sexta-feira, setembro 25, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - A capital do Distrito - Boende


Quem vem de Coquilhatville,(hoje Mbandaka) ou mais especificamente de Ingende por uma picada no meio da floresta, depois de atravessar várias pontes de madeira tosca, tem ainda de utilizar uma jangada para atravessar o rio Tshuapa e chegar a Boende.
A vila tinha na década de 60 uma população de cerca de 10.000 habitantes e o aspecto de uma aldeia escondida na floresta. Tirando algumas vivendas de funcionários, perdidas no meio das palmeiras e os edifícios administrativos, a cidade é um aglomerado de casotas sem características definidas cercadas por renques de arbustos. Agricultores, pescadores e alguns artistas que trabalham o marfim ali se misturam e vivem em conjunto. A principal avenida, onde estão instalados os Serviços do Distrito, hoje denominada Avenida da Revolução é a única pavimentada e é ladeada por palmeiras. Do outro lado existe o bairro da Missão, um conjunto de belas casas cobertas de chapa ondulada e onde tudo é limpo, calmo e sereno. Os padres brancos ali passam uma vida retirada do mundo e propícia à meditação. Num extenso terrenos vedado com arame, bois e vacas pastam tranquilamente.

Porém, o principal encanto de Boende é o Tshuapa, um rio de águas escuras onde quase se não nota a corrente. Dir-se-ia que as águas estão adormecidas! Da margem esquerda, de noite e sobretudo quando há barcos no porto fluvial o espectáculo é maravilhoso.
Boende dispunha de um aeroporto com uma pista em terra batida onde aterravam, três dias por semana, pequenos aviões – os famosos DC3 e depois os Fokker.
Havia muitas lojas de comércio no centro, a maior parte geridas por europeus. Havia também dois supermercados mais tarde equipados com sistemas de frio onde já chegavam víveres frescos vindos de Leopoldville por avião. Uma pequena unidade hoteleira, uma padaria, uma garagem que representava a General Motors, uma fábrica de descasque de arroz, uma fábrica de descasque e torrefacção de café e várias pequenas indústrias, faziam da cidade um ponto importante do interior.
Para nos abastecermos de mantimentos e também para passear, deslocávamo-nos, algumas vezes do Ngongo a Boende, uma distância de cerca de 160 quilómetros. A estrada era em terra batida, uma picada, portanto, e a cerca de 80 quilómetros, em Samba, onde existia uma feitoria de uma outra companhia portuguesa, a Gomal, tínhamos de atravessar o rio Maringa com o carro numa jangada. Inicialmente a jangada levava apenas um carro e era movida por homens que, com remos a faziam subir a corrente e depois, a pouco e pouco, deixavam que ela descaísse, atravessasse o rio e acostasse na outra margem...
Mais tarde foi-lhe adaptado um motor e mais uma baleeira o que permitia uma travessia mais segura e rápida. Já com a cidade de Boende à vista, outra travessia era necessário fazer – a do rio Tshuapa. Aí as coisas eram mais fáceis não só pelo tamanho da jangada como pela rapidez da travessia. A jangada podia levar quatro carros e os seus dois potentes motores depressa nos punham do outro lado.

Casa do Comissário de Distrito
Estas idas a Boende constituíam uma festa quando os meus filhos atingiram a idade de 4 e 5 anos. Minha mulher preparava um lanche e ao meio do caminho parávamos para petiscar. E era sempre uma alegria para os dois petizes. Com o apetite da idade, aguçado ainda pela alegria do passeio, era um consolo vê-los comer!...
Umas vezes regressávamos no mesmo dia, outras dormíamos para o dia seguinte.
(Excertos do caderno “A minha África”

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