sábado, fevereiro 28, 2015

EU E OS MEUS BOTÕES

 
Sempre divididos entre trabalho e paixão vamos vivendo e morrendo em cada dia que passa. Somos peças de uma engrenagem que nos arrasta e à qual não podemos escapar. À medida que o tempo passa, que o progresso transforma e que a ciência não pára de nos surpreender, pigmeus impotentes que somos, resta-nos apenas esperar e acreditar na tal réstia de sonho que há-de vir iluminar a nossa vida. A esperança é sempre a última a morrer...
Embora calejado pelos anos, nem por isso deixo de ser vulnerável às investidas da solidão, do desespero e da angústia.
É difícil, nos tempos que correm, resistir a tanta inquietação e a tantas dúvidas. A multidão que nos rodeia e cuja linguagem gira à volta de competitividade e de ganância, onde tudo é jogo e espectáculo, obriga-me muitas vezes a escolher a solidão como porto de abrigo e espaço de reflexão. Convivemos uns com os outros, cruzamo-nos na rua quase sem nos saudarmos e de rostos carrancudos, olhar perdido e pensamento absorto, lá nos vamos movimentando nesta sociedade de sorrisos de circunstância e de aparências duvidosas. E inventamos conversas. E partilhamos as nossas vidas...Mas lá bem no fundo vivemos sós, abjurando dessa maneira a nossa autenticidade pessoal.
E é por isso que, por vezes, eu sinto necessidade de me esconder, de procurar a solidão para aí construir um mundo diferente... E é quase sempre à noite que o faço. Sobretudo, quando me confesso a mim próprio e estabeleço o diálogo com o outro. Aquele outro cuja imagem, embora desfocada, me chega através dos meus netos.
E a noite, talvez porque é escura, permite fazer viagens ao passado sem que ninguém veja; permite que as lágrimas deslizem sem que sejam vistas; e permite ainda incursões até à parte mais escondida e íntima do nosso ser, onde guardamos as mais ternas e saudosas recordações!
A noite é também como que um refúgio que serve para nos libertarmos das frustrações do dia e escaparmos, ainda que por instantes, ao ramerrão dessas multidões despreocupadas e solitárias...
Depois de um longo percurso cimentado com suor e lágrimas, não é fácil equilibrar os dois pratos da balança – passado e presente – e manter o fiel no devido lugar. É que, com tanta "conquista" e com o derrube de tanta barreira e de tantos tabus, é difícil compreender tanta insatisfação, tanta exigência, tanto desapego ao trabalho, tanta irresponsabilidade e tanta falta de humanismo! Há quem diga que o passado em vez de libertar e apontar o futuro, carimba, etiqueta, ajuíza, condena. Mas também como diz o poeta, “não há machado que corte a raiz ao pensamento...»
 
 

A BRIGADA DO CROQUETE


Muito se tem escrito e falado acerca de Confrarias disto, daquilo e daqueloutro, porém nada tenho lido sobre a “Brigada do Croquete”, que é também uma Instituição de cariz folclórico e relacionada com práticas pantagruélicas e libações báquicas.
Sem desprimor para as demais, esta é, no meu entender, a Instituição portuguesa mais democrática, portanto a mais popular e a mais aberta - a mais democrática porque a ela todos podem ter acesso, seja nobre ou plebeu, doutor ou analfabeto; mais popular, porque não há hierarquias, não há chefes nem vice-chefes; e a mais aberta, porque as suas mais importantes reuniões têm entrada grátis.
As “Brigadas do Croquete” existem de Norte a Sul do País e ao contrário do que acontece com outras associações do género, não são regidas por espartilhados estatutos ou quaisquer regulamentos.
No entanto isso não impede que os seus membros não cumpram determinadas regras. Por exemplo, a sua assiduidade é exemplar! 
A sua presença é mais frequente em acontecimentos de índole política, pois como sabemos, há muita gente que tem a barriga no cérebro e o Croquete desempenha um elevado poder sedutor e ao mesmo tempo anestesiante no que diz respeito à percepção instintiva da ciência política.
Assim, à mais pequena inauguração, à mais insignificante requalificação e até mesmo à reinauguração de um fontanário já inaugurado, os seus membros nunca faltam.
E mesmo quando o vento sopra do quadrante oposto, eles não falham, porque nos seus guarda-fatos há sempre fatiotas especiais a condizer com a cor da organização do acontecimento.
Os membros da “Brigada do Croquete” não são esquisitos. Em questões de paparoca eles são polivalentes - e tanto alinham no croquete como numa boa sardinhada ou numa feijoada ornamentada com fatias de porco no espeto.
Os membros da “Brigada do Croquete”, geralmente, não têm clube ou se o têm não usam emblema. Batem palmas em todos os “encontros”, porque no final são eles que ganham, pois vão comendo à custa do Orçamento e como diz o ditado,” ou comem todos ou não há moralidade”...
E por falar em moralidade, os membros da “Brigada do Croquete” não são de intrigas, pois nunca criticam nem os assuntos discutidos nem aqueles que os discutem...
E não o fazem, porque nunca ouvem patavina do que se diz durante a arenga. Uns, porque aparecem apenas na altura de dar ao dente e outros, porque estão já a pensar no croquete, na sardinhada ou no porco no espeto.
Chamem-lhes tolos...

O SEMPITERNO PROBLEMA


 
Lembro-me de que no tempo em que me começava a crescer a barba, portanto naquele tempo da dita dura (agora ela é mole!...) fazia parte, no começo da caça ao voto, a organização de grandes comezainas ou manifestações de homenagem onde se pedia aos Zés a recandidatura de venerandas figuras que, aliás, já estavam escolhidas.
Manda a verdade que vos diga que numa dessas acções preparatórias, fui também convidado e presenteado com uma viagem à cidade invicta onde um dos putativos candidatos fazia a sua campanha. Assisti a parte da arenga e tenho ainda presente a tónica dominante dos discursos inflamados que pediam esse “sacrifício “aos futuros eleitos de cujos serviços a Pátria não prescindia!
Muitas palmas, vivas a isto e àquilo e, por fim, os eternos candidatos lá aceitavam o “sacrifício” em nome dos superiores interesses da Nação e da vontade expressa por toda aquela gente que, espontaneamente viera de perto e de longe esperançada em melhores escolhas...
Nesta altura o estralejar das palmas era mais forte e prolongado, os “vivas” eram mais roucos, mais profundos, e os elogios andavam de boca em boca, qual deles o mais hipócrita.
Mas, como disse no começo, se tais práticas se passavam quando era ainda imberbe, hoje grande parte dos putativos candidatos não consegue libertar-se desses rituais
Reparem só como se repetem as mesmas manhas, as mesmas promessas, os mesmos cenários e como usam a barriga como chamariz para angariar votos e depois de toda essa fantochada, como eles aceitam esse “sacrifício” em nome do povo, da terra ou até da Pátria!
A diferença com o “antigamente” está nas benesses que auferem, desde o carro do Estado, passando pelo ordenado, pela reforma no fim de alguns mandatos, nos prémios de reintegração e nas somas astronómicas que gastam, e etc., etc.
Nas campanhas são milhares de euros na promoção da sua imagem, percorrem milhares de quilómetros nos seus carros topo de gama, organizam festas, contratam bandas, tudo isso embrulhado em promessas que jamais cumprem!
Na minha maneira de pensar classifico os políticos em três categorias: o político por ideal, o político por amor à terra e o político por interesse. Ainda segundo a minha avaliação, o político por ideal, escafedeu-se; o político por amor à terra está em vias de extinção e o político por interesse ou dinheiro, é o que mais abunda e prolifera cá no rectângulo.
Vem este meu escrito de hoje a propósito de um cartaz de 1949, data da viagem a que acima me refiro, que encontrei na minha velha arca, e que tem escrito em letra grande “ A República precisa de ti”.
Mais de meio século depois a República continua a precisar de alguém…Mas de alguém que a sirva e não se sirva dela.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
     
 

 

O MEU TIO ZÉ


De vez em quando sinto necessidade de me abstrair deste rebuliço que me rodeia, do barulho do bater de asas destes abutres, desta injusta distribuição de dinheiros públicos e de toda esta promiscuidade que em cada dia que passa mais profundamente se entranha na nossa sociedade.
E então refugio-me no meu sótão – esse compartimento cada vez com menos luz, com muitas teias de aranha, muito pó e montes de recordações desbotadas pelo tempo.
Mas faço-o sempre pé ante pé, não vá acordar algum fantasma desses de que ainda hoje muita gente tem medo – o tal “antigamente”!
Mas sosseguem os mais ferrenhos defensores das novas práticas de governar, pois não vou entrar por aí. Aliás e como diz o ditado, quanto mais se mexe nela...
Hoje e talvez porque um familiar ocupou uma dessas funções, venho falar-vos do Regedor e do cabo de ordem. Claro que muitos dos que me lêem desconhecem completamente essas personagens, que em tempos idos pouparam muito dinheiro às gentes dos meios rurais.
O Regedor e o seu auxiliar eram antigamente sinónimos de poder e de respeito. Entre 1836 e 1940 foram uma espécie de representantes da administração central junto de cada freguesia e aldeia. Garantiam a boa aplicação das leis e dos regulamentos administrativos e exerciam a autoridade policial no território da freguesia. Em cada povoação havia um cabo de ordem, que era geralmente uma pessoa de boa reputação, respeitadora e respeitada, que podia apaziguar qualquer discórdia ou desentendido entre os habitantes.
Não havia, nessa altura, a nível de freguesia, qualquer autoridade policial e o Regedor e os respectivos auxiliares eram obrigados a gerir os conflitos entre os seus concidadãos. Quaisquer questões entre os respectivos habitantes eram resolvidas por eles. Nesses tempos eram frequentes as desavenças motivadas pelas partilhas de água de regadio e era a esses “funcionários públicos” que competia a sua resolução. Nas festas quando havia cenas de pancadaria o Regedor podia até proceder à detenção das pessoas em causa até à chegada da Guarda.
Assisti ainda a alguns casos desses e recordo-me ainda da importância e do respeito que inspiravam esses “funcionários públicos”. Durante a II Grande Guerra o Regedor fazia também o controlo da produção agrícola, colhendo as quantidades de cereais, vinho, azeite, e como não havia muita comida tinha de haver racionamento e era ele que ficava incumbido de distribuir as senhas por cada família. O Regedor e o cabo de ordem eram figuras respeitadas que serviam o Estado sem auferirem qualquer ordenado, trabalhavam, de facto, pro bono e isso apesar de, por vezes, os seus serviços lhes ocuparem o tempo todo…
Evidentemente que isso era no “antigamente” nesse tal tempo em que o dinheiro ainda não era rei, mas em que a honestidade e a dedicação à causa pública eram a base da sociedade. Ai Tio Zé, Tio Zé, se cá voltasses e visses estes comilões de agora…
 
 
 
 

quarta-feira, fevereiro 11, 2015

A ESCOLA E O FUTURO

 
O futuro de um País passa, imprescindivelmente, pelas salas e recreios da Escola. É aí que começam a formar-se as pequeninas almas que amanhã constituirão os homens do futuro. A seguir aos pais é ao professor, – que ensina as primeiras letras e constrói a ponte entre a casa paterna e a Vida – que compete a difícil tarefa de edificar os pilares que permitam essa passagem. É uma profissão que não pode ser comparada com outra qualquer. Ela é uma arte, um sacerdócio! Infelizmente, assim não acontece. O desempenho do professor como formador de homens de amanhã tem vindo a degradar-se continuamente.A luta que todos os dias se trava pela obtenção de um emprego, faz com que o número de "professores amadores" seja cada vez mais elevado e a qualidade do ensino e da educação ministrados, desça em proporção.
Instruir e educar eram outrora princípios pelos quais se regiam os mestres. Hoje, se muitos seguem ainda essa norma, grande parte desconhece-a completamente. São disso frequentes e flagrantes os exemplos que se nos deparam no dia-a-dia. Aqueles que já ultrapassaram o meio século sabem bem que a instrução andava sempre de braço dado com a educação. O professor, ao mesmo tempo que instruía, educava. Quando a criança se apresentava na escola com uma educação rudimentar, desconhecendo algumas das regras do comportamento social, o professor, preparado para complementar essa lacuna, preenchia-a, ensinando-lhe esses princípios básicos conjuntamente com as primeiras letras.
Não possuo qualificação suficiente para imitir juízos sobre a justiça das reivindicações e das queixas que não cessam de ser feitas, quer por parte de educadores, quer de educandos.
Tenho no entanto uma certeza que creio ser igual à de milhares de outros cidadãos: muita coisa corre mal no que diz respeito ao sistema de educação adoptado entre nós. Dizem muitos que o novo homem, assim como as estruturas institucionais se devem moldar às exigências das Técnicas modernas e que o computador e a Internet são as ferramentas essenciais para essa nova prática. Há mesmo quem preconize que será esta última a resolver todos os problemas das famílias!...
Ninguém pode negar que a evolução da ciência e da técnica trouxeram à Sociedade grandes benefícios. Mas também ninguém pode tentar esconder que ao longo desse processo o Homem tem sido – embora com algumas excepções – desumanizado e despido da tradicional tessitura moral que lhe vestiram no berço. Daí que as Instâncias competentes devam providenciar no sentido de que o professor-máquina, não usurpe o lugar ao professor-pessoa, competente e íntegro. Só assim se poderão preservar os mais ricos valores de um Povo

segunda-feira, fevereiro 09, 2015

EM NOITE DE INSÓNIA


Em noite de insónia
Li, há muitos anos, e tantos que já me não lembro do nome do autor, que «o sono é a antecâmara da morte....» E será então por isso que os velhos dormem pouco temendo que o tal “fantasma da gadanha” que incessantemente lhes ronda a porta, os apanhe desprevenidos e os ceife no meio de algum sonho cor-de-rosa?...
Não sei. Mas, a mim, não é o medo que me sobressalta, nem o pressentimento de qualquer coisa ruim que se aproxime e me possa fazer mal. Não é nada disso, porque a lei a que temos de obedecer tem a assinatura de Deus. E basta-me essa convicção para não ter medo...
Mas durmo pouco. Talvez porque o corpo já não precisa de tantas horas de repouso. Acordo muitas vezes a horas mortas, olho o relógio, e quando a manhã ainda vem longe e o sono teima em não voltar, parece que as horas se tornam ainda mais compridas... Lá fora tudo é silêncio e quietude!
Até o relógio da torre em que outrora a maçaneta martelava o sino, e as badaladas nos iam avisando da passagem do tempo, está agora calado, emudecido, porque na sociedade moderna a lei a isso obriga. São noites de insónia, de angústia, de temores.
De vez em quando, no sossego nocturno, até os estalidos da madeira dos móveis, lembram alguém que bate à porta, que quer entrar, que quer fugir da noite. Também a brisa fria que sopra lá fora, faz rodopiar as folhas que se deslocam, e cujo barulho se assemelha a passos de gente que se aproxima. E imagino a escuridão misteriosa e imprevisível. Ao longe, o uivo de um cão traz de volta crendices e medos de infância...
E é nessa espera infindável que invejo os santos! Invejo-os, porque no seu isolamento, todos os medos se diluem, e os altares servem de cama, pois é lá que adormecem as almas que estão em paz com Deus.
Noites longas, infindáveis, silenciosas...
Porém, quando esses silêncios trazem consigo recordações, então, de olhos fechados, deixo-me levar nas asas do pensamento. E como o sonho alimenta o gosto pela vida, ando às voltas dentro de mim, percorro caminhos já percorridos, visito locais já visitados, recordo, volto atrás, vou ao sótão, revolvo montanhas de pó, sempre na esperança de encurtar as horas. E continuo rodando pelos caminhos da vida, ora subindo, ora descendo, ajudado por um sorriso ou travado por um lamento.
De repente, no silêncio da noite, um galo cantou... Abro os olhos e por uma frincha da persiana, o espreguiçar da manhã anuncia-se por um fio de luz que beija a renda do lençol. Acabou-se a noite. Mais um dia...
Não obstante os defeitos que me pesam na alma e os pecados que antes de me penitenciar envenenam os dias de angústia, cada amanhecer reforça mais a minha fé, e faz de mim um homem verdadeiramente feliz!


EM NOITE DE INSÓNIA


Em noite de insónia
Li, há muitos anos, e tantos que já me não lembro do nome do autor, que «o sono é a antecâmara da morte....» E será então por isso que os velhos dormem pouco temendo que o tal “fantasma da gadanha” que incessantemente lhes ronda a porta, os apanhe desprevenidos e os ceife no meio de algum sonho cor-de-rosa?...
Não sei. Mas, a mim, não é o medo que me sobressalta, nem o pressentimento de qualquer coisa ruim que se aproxime e me possa fazer mal. Não é nada disso, porque a lei a que temos de obedecer tem a assinatura de Deus. E basta-me essa convicção para não ter medo...
Mas durmo pouco. Talvez porque o corpo já não precisa de tantas horas de repouso. Acordo muitas vezes a horas mortas, olho o relógio, e quando a manhã ainda vem longe e o sono teima em não voltar, parece que as horas se tornam ainda mais compridas... Lá fora tudo é silêncio e quietude!
Até o relógio da torre em que outrora a maçaneta martelava o sino, e as badaladas nos iam avisando da passagem do tempo, está agora calado, emudecido, porque na sociedade moderna a lei a isso obriga. São noites de insónia, de angústia, de temores.
De vez em quando, no sossego nocturno, até os estalidos da madeira dos móveis, lembram alguém que bate à porta, que quer entrar, que quer fugir da noite. Também a brisa fria que sopra lá fora, faz rodopiar as folhas que se deslocam, e cujo barulho se assemelha a passos de gente que se aproxima. E imagino a escuridão misteriosa e imprevisível. Ao longe, o uivo de um cão traz de volta crendices e medos de infância...
E é nessa espera infindável que invejo os santos! Invejo-os, porque no seu isolamento, todos os medos se diluem, e os altares servem de cama, pois é lá que adormecem as almas que estão em paz com Deus.
Noites longas, infindáveis, silenciosas...
Porém, quando esses silêncios trazem consigo recordações, então, de olhos fechados, deixo-me levar nas asas do pensamento. E como o sonho alimenta o gosto pela vida, ando às voltas dentro de mim, percorro caminhos já percorridos, visito locais já visitados, recordo, volto atrás, vou ao sótão, revolvo montanhas de pó, sempre na esperança de encurtar as horas. E continuo rodando pelos caminhos da vida, ora subindo, ora descendo, ajudado por um sorriso ou travado por um lamento.
De repente, no silêncio da noite, um galo cantou... Abro os olhos e por uma frincha da persiana, o espreguiçar da manhã anuncia-se por um fio de luz que beija a renda do lençol. Acabou-se a noite. Mais um dia...
Não obstante os defeitos que me pesam na alma e os pecados que antes de me penitenciar envenenam os dias de angústia, cada amanhecer reforça mais a minha fé, e faz de mim um homem verdadeiramente feliz!


VELHO?.... NÃO!...


Chegou-me pelo correio uma carta sem remetente e sem qualquer outra indicação. Em reforço, um telefonema anónimo indicando que uma cópia tinha sido enviada para a Redacção. Dentro do sobrescrito, apenas uns versos. Sem autor e sem data. Tenho por hábito e princípio dar um único destino às cartas anónimas – o cesto dos papéis.
No entanto, hoje, vou abrir uma excepção, e vou publicar o seu conteúdo. Por dois motivos. O primeiro relaciona-se com o facto de, ao publicá-lo, levar o seu autor a reivindicar a posse; o segundo  tem a ver com uma questão de identificação: se eu fosse poeta diria exactamente a mesma coisa. É o que penso e o que sinto. Sou eu a falar. É o meu pensamento vestido de letras…

«Não! Eu nunca serei um velho.
Por tudo aquilo que sinto,
E quando me vejo ao espelho,
Ele me diz que não minto.

Podem dizer: Que vaidoso!
Natural, a idade avança,
Acontece, quando o idoso
Se torna outra vez criança…

Não, não é gabarolice,
É forte disposição,
Pois não pode haver velhice,
Quando há paz no coração.

Vou saboreando este gosto,
Serenamente, com calma,
Conservando no meu rosto,
Esta paz que me vai na alma.

Quando a vida estiver finda,
Já dentro do meu caixão,
Eu direi sempre, sempre e ainda,
Morto, sim, mas velho, NÃO!...»

O título desta minha crónica de hoje foi roubado. Não o fiz deliberadamente e estou pronto a devolvê-lo a quem o escreveu. Mas por tão bem e por tão fielmente ter traduzido os meus sentimentos, e apesar de anónimo, para o autor, o meu bem-haja!



PREPOTÊNCIA E INFALIBILIDADE



Um dos traços de personalidade que sempre odiei e que está na minha lista-negra é a prepotência.
Tive sempre muita dificuldade em conviver ou trabalhar com pessoas prepotentes, mas infelizmente o que mais se vê por aí nestes tempos, são esses exemplares presunçosos, egoístas e geralmente mal formados.
O principal problema da prepotência é que ela parte de um princípio absolutamente improvável.
O prepotente julga-se sempre o mais apto, o melhor, o mais capacitado, o mais conhecedor seja qual for a área em que exerce a sua influência. Muitos deles conseguem até ser “mais” e “melhores” em várias áreas simultaneamente!
E isso é o que mais revolta me causa!
Um dos postulados mais básicos da filosofia já diz que, quanto mais se sabe, mais se sabe que não se sabe nada ou, dito de outra maneira, quanto mais conhecimento se adquire, mais se tem a noção de que ainda se tem muito que aprender.
Ultimamente tenho percebido que uma segunda característica da prepotência é tão ou mais danosa do que essa condição de “sabe-tudo”. É a infalibilidade. Os prepotentes acreditam que são infalíveis.
Eles nunca erram. Ou, se erram, nunca é culpa deles. E tenho notado que essa característica nem sempre vem acompanhada do tradicional “sabe-tudo” da prepotência.
Devo ter sido educado de forma errada mas, para mim, errar faz parte do processo de aprender.
Nenhuma criança começa a caminhar quando completa 9 meses de idade.
Tudo isso faz parte de um processo: a criança começa por gatinhar, por dar quedas, por se levantar, manter-se uns instantes de pé e só depois de algum tempo consegue manter o equilíbrio e, finalmente atingir o modo normal da locomoção.
Durante a minha já longa caminhada tenho notado que aqueles que querem aprender a correr depressa subestimando a marcha do companheiro do lado, geralmente acabam, de facto, por chegar primeiro, mas enchem-se de tanta sapiência e imprimem tanta velocidade aos seus passos que, terminam o “percurso” sozinhos, sem amigos que os aplaudam.  

Aprender a ser um cidadão de corpo inteiro é um processo contínuo de crescimento. E esse crescimento deve ser acompanhado de muita compreensão, de muito respeito pelos outros e sobretudo de muita humildade.
Prepotência e Infalibilidade


Um dos traços de personalidade que sempre odiei e que está na minha lista-negra é a prepotência.
Tive sempre muita dificuldade em conviver ou trabalhar com pessoas prepotentes, mas infelizmente o que mais se vê por aí nestes tempos, são esses exemplares presunçosos, egoístas e geralmente mal formados.
O principal problema da prepotência é que ela parte de um princípio absolutamente improvável.
O prepotente julga-se sempre o mais apto, o melhor, o mais capacitado, o mais conhecedor seja qual for a área em que exerce a sua influência. Muitos deles conseguem até ser “mais” e “melhores” em várias áreas simultaneamente!
E isso é o que mais revolta me causa!
Um dos postulados mais básicos da filosofia já diz que, quanto mais se sabe, mais se sabe que não se sabe nada ou, dito de outra maneira, quanto mais conhecimento se adquire, mais se tem a noção de que ainda se tem muito que aprender.
Ultimamente tenho percebido que uma segunda característica da prepotência é tão ou mais danosa do que essa condição de “sabe-tudo”. É a infalibilidade. Os prepotentes acreditam que são infalíveis.
Eles nunca erram. Ou, se erram, nunca é culpa deles. E tenho notado que essa característica nem sempre vem acompanhada do tradicional “sabe-tudo” da prepotência.
Devo ter sido educado de forma errada mas, para mim, errar faz parte do processo de aprender.
Nenhuma criança começa a caminhar quando completa 9 meses de idade.
Tudo isso faz parte de um processo: a criança começa por gatinhar, por dar quedas, por se levantar, manter-se uns instantes de pé e só depois de algum tempo consegue manter o equilíbrio e, finalmente atingir o modo normal da locomoção.
Durante a minha já longa caminhada tenho notado que aqueles que querem aprender a correr depressa subestimando a marcha do companheiro do lado, geralmente acabam, de facto, por chegar primeiro, mas enchem-se de tanta sapiência e imprimem tanta velocidade aos seus passos que, terminam o “percurso” sozinhos, sem amigos que os aplaudam.  

Aprender a ser um cidadão de corpo inteiro é um processo contínuo de crescimento. E esse crescimento deve ser acompanhado de muita compreensão, de muito respeito pelos outros e sobretudo de muita humildade.

ENVELHECER A SORRIR



Na carruagem-restaurante, dois velhotes sentados face a face, tiram do bolso a mesma embalagem de remédio e dissolvem o pó nos respectivos copos de água. Depois, olham-se como dois cúmplices, e sorriem...
- Desculpe, mas não me diga que também sofre da coluna!...
- É verdade. E pelo que vejo, o senhor também.                   
- Exactamente. E não pode calcular o prazer que sinto...             
- Prazer? Olhe que a mim não me dá prazer nenhum.
- Perdão! Não me referia às dores, mas ao prazer de encontrar um colega...
- Pois foi o mesmo que pensei quando li o rótulo da sua embalagem!
- Artrose?                
- Acertou.
- Eu, bicos de papagaio...         
- Também tenho. Não sente de vez em quando uns estalidos?                           
- Ai que não sinto!... Se o comboio não fizesse tanto barulho até lhos fazia ouvir.        
- Eu, só p’ra médicos tem sido uma fortuna: chapas, análises e, por fim, receitaram-me estes pós.                           
- Exatamente o meu caso.                       
- Eu só senti melhoras uma vez. Estava deveras empenado e de tão desesperado fui a um armário que temos lá em casa, tirei uma caixa ao acaso... 
- E então?              
- Durante oito dias não soube o que eram dores. Depois, e ainda por acaso, voltei a ler a literatura e dei conta de que o papel estava trocado e que os supositórios eram para a gripe! Não lhe conto nada...                        
- Efeito psicossomático...                    
- Evidentemente!                        
- E quem sabe até se não seria a ginástica que fez ao pôr o supositório que lhe pôs a vértebra no lugar?                                   
- Também já pensei nisso...                                       
- Sabe, é que às vezes um gesto, uma posição diferente... E a propósito: para onde vai se não sou indiscreto?                                
- Olhe, vou fazer uma cura de lama, porque dizem que faz muito bem...              
- Tem graça. Eu também. Antigamente, quando o meu avô Marcelino ia muitas vezes ao médico e se queixava sempre da mesma coisa, o doutor mandava-o à merda! Agora, com todas estas modernices, mandam-nos fazer banhos de lama...                   
- A coisa não dá para rir, mas apetece dizer que nos tiraram da merda e nos meteram na lama...                                
- Coisas do progresso, Amigo! Antigamente era uma pobreza franciscana: sinapismos, papas de linhaça, ventosas, caldos de galinha... Até na morte éramos pobres! Hoje, morre-se rico... Veja a quantidade de Euros que um cristão engole em remédios antes de entregar a alma ao Criador!...                                  
- É verdade... Mas está na hora de tomarmos os nossos pozinhos...                                    
- Tem razão. Então à sua saúde!                  
- E à sua também!...


sexta-feira, fevereiro 06, 2015

À LAREIRA - A AULA DE PORTUGUÊS

À LAREIRA…
 A aula de português
Sem saber como nem porquê, dei comigo sentado numa cadeira da última fila de uma sala de aulas. Era uma Escola Secundária e a disciplina que estava a ser ministrada era a língua portuguesa.  
O "sôtor" não tinha nada daqueles mestres do meu tempo que eram assim mais "pesados" na idade e mais escrupulosos no vestir. Este vestia calça de ganga, e oficiava em mangas de camisa. Por falta de um botão, via-se um peito cabeludo onde luzia um fio prateado, na extremidade do qual baloiçava um berloque. Calçava sapatos de ténis que deviam ter nascido brancos mas que agora, a idade ou os maus tratos, tinham transformado num arco-íris rastejante....
Constava que a sua especialidade era a agricultura, pois possuía uma licenciatura num desses novos cursos, - Ciências Agrárias, se não estou em erro - mas em face da crise nesse sector, virou-se para o ensino e lá conseguiu umas aulas...de português!...
"Como já por várias vezes tenho afirmado - começou ele dirigindo-se à turma - quanto a mim, para que o aproveitamento na disciplina de português seja o desejado, devemos acabar com a ortografia. Acabando com ela, suprimem-se os erros ortográficos..."
Raciocínio sem contestação possível, pois se cortarmos o pescoço a qualquer fulano, ele não sofrerá mais de dores de cabeça, pensei eu cá p'ra mim.
"Os pequenos - continuou - não gostam de português, porque a maior parte das palavras não se escrevem como se pronunciam, ou se pronunciam de maneira diferente da que se escreve..."
Raciocínio foneticamente muito discutível, mas que deixei passar.
"A ortografia - insistiu - porque só uns tantos a praticam, é um elemento de segregação social. É até uma forma, camuflada, de racismo! Por isso, não só contribui para o empobrecimento cultural, pelo tempo que rouba e pelos sentimentos xenófobos que desperta, como também é responsável pelo enfraquecimento do espírito, tendo em conta o esforço que exige..."
Raciocínio de cariz político-partidário, que fingi não perceber. 
"Porque - continuou, já vermelho e a transpirar - a ortografia é nos nossos dias uma coisa arcaica; cheira a mofo e não tem cabimento numa sociedade de tecnologias avançadas. Vivemos quase meio século no cárcere do obscurantismo. Há mais de quatro décadas que dele nos libertaram!... Então por que esperamos para deitar no lixo as grilhetas que ainda nos prendem a esse passado, (que eu nem sequer conheci!...) mas que dizem ter sido sinistro e castrante, indolente e conservador?!..."
E foi então que me levantei para protestar. E desmenti com toda a força tão ilustre "pedagogo", explicando que no "tal passado que ele nem sequer tinha conhecido", a maior parte daqueles que faziam a quarta classe ficava a saber escrever correctamente o português. Sem erros ortográficos!
E fui posto na rua...
Que raio de sonho! Ou estaria eu a sonhar acordado?!...
 

AOS MEUS AMIGOS

 Por que escrevo
Ecrire, c’est une façon de parler sans être interrompu
Jules Renard
 Há dias em que quase somos submersos pelas vagas da nossa própria frustração. Sofremos ao remexer os arquivos da memória, e sofremos também quando imaginamos que o mundo e a vida poderiam ser de outra maneira. Dificilmente conseguimos fugir e tirar a máscara com que iludimos uma felicidade inatingível!
E é nesses momentos que eu sinto necessidade espiritual de me confessar, de confidenciar ao papel todas as minhas mágoas, as minhas angústias e a minha revolta por tantos silêncios e tantos sonhos que não consegui concretizar.
É a maneira de afastar para longe tudo o que a vida me negou, e é, também, simultaneamente, um hino em louvor do que ela me concedeu em troca. É assim como que uma mistura de lágrimas e sorrisos!
De lágrimas que foram secando com o passar dos anos e de sorrisos que nunca me abandonaram porque se apoiaram sempre nessa grande força interior, que é a Fé consubstanciada na satisfação de ter conseguido ultrapassar e vencer só, e sem desânimo, os obstáculos que a vida foi colocando no meu caminho. Por isso, escrever, é para mim como que uma confissão a sós – sem padre, mas com a presença invisível de Deus.
É uma espécie de diálogo sem vozes, em que a mesma personagem representa dois interlocutores, distantes no tempo, mas que durante anos, caminharam sempre lado a lado, acalentando os mesmos projectos, as mesmas ambições, os mesmos sofrimentos e também cultivando sempre as mesmas esperanças.
Como dizia há dias, neste turbilhão de ambiguidades e egoísmos, as pessoas estão de tal maneira acorrentadas com as grilhetas de que a sociedade actual se serve para as escravizar, que é cada vez mais difícil encontrar alguém com quem se possa manter uma conversa cujo assunto não seja relacionado com toda esta podridão e falta de dignidade que nos rodeia.
A moral do passado, odiosa, reaccionária, paternalista e castradora, foi enterrada. Porém, a outra moral, a nova, a boa, a ideal, a verdadeira, onde está?!... Talvez a resposta se encontre nos milhões ganhos à custa alheia e depositados em muita conta bancária. Não estou a dar lições nem tão pouco a desempenhar funções de moralizador de massas. Quem sou eu para o fazer!...
Eu estou apenas a falar baixinho. Só para mim. E porque em todos os dias morremos um pouco, escrevendo, eu vou aproveitando todos esses momentos, transformando cada um deles, num hino de louvor à vida.
Quando escrevo, vou sorvendo gulosamente todos os minutos desta passagem – desta vida que nos desgasta com os seus encantos e desencantos. Quando escrevo, encontro-me com o paradoxo que sou e com o outro eu da minha alma.
Escrevinhador de barba e cabelos brancos escrevo também para resistir à marginalização e não deixar morrer a criança da alma, a alegria de viver, a espontaneidade do sorriso e a fé que sempre me alumiaram.
Escreve-se a vida, as gentes, os tempos, mas o acto de escrever é sempre um acto solitário, sobretudo quando não nos movem interesses escondidos nem vinganças alheias e em que apenas denunciamos injustiças, lutando mais pelos outros do que por nós próprios. Neste tempo em que apenas se ouve a voz da conveniência, denunciar as injustiças é também como que rezar a Deus para que ponha cobro a tanta desumanidade.
Escrever é, em resumo, uma espécie de reflexão interior – uma renovação da chama da esperança e um regresso à inocência e à alegria da criança que tento conservar sempre viva dentro de mim.