, a minha casa do N'gongo, apesar de manter ainda um pouco da arquitectura colonial em que a varanda se impunha, fugia já ao protótipo da casa tradicional do colonizador. A cozinha e a casa de banho revestidas a azulejos e o amplo espaço com um bar a separar a sala de jantar, do salão, davam-lhe já um toque mais europeu...
Um gerador, movido por um motor a gasóleo, fornecia a energia eléctrica que utilizávamos apenas de noite. O frigorífico era ainda a petróleo, pois a potência não dava para a alimentar.
Rodeada de cafeeiros, com vários arbustos, bananeiras, goiabas e outras árvores tropicais a servir de fronteira, o "meu palácio" era como que a compensação de todo o meu trabalho e de todas as minhas privações...

Nas asas da brisa fresca da manhã vinha até nós o perfume inconfundível da flor dos cafeeiros e o bulício das manhãs tropicais com o clarão vermelho do sol nascente a fazer reluzir as folhas verdes das plantas ainda orvalhadas, é um cenário inesquecível!
Em frente da minha casa havia uma pequena plantação de palmeiras e, muitas vezes, de manhã, quando tomávamos o pequeno-almoço na varanda, bandos de macacos deliciavam-se também comendo os seus frutos.
A casa estava situada no começo da plantação de café e à tarde, depois de se ter feito a pulverização, bandos de aves coalhavam o céu em busca de insectos que fugiam dos insecticidas. Muitas vezes pegava na espingarda, carregava-a com cartuchos de escumilha e era só virar o cano para o ar e disparar sem fazer pontaria. Era uma “chuva” de bicharocos!... Depois, era só grelhá-los e estava pronta a refeição da noite!

Ao lado da casa havia um campo de ténis em terra batida que tinha construído, no qual, aos fins-de-semana, jogava com amigos, belgas, holandeses ou italianos vindos de outras plantações. Algum tempo depois, aquando dos incidentes motivados pela independência, estive em vias de ser preso, acusado de o ter construído para a aterragem de helicópteros dos “comandos belgas”!...

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