sábado, fevereiro 28, 2015

O MEU TIO ZÉ


De vez em quando sinto necessidade de me abstrair deste rebuliço que me rodeia, do barulho do bater de asas destes abutres, desta injusta distribuição de dinheiros públicos e de toda esta promiscuidade que em cada dia que passa mais profundamente se entranha na nossa sociedade.
E então refugio-me no meu sótão – esse compartimento cada vez com menos luz, com muitas teias de aranha, muito pó e montes de recordações desbotadas pelo tempo.
Mas faço-o sempre pé ante pé, não vá acordar algum fantasma desses de que ainda hoje muita gente tem medo – o tal “antigamente”!
Mas sosseguem os mais ferrenhos defensores das novas práticas de governar, pois não vou entrar por aí. Aliás e como diz o ditado, quanto mais se mexe nela...
Hoje e talvez porque um familiar ocupou uma dessas funções, venho falar-vos do Regedor e do cabo de ordem. Claro que muitos dos que me lêem desconhecem completamente essas personagens, que em tempos idos pouparam muito dinheiro às gentes dos meios rurais.
O Regedor e o seu auxiliar eram antigamente sinónimos de poder e de respeito. Entre 1836 e 1940 foram uma espécie de representantes da administração central junto de cada freguesia e aldeia. Garantiam a boa aplicação das leis e dos regulamentos administrativos e exerciam a autoridade policial no território da freguesia. Em cada povoação havia um cabo de ordem, que era geralmente uma pessoa de boa reputação, respeitadora e respeitada, que podia apaziguar qualquer discórdia ou desentendido entre os habitantes.
Não havia, nessa altura, a nível de freguesia, qualquer autoridade policial e o Regedor e os respectivos auxiliares eram obrigados a gerir os conflitos entre os seus concidadãos. Quaisquer questões entre os respectivos habitantes eram resolvidas por eles. Nesses tempos eram frequentes as desavenças motivadas pelas partilhas de água de regadio e era a esses “funcionários públicos” que competia a sua resolução. Nas festas quando havia cenas de pancadaria o Regedor podia até proceder à detenção das pessoas em causa até à chegada da Guarda.
Assisti ainda a alguns casos desses e recordo-me ainda da importância e do respeito que inspiravam esses “funcionários públicos”. Durante a II Grande Guerra o Regedor fazia também o controlo da produção agrícola, colhendo as quantidades de cereais, vinho, azeite, e como não havia muita comida tinha de haver racionamento e era ele que ficava incumbido de distribuir as senhas por cada família. O Regedor e o cabo de ordem eram figuras respeitadas que serviam o Estado sem auferirem qualquer ordenado, trabalhavam, de facto, pro bono e isso apesar de, por vezes, os seus serviços lhes ocuparem o tempo todo…
Evidentemente que isso era no “antigamente” nesse tal tempo em que o dinheiro ainda não era rei, mas em que a honestidade e a dedicação à causa pública eram a base da sociedade. Ai Tio Zé, Tio Zé, se cá voltasses e visses estes comilões de agora…
 
 
 
 

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