sexta-feira, setembro 11, 2009

RECORDAÇÕES DE ÁFRICA - O 1.º dia na plantação




Lembro-me que no dia da minha chegada me deitei cedo, não só porque estava um pouco cansado mas também porque sabia que no dia seguinte me esperava o desconhecido, e havia que descansar para estar em forma.
Recordo que nos trópicos, às 18 horas já é de noite e às 6, o dia começa a romper...
No dia seguinte, logo às 4 da manhã assisti, com o tal senhor que ia substituir, à chamada dos "sangradores".
A chamada fazia-se da varanda da casa, à luz de um candeeiro a petróleo, um "Petromax", e ingerindo taças de café cultivado na plantação. Café fortíssimo que nos punha mesmo a mexer...
E o senhor falou: «Está feita a chamada. Agora é preciso vigiar os 280 sangradores que vão entrar na plantação. Cada equipa de 20 homens tem à frente um capataz e, por seu intermédio, é preciso saber se tudo está a correr bem...»
Entretanto entrei em casa para procurar o casque colonial que nessa altura se usava como protecção contra os raios solares. Durante muito tempo culpei tal ornamento pela queda do meu rico cabelo...
Frigorífico, apesar do calor tropical, era coisa que não existia. E no capítulo da alimentação o meu antecessor foi claro, prático e muito franco: «Quando quiser beber uma cerveja fresca ponha-a num balde com água ou então enterre-a em areia molhada... Para o resto não há necessidade, pois como tudo o que lhe disseram para comprar é enlatado, está resolvido o problema: é abrir e comer. Aliás, temos aí uma equipa de pescadores e outra de caçadores que lhe trazem constantemente peixe ou carne fresca. Nos pequenos riachos abunda o camarão de água doce que as mulheres apanham e vêm vender. É uma delícia! O sistema a seguir é o mesmo: mandar o cozinheiro preparar, e comer.
Tem também aqui no quintal muita fruta – bananas de diversas qualidades, ananases, abacaxis goiabas, laranjas, mangas, papaias, toranjas e outros frutos indígenas que os trabalhadores lhe irão trazer. Muito bons...»
Depois, mostrou um tambor de 200 litros encostado à casa e explicou: «Ali está a minha reserva de peixe. Os pescadores trazem muitos ainda vivos e eu então ponho-os naquele tambor que está com água e vou consumindo à medida que necessito... Como vê, aqui não se morre à fome. Mesmo que lhe faltem os víveres que trouxe, e não haja peixe do rio nem carne do mato, pode comprar galinhas e ovos aos indígenas... Quanto à farinha para fazer pão, aí a coisa é mais complicada. Mas também se resolve: quando não há, não se come!...»
Seguiu-se depois uma lição sobre princípios e comportamento:
«Antes de dar uma ordem, veja primeiro se ela pode ser executada. Isso é essencial. Agora no começo, é necessário mostrar e dar provas de que sabe mandar. Quando tiver dúvidas, abstenha-se. Uma desobediência de um trabalhador a uma ordem mal dada pode desacreditá-lo perante todo o resto do pessoal...
Tem aí livros em francês onde pode aprender tudo sobre o que aqui se faz: extracção e preparação da borracha; colheita e compra de fruto de palma e respectiva transformação em óleo; britagem da noz e preparação da noz e preparação do coconote; plantação, tratamento, colheita, secagem e descasque do café...
Os livros estão numa prateleira no escritório... Leia e depois com a prática, vai ver que não custa nada!...»
Vieram depois os conselhos dados por um homem com 40 anos de África, e 60 de idade, a um jovem de 24 anos, recém-chegado. E com o clima a espicaçar-lhe a carne...
«Já por lá passei, sei o que são essas necessidades, mas aqui tem que ter muito cuidado: primeiro, por causa das doenças e em seguida porque há também regras a respeitar. Mulher casada, se lá é pecado, aqui pode levar direitinho ao outro mundo...Cuidado, portanto! Há por aí muita mulher solteira. Algumas até hão-de vir oferecer-se... Colha informações primeiro. Informe-se com o cozinheiro, o velho Mbulungu. Já trabalha com brancos há muitos anos e os seus conselhos e sugestões são dignos de crédito... Não esqueça que estamos longe de médicos e de hospitais e uma blenorragia aqui não se cura facilmente...»
E tinha razão, o Sr. Machado. A confirmação veio alguns meses mais tarde. Um cidadão belga que trabalhava numa plantação próxima contraiu a doença e teve de ser evacuado de urgência, numa piroga a motor, para o Hospital inglês da leprosaria de Baringa...

1 comentário:

subtil disse...

Encontrei o seu blog, quando fiz uma pesquisa sobre portugueses que ja tinham vivido em Basa.
Fiquei deveras surpreendido de saber da grande comunidade portuguesa espalhada pelo Equateur.
Eu cheguei ha algumas semanas, estou tb numa plantacao de palmeiras, em Lisafa.

Cumprimentos,
Pedro Teixeira