domingo, agosto 30, 2009
MARCAS
No interior daqueles que chegaram a homens sem nunca terem sido meninos, há marcas do passado que jamais se diluirão e que acabam, mais tarde, por servir de lenitivo, de compensação e até de refúgio, sejam quais forem os sobressaltos e os desencontros das nossas vidas. Por mais que queiramos não conseguimos nunca apagar esses traços, essas pegadas que marcaram o começo da nossa existência.
Há sempre um episódio que perdura eternamente – uma vontade insatisfeita, uma aspiração que realizámos, um castigo injusto, uma paixão infantil, um sonho que se desfez e muitas esperanças também!
E é quando a caminhada já vai longa, quando a intensidade das paixões diminuiu, quando as horas deixaram de nos escravizar e as modernas encruzilhadas da vida nos confundem, é então que procuramos o tal refúgio. E nele reflectimos, meditamos, analisamos e, quase sem querer, voltamos atrás e recordamos...
E é nesses momentos mágicos, quando o silêncio impera e refreia o pensamento, que a imaginação, à rédea solta, viaja no tempo, segue as pegadas e perde-se no sótão poeirento das nossas memórias...
Mas nem sempre o reencontro com o passado é pacífico. A vida não volta à infância e muitas vezes as lutas que interiormente travamos por querermos adaptar a aiveca do arado à moderna charrua do tractor, só nos trazem desgostos e frustrações. São lutas inglórias...
É que a diferença entre os marcos de pedra do passado e as balizas electrónicas do presente é abismal. Incomensurável!...
Protagonista dessas pelejas, muitas vezes, mesmo antes de começar, deponho as armas, tão diferentes se me afiguram os métodos do combate e as armas do "inimigo"!
Ademais, não se pode parar o tempo. Temos de viver uns com os outros e é difícil escapar às atmosferas sociais do tempo que passa. Sem renunciar ao passado, tento ser homem do presente. Mas sempre com a aldeia de antigamente a pular-me no coração. Aquela aldeia de olhos postos em Deus, em que se fechava um negócio com um aperto de mão e uma palavra de honra. Foi nesse mundo que me fiz homem, que aprendi a partilhar, que aprendi a cumprir a doutrina da solidariedade, do respeito mútuo, da lei da honra. Ali interiorizei para sempre o valor da amizade e a cultura dos princípios da moral sem necessidade de folhear volumosos livros nem estudar complicados tratados de filosofia política ou outra.
Diz-se que a maior parte dos velhos vive de recordações. É natural que assim seja, pois quando já não se pode conservar a alegria da infância e a embarcação começa a desmantelar-se de tanta tempestade ter enfrentado, há que construir outra... Uma espécie de jangada feita com os pedaços mais resistentes que escaparam do naufrágio e vogam ao sabor das ondas traiçoeiras deste mar imenso que é a vida.
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