De vez em quando sinto necessidade de me
abstrair deste rebuliço que me rodeia, do barulho do bater de asas destes
abutres, desta injusta distribuição de dinheiros públicos e de toda esta
promiscuidade que em cada dia que passa mais profundamente se entranha na nossa
sociedade.
E então refugio-me no meu sótão – esse
compartimento cada vez com menos luz, com muitas teias de aranha, muito pó e
montes de recordações desbotadas pelo tempo.
Mas faço-o sempre pé ante pé, não vá acordar
algum fantasma desses de que ainda hoje muita gente tem medo – o tal “antigamente”!
Mas sosseguem os mais ferrenhos
defensores das novas práticas de governar, pois não vou entrar por aí. Aliás e
como diz o ditado, quanto mais se mexe nela...
Hoje e talvez porque um familiar ocupou uma
dessas funções, venho falar-vos do Regedor e do cabo de ordem. Claro que muitos
dos que me lêem desconhecem completamente essas personagens, que em tempos idos
pouparam muito dinheiro às gentes dos meios rurais.
O Regedor e o seu auxiliar eram antigamente
sinónimos de poder e de respeito. Entre 1836 e 1940 foram uma espécie de
representantes da administração central junto de cada freguesia e aldeia.
Garantiam a boa aplicação das leis e dos regulamentos administrativos e
exerciam a autoridade policial no território da freguesia. Em cada povoação
havia um cabo de ordem, que era geralmente uma pessoa de boa reputação,
respeitadora e respeitada, que podia apaziguar qualquer discórdia ou
desentendido entre os habitantes.
Não havia, nessa altura, a nível de
freguesia, qualquer autoridade policial e o Regedor e os respectivos auxiliares
eram obrigados a gerir os conflitos entre os seus concidadãos. Quaisquer questões
entre os respectivos habitantes eram resolvidas por eles. Nesses tempos eram
frequentes as desavenças motivadas pelas partilhas de água de regadio e era a
esses “funcionários públicos” que competia a sua resolução. Nas festas quando
havia cenas de pancadaria o Regedor podia até proceder à detenção das pessoas
em causa até à chegada da Guarda.
Assisti ainda a alguns casos desses e
recordo-me ainda da importância e do respeito que inspiravam esses
“funcionários públicos”. Durante a II Grande Guerra o Regedor fazia também o
controlo da produção agrícola, colhendo as quantidades de cereais, vinho,
azeite, e como não havia muita comida tinha de haver racionamento e era ele que
ficava incumbido de distribuir as senhas por cada família. O Regedor e o cabo
de ordem eram figuras respeitadas que serviam o Estado sem auferirem qualquer
ordenado, trabalhavam, de facto, pro bono
e isso apesar de, por vezes, os seus serviços lhes ocuparem o tempo todo…
Evidentemente que isso era no
“antigamente” nesse tal tempo em que o dinheiro ainda não era rei, mas em que a
honestidade e a dedicação à causa pública eram a base da sociedade. Ai Tio Zé, Tio
Zé, se cá voltasses e visses estes comilões
de agora…
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