sábado, fevereiro 28, 2015

EU E OS MEUS BOTÕES

 
Sempre divididos entre trabalho e paixão vamos vivendo e morrendo em cada dia que passa. Somos peças de uma engrenagem que nos arrasta e à qual não podemos escapar. À medida que o tempo passa, que o progresso transforma e que a ciência não pára de nos surpreender, pigmeus impotentes que somos, resta-nos apenas esperar e acreditar na tal réstia de sonho que há-de vir iluminar a nossa vida. A esperança é sempre a última a morrer...
Embora calejado pelos anos, nem por isso deixo de ser vulnerável às investidas da solidão, do desespero e da angústia.
É difícil, nos tempos que correm, resistir a tanta inquietação e a tantas dúvidas. A multidão que nos rodeia e cuja linguagem gira à volta de competitividade e de ganância, onde tudo é jogo e espectáculo, obriga-me muitas vezes a escolher a solidão como porto de abrigo e espaço de reflexão. Convivemos uns com os outros, cruzamo-nos na rua quase sem nos saudarmos e de rostos carrancudos, olhar perdido e pensamento absorto, lá nos vamos movimentando nesta sociedade de sorrisos de circunstância e de aparências duvidosas. E inventamos conversas. E partilhamos as nossas vidas...Mas lá bem no fundo vivemos sós, abjurando dessa maneira a nossa autenticidade pessoal.
E é por isso que, por vezes, eu sinto necessidade de me esconder, de procurar a solidão para aí construir um mundo diferente... E é quase sempre à noite que o faço. Sobretudo, quando me confesso a mim próprio e estabeleço o diálogo com o outro. Aquele outro cuja imagem, embora desfocada, me chega através dos meus netos.
E a noite, talvez porque é escura, permite fazer viagens ao passado sem que ninguém veja; permite que as lágrimas deslizem sem que sejam vistas; e permite ainda incursões até à parte mais escondida e íntima do nosso ser, onde guardamos as mais ternas e saudosas recordações!
A noite é também como que um refúgio que serve para nos libertarmos das frustrações do dia e escaparmos, ainda que por instantes, ao ramerrão dessas multidões despreocupadas e solitárias...
Depois de um longo percurso cimentado com suor e lágrimas, não é fácil equilibrar os dois pratos da balança – passado e presente – e manter o fiel no devido lugar. É que, com tanta "conquista" e com o derrube de tanta barreira e de tantos tabus, é difícil compreender tanta insatisfação, tanta exigência, tanto desapego ao trabalho, tanta irresponsabilidade e tanta falta de humanismo! Há quem diga que o passado em vez de libertar e apontar o futuro, carimba, etiqueta, ajuíza, condena. Mas também como diz o poeta, “não há machado que corte a raiz ao pensamento...»
 
 

Sem comentários: