sexta-feira, setembro 11, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - Estradas

Como já foi dito a maior parte do transporte de mercadorias entre as feitorias e as sedes das Sociedades ou os locais de destino era feito por barco visto que os rios eram navegáveis. No entanto, havia também “estradas” ou picadas, em terra batida, algumas em muito bom estado de conservação que permitiam boas médias. Por exemplo, entre Basankusu e Mompono ou Mompono Boende, não havia problemas, muito embora tivéssemos de atravessar dois rios sobre barcaças a motor que transportavam os veículos de uma margem para a outra.
O mesmo não acontecia nas picadas do interior profundo onde, por vezes, o trânsito era problemático. Quando havia pequenos riachos, as pontes eram construídas com troncos roliços, sem qualquer adaptação, e a sua travessia era muito arriscada. Quando fazíamos viagens logo às primeiras horas da manhã e tínhamos de atravessar uma ponte, era preciso cautela e ver se o “tabuleiro” se encontrava no sítio. Muitas vezes, durante a noite, uma manada de elefantes entretinha-se a “brincar” com os troncos … e adeus ponte!...

Numa aldeia, conhecida pelo nome de Loyau, onde íamos comprar fruto da palma para a fábrica e havia várias dessas pontes eram frequentes esses percalços o que nos obrigava a ter de repor os madeiros para continuar viagem. Só uma vez, manhã cedo, fomos obrigados a parar para deixar passar “suas excelências” que, pachorrentos iam lambiscando uma folha aqui outra acolá…Nunca vi o motorista, o Eugène, bom conhecedor da floresta tropical, dos seus bichos e dos seus mistérios, dar qualquer sinal de medo perante as várias situações que tivemos de enfrentar quando fazíamos o nosso périplo, quer na compra de produtos quer no abastecimento das várias feitorias que possuíamos.
Essas viagens tornavam-se penosas no tempo das chuvas, pois havia locais que ficavam submersos durante muitos dias e era difícil se não impossível fazer essas deslocações. Recordo-me de um local, perto de Samba, em que todos os anos numa distância de um quilómetro a travessia era difícil e não havia camião que ali se não atascasse. Os indígenas de uma povoação vizinha conheciam o facto e juntavam-se ali próximo e quando um veículo se enterrava no lodo, logo apareciam a oferecerem-se para ajudar mediante o pagamento de alguns francos. Era um negócio que prosperava enquanto a estação das chuvas não terminasse…

Depois da era dos velhos camiões que tinham feito a Última Guerra e que como já disse não tinham qualquer comodidade, começaram a aparecer os da General Motors, boas máquinas, resistentes e com uma mecânica tão fácil que não havia avaria que não se resolvesse “sur place”. Um alicate, um bom bocado de arame, um pneu de reserva, um Kit de emergência com platinados, um rotor, umas velas e mais umas pecitas… e pronto, aí estava a máquina, de novo, a funcionar.
Referindo-me ainda às vias de comunicação entre os locais mais importantes – sedes de freguesia, concelho, entrepostos comerciais de grande vulto ou grandes plantações quer de borracha, óleo, cacau ou café – gostaria de acrescentar que de cinquenta em cinquenta quilómetros havia uma “gîte d’étape”que poderemos traduzir por “casa de passagem ou de descanso”.
Essa casa tinha uma cozinha rudimentar sem qualquer utensílio, uma sala com uma mesa e duas cadeiras, uma casa de banho (fossa árabe) e um chuveiro (o tal balde com um crivo). Quem ali quisesse pernoitar ou descansar podia fazê-lo. Como todos sabiam, quando era necessário dormir, levavam a roupa de cama e os apetrechos necessários para cozinhar. Pernoitei em algumas e confesso que eram para mim uma espécie de “oásis”. Depois de percorrer, debaixo de um sol abrasador, algumas centenas de quilómetros em estradas de terra batida, cansado de mais uma jornada de trabalho, uma banhoca (mesmo de balde) seguida de um belo churrasco de frango “pica no chão” regado com uma bela cerveja (mesmo quente), eram uma espécie de restaurador de forças para o dia seguinte…

Sem comentários: