Na carruagem-restaurante, dois velhotes
sentados face a face, tiram do bolso a mesma embalagem de remédio e dissolvem o
pó nos respectivos copos de água. Depois, olham-se como dois cúmplices, e
sorriem...
- Desculpe, mas não me diga que também
sofre da coluna!...
- É verdade. E pelo que vejo, o senhor
também.
- Exactamente. E não pode calcular o
prazer que sinto...
- Prazer? Olhe que a mim não me dá
prazer nenhum.
- Perdão! Não me referia às dores, mas
ao prazer de encontrar um colega...
- Pois foi o mesmo que pensei quando li
o rótulo da sua embalagem!
- Artrose?
- Acertou.
- Eu, bicos de papagaio...
- Também tenho. Não sente de vez em
quando uns estalidos?
- Ai que não sinto!... Se o comboio não
fizesse tanto barulho até lhos fazia ouvir.
- Eu, só p’ra médicos tem sido uma
fortuna: chapas, análises e, por fim, receitaram-me estes pós.
- Exatamente o meu caso.
- Eu só senti melhoras uma vez. Estava
deveras empenado e de tão desesperado fui a um armário que temos lá em casa,
tirei uma caixa ao acaso...
- E então?
- Durante oito dias não soube o que eram
dores. Depois, e ainda por acaso, voltei a ler a literatura e dei conta de que
o papel estava trocado e que os supositórios eram para a gripe! Não lhe conto
nada...
- Efeito psicossomático...
- Evidentemente!
- E quem sabe até se não seria a
ginástica que fez ao pôr o supositório que lhe pôs a vértebra no lugar?
- Também já pensei nisso...
- Sabe, é que às vezes um gesto, uma
posição diferente... E a propósito: para onde vai se não sou indiscreto?
- Olhe, vou fazer uma cura de lama,
porque dizem que faz muito bem...
- Tem graça. Eu também. Antigamente,
quando o meu avô Marcelino ia muitas vezes ao médico e se queixava sempre da
mesma coisa, o doutor mandava-o à merda! Agora, com todas estas modernices,
mandam-nos fazer banhos de lama...
- A coisa não dá para rir, mas apetece
dizer que nos tiraram da merda e nos meteram na lama...
- Coisas do progresso, Amigo!
Antigamente era uma pobreza franciscana: sinapismos, papas de linhaça,
ventosas, caldos de galinha... Até na morte éramos pobres! Hoje, morre-se
rico... Veja a quantidade de Euros que um cristão engole em remédios antes de
entregar a alma ao Criador!...
- É verdade... Mas está na hora de
tomarmos os nossos pozinhos...
- Tem razão. Então à sua saúde!
- E à sua também!...
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