sábado, dezembro 29, 2007
Fiquei triste, minha senhora!...
(Texto escrito e publicado em 16 de Julho de 2004)
A recente decisão do senhor Presidente da República de não convocar eleições antecipadas, para além do terramoto político que provocou, permitiu também que ficássemos com uma ideia, ainda que pálida, de algumas personalidades que gravitam nas altas esferas da vida política portuguesa.
Poderia citar várias, mas a que mais surpresa me causou pelo chorrilho de impropérios e pela agressividade como criticou o mais alto Magistrado da Nação, foi, sem dúvida a secretária nacional do PS, Ana Gomes.
Talvez pela maneira como desde pequeno me ensinaram e depois me habituei a admirar e louvar a sensibilidade feminina, confesso que me constrangeu ainda mais a maneira desbocada (perdoem o termo) como proferiu aquelas palavras à intenção do Presidente da Republica.
Daqueles olhos que eu vi há anos verter lágrimas de alegria aquando do processo da independência de Timor, brotaram agora autênticas chispas de raiva e de ódio não contidos.
Fiquei triste, minha senhora!...
Fiquei triste por ser obrigado a substituir aquela sua patriótica, afável, enérgica e humana imagem que guardava dentro de mim, por esta outra de agora – olhar desvairado, cara deformada pelo rancor e boca sequiosa de vingança.
Nas derrotas, e para os que não sabem perder, o orgulho pessoal e a convicção de superioridade, cerra-lhe os olhos e faz com que percam a noção de uma das mais nobres virtudes dos seres humanos – a humildade!
Ser humilde, saber enfrentar as contrariedades da vida, além de virtude é também uma característica das grandes personalidades. E eu sempre pensei que a senhora pertencia ao número delas. Mas enganei-me…
Quando a ideologia e o sereno juízo dos factos são substituídos por reacções puramente afectivas, facciosas e intolerantes, perde-se por completo a noção das coisas. E foi o que aconteceu…
Lá bem no fundo, e passada que foi a vaga de revolta que lhe tolheu o discernimento, deve ter reconhecido, minha senhora, que a sua atitude e o seu comportamento, não foram, minimamente, compatíveis com o lugar que ocupa.
Um democrata verdadeiro nunca perde o norte, quer quando a frustração lhe bate à porta quer quando a sorte lhe entra pela janela…
Fiquei triste, minha senhora!...
Fiquei triste, porque – e repito-me – dos olhos que vi brotar lágrimas de alegria, e da boca que ouvi palavras de grande elevação patriótica, vi agora sair fulminantes faíscas de ódio e palavras arrogantes, rancorosas, impregnadas de prepotência e de má educação…
Vaticínios
No fim de mais um ano que não nos deixa boas recordações, e no começo de outro que segundo já predizem os oráculos não vai ser nada melhor, não sei, francamente, o que hoje vos hei-de dizer quanto à maneira como se irá comportar o figurão que aí vem – o 2008…
Para já, e sem que isso constitua desrespeito ou concorrência desleal para com os nossos astrólogos oficiais, eu aventurar-me-ia a prever para 2008 um ano decisivo, isto é, um ano do “ vai ou racha”.
Dito por outras palavras: ou os nossos políticos começam a fazer uma espécie de recruta no país profundo para conhecer as suas verdadeiras necessidades dando, ao mesmo tempo, exemplos de trabalho aos indígenas ou então continuaremos na mesma cegarrega e arriscamo-nos a ser incorporados no país vizinho, como aliás, já o vaticinou o nosso Nobel.
Em qualquer dos casos, quer chova quer faça sol, os mandantes, esses, estão-se nas tintas. Quer a coisa vá bem quer não, nada perdem, porque há sempre dinheiro para eles. E por mais perigosas que sejam as suas piruetas no trapézio da governação, há sempre por baixo a rede do Zé que em caso de queda os catapulta para outros trampolins.
«É a vida! …» Como costumava dizer um dos nossos ex-mandantes, o tal das “paixões” que se escapuliu e se despediu à la française, mas que hoje está bem na dita cuja!
Mas foi sempre assim. Não julguem que por agora termos auto-estradas com portagens, “metro”, TV por cabo, telemóveis da 4.ª geração, Internet, brevemente TGV, um aeroporto ainda sem lugar certo, que as coisas mudaram!... Ora leiam, (mudem apenas as datas) o que escreveu em finais do século dezoito o nosso Fialho de Almeida:
«Na ratoeira do tempo ainda ignobilmente está a agonizar 1889, e já ao faro do queijo, o ratinho de 90 se prepara a esfuziar pela portinhola do cárcere, a sua cabeça aguda e chata de roedor. (…) - «Ele aí vem 1890!... Com o mesmo parlamento a esbarrondar de intrigas e ambiciúnculas corriqueiras, a mesma bobagem turva nas cumeeiras do Estado; a mesma inanidade nos tipos, a mesma falta da iniciativa nos caracteres, e esterilidade idêntica nos ventres das mulheres, nos cérebros dos homens, e na cornucópia sôfrega dos argentários. 1890, é mais um acto desta farsada da vida em que os homens se entrechocam como Polichinelos, sem o respeito que salvou a geração dos nossos Avós, e sem o desprezo que foi longos anos a grande força cívica dos nossos Pais. – Rato de esgoto passa depressa, e livra-nos de ti…»
Por isso, percam as esperanças os ingénuos, os que ainda acreditam nas palavras de políticos. De nada vale escrever, falar, barafustar, praguejar ou reivindicar. Eles não nos ouvem. Ergam as mãos ao Céu – aqueles que, como eu, acreditam – e peçam a Deus muita saúde, paz e alegria, porque cá em baixo ninguém nos ouve.
Feliz Natal
Feliz Natal
Neste mundo apressado e frenético em que vivemos, só as crianças, na sua inocência e simplicidade e com a pureza que brota dos seus corações, continuam a transmitir a mensagem de esperança, de solidariedade, de paz e de amor que há mais de dois mil anos, esse Menino veio trazer ao Mundo.
Os homens, numa luta contínua e ambiciosa, – primeiro na terra, depois nos mares, nos ares e agora nos espaços interplanetários, pouco a pouco, se foram esquecendo de si próprios.
E por mais paradoxal que isso pareça, quanto mais o homem avança e mais descobre, mais ele se apaga e mais a sua imagem original se desvanece nessa corrida vertiginosa que a vida lhe impõe. Preso na automatização que criou, ele tende cada vez mais a transformar-se numa simples peça de uma engrenagem maldita, da qual jamais poderá libertar-se.
Dei comigo a pensar em tudo isto num hipermercado rodeado pela multidão frenética, apressada e eufórica que por entre atraentes brinquedos, inúmeras iguarias, e tentadoras embalagens de prendas, se acotovelava ao som do "Jingle Bell" facturado em jeito de rock e lançado pelos alto-falantes espalhados por todos os cantos.
Um outro mundo, esse!... Um mundo mágico e fantasmagórico, tornado ainda mais quimérico e irreal pelo piscar intermitente de miríades de luzinhas coloridas. À música, juntava-se a algaraviada daquele formigueiro que, em longas filas, carrinhos a abarrotar, esperava a sua vez. Novos, menos novos e muitas crianças – um ror de gente!
Comparações com o Natal da minha infância? Impossíveis... Nem parecenças com aquele Natal tranquilo, quase sem brinquedos! Uma noite diferente envolta no perfume da resina das pinhas a aquecer junto à lareira para extrair os pinhões; os estalidos do troco que ardia; as panelas de ferro de três pés onde, conjuntamente, coziam as batatas, as couves e o bacalhau para a ceia; as filhós de farinha de trigo que minha Mãe tão bem fazia... e que tão bem sabiam lambuzadas com o mel das nossas colmeias!...
E o presépio, na velha capela, revestido com heras e musgo onde um menino gorducho, de faces rosadas, com um dos dedos do pé já partido, parecia sorrir? E a Missa, e depois a fila para beijar o Menino; e as ofertas que se depositavam num açafate de vime; e os cânticos, ainda sem instrumentos musicais; e depois o regresso a casa, agasalhados nas samarras, nas capuchas de burel ou nos xailes de merino? E aquele matraquear dos socos e dos tamancos nos degraus luzidios da escadaria de loisa...
Mas tudo mudou!... No entanto, e porque o Natal «é a festa de uma criança que acabou de nascer», ela pressupõe sempre um recomeço que muitas vezes é um reviver do passado. Um encontro com o presente. Com muitos sonhos à mistura. E muitas recordações. Nunca ouviram dizer que os velhos passam o tempo a recordar?!...
Um santo e feliz Natal para vós todos.
quarta-feira, dezembro 26, 2007
Peadelos
Pesadelos
Sem saber como nem porquê, dei comigo sentado numa cadeira da última fila da sala de aulas da minha neta mais nova…
O "sôtor" não tinha nada daqueles mestres do meu tempo que eram assim mais "pesadotes" na idade e mais escrupulosos no vestir. Este vestia calça de ganga, e oficiava em mangas de camisa. Por falta de um botão, via-se um peito cabeludo onde luzia um fio prateado, na extremidade do qual baloiçava um berloque. Calçava sapatos de ténis que deviam ter nascido brancos, mas que, agora, a idade ou os maus tratos, tinham transformado num arco-íris rastejante. Mas era, na linguagem da minha neta, um professor porreiraço...
Constava que a sua especialidade era a Agricultura, pois possuía uma licenciatura num desses novos cursos, – Ciências Agrárias, se não estou em erro – mas em face da crise nesse sector, virou-se para o ensino e lá conseguiu umas aulas...de português!...
Estava eu nestas conjecturas quando o mestre começou a aula:
«Como já por várias vezes tenho afirmado – começou ele dirigindo-se à turma – quanto a mim, para que o aproveitamento na disciplina de português seja o desejado, devemos acabar com essa parte da gramática a que chamam ortografia. Acabando com ela, suprimem-se os erros ortográficos..."
Engoli em seco, mas achei uma certa lógica no raciocínio, pois se cortarmos o pescoço a qualquer fulano, ele não sofrerá mais de dores de cabeça pensei eu cá p'ra mim.
"Os pequenos – continuou – não gostam da disciplina de português, porque a maior parte das palavras não se escrevem como se pronunciam, ou se pronunciam de maneira diferente da que se escrevem..."
Raciocínio foneticamente muito discutível, mas que deixei passar…
"A ortografia – insistiu – porque só uns tantos a praticam, é um elemento de segregação social. É até uma forma, camuflada, de racismo! Por isso, não só contribui para o empobrecimento cultural, pelo tempo que rouba e pelos sentimentos xenófobos que desperta, como também é responsável pelo enfraquecimento do espírito, tendo em conta o esforço que exige..."
Raciocínio de cariz político-partidário, que fingi não perceber…
"Porque – continuou, já vermelho e a transpirar – a ortografia é, nos nossos dias, uma coisa arcaica que cheira a mofo e não tem cabimento numa sociedade de tecnologias avançadas. Vivemos quase meio século no cárcere do obscurantismo. Há mais de duas décadas que dele nos libertaram!... Então por que esperamos para deitar no lixo as grilhetas que ainda nos prendem a esse passado, (que eu nem sequer conheci!...) mas que dizem ter sido sinistro e castrante, indolente e conservador?!..."
E foi então que me levantei e, revoltado, agarrei o ilustre “pedagogo” pelos colarinhos e expliquei-lhe em altos berros que no "tal passado que ele nem sequer tinha conhecido", a maior parte daqueles que faziam a quarta classe ficava a saber escrever correctamente o português, sem erros ortográficos!...
Entretanto apareceu um “segurança” – é assim que agora são designados os homens a que outrora, nos colégios, se chamavam “ prefeitos” – e sem mais aquelas, pegou-me por um braço e pôs-me na rua. Mas não parei de espernear e foi só quando minha mulher me deu um safanão que eu acordei…
sexta-feira, novembro 16, 2007
SOLILÓQUIOS...
No silêncio da noite
Na quietude da noite, tonalidade da música quase no zero, aqui estou a escrever sem saber bem por que o faço. Talvez pela necessidade de esvaziar esta arca velha, de desabafar, de fugir de mim mesmo, de me afastar daquilo que me rodeia, me incomoda, e criar à minha volta um mundo novo, tranquilo, sem pressas e sem competições.
Utopia?... Que o seja, mas sinto muitas vezes essa necessidade de reinventar esse outro mundo e esquecer aquele por que passei.
E nesse desejo, nessa ânsia, muitas vezes, sem me aperceber, esqueço-me de mim mesmo e invento outra personagem. Totalmente diferente. Uma silhueta, uma espécie de fantasma que pouco dura e que acaba por desaparecer submersa nas vagas da minha própria imaginação.
É difícil “fugir” da aparência, da fachada, da máscara com que disfarçamos uma felicidade que nunca atingimos. É sempre difícil se não impossível despir completamente a indumentária que vestimos ao longo de muitos anos.
E é também difícil localizarmos no nosso imaginário aquele momento mágico em que nos foi oferecida a ocasião de optar, de escolher o rumo certo, aquele que agora, depois desta longa distância percorrida, pensamos teria sido o ideal...
Mas será que alguma vez na nossa adolescência nos apercebemos desse momento enigmático, dessa encruzilhada de caminhos que a vida nos mostrou para podermos escolher o tal rumo certo?!...
É curioso como apesar de todos estes anos de peregrinação por este vale de lágrimas, esta ânsia de reinventar um outro caminho que não o percorrido, continue, de vez em quando, a atravessar-se no caminho dos meus pensamentos, colocando dúvidas e interrogações difíceis de satisfazer!
É curioso também que mesmo numa idade avançada se continue a sonhar e a ter pesadelos. Sobretudo pesadelos, porque os sonhos, quanto a mim, têm uma grande lógica interna e uma grande coerência interior. Eles permitem-nos, enquanto duram, alimentar esperanças e dão-nos também alento para reforçar a nossa auto-estima ainda que envoltos num manto diáfano e enganador....
É que todos nós temos virtudes e defeitos tornando-se por isso, e à medida que o tempo vai passando, mais importante consciencializarmo-nos da nossa imperfeição.
Bem sei que nesse turbilhão de ideias, nesse emaranhado de interrogações e sem possibilidade de voltar atrás, nos resta apenas dominar os sentimentos e substituir as tendências negativas pelas tendências positivas, lutando e, reeducando-nos para atingir a felicidade. Não a felicidade completa, mas aquele estado de alma que nos proporciona todos os dias a alegria de viver em paz connosco, sem ódios, sem remorsos, sem alimentar sentimentos de inveja pelo vizinho do lado, que é mais poderosos e rico.
Às vezes ando às voltas dentro de mim e, algum tempo depois, consciente de que por mais voltas que dê não encontro já a tal encruzilhada de que acima falei, tento recriar, baseado no passado, um caminho diferente. Porém, como o passado, não se refaz, não se recria, mas também não se pode abjurar, volto ao ponto de partida – às interrogações, às reticências e às vírgulas das várias situações por que passei. E é sempre com um sentimento de saudade que termino estas minhas incursões que muitas vezes faço a esse tempo longínquo embora por vezes me apareçam figuras monstruosas que se movem numa dança endiabrada como que atribuindo-me culpas de coisas de que já não me lembrava... Ou faço por não me lembrar.
Na quietude da noite, tonalidade da música quase no zero, aqui estou a escrever sem saber bem por que o faço. Talvez pela necessidade de esvaziar esta arca velha, de desabafar, de fugir de mim mesmo, de me afastar daquilo que me rodeia, me incomoda, e criar à minha volta um mundo novo, tranquilo, sem pressas e sem competições.
Utopia?... Que o seja, mas sinto muitas vezes essa necessidade de reinventar esse outro mundo e esquecer aquele por que passei.
E nesse desejo, nessa ânsia, muitas vezes, sem me aperceber, esqueço-me de mim mesmo e invento outra personagem. Totalmente diferente. Uma silhueta, uma espécie de fantasma que pouco dura e que acaba por desaparecer submersa nas vagas da minha própria imaginação.
É difícil “fugir” da aparência, da fachada, da máscara com que disfarçamos uma felicidade que nunca atingimos. É sempre difícil se não impossível despir completamente a indumentária que vestimos ao longo de muitos anos.
E é também difícil localizarmos no nosso imaginário aquele momento mágico em que nos foi oferecida a ocasião de optar, de escolher o rumo certo, aquele que agora, depois desta longa distância percorrida, pensamos teria sido o ideal...
Mas será que alguma vez na nossa adolescência nos apercebemos desse momento enigmático, dessa encruzilhada de caminhos que a vida nos mostrou para podermos escolher o tal rumo certo?!...
É curioso como apesar de todos estes anos de peregrinação por este vale de lágrimas, esta ânsia de reinventar um outro caminho que não o percorrido, continue, de vez em quando, a atravessar-se no caminho dos meus pensamentos, colocando dúvidas e interrogações difíceis de satisfazer!
É curioso também que mesmo numa idade avançada se continue a sonhar e a ter pesadelos. Sobretudo pesadelos, porque os sonhos, quanto a mim, têm uma grande lógica interna e uma grande coerência interior. Eles permitem-nos, enquanto duram, alimentar esperanças e dão-nos também alento para reforçar a nossa auto-estima ainda que envoltos num manto diáfano e enganador....
É que todos nós temos virtudes e defeitos tornando-se por isso, e à medida que o tempo vai passando, mais importante consciencializarmo-nos da nossa imperfeição.
Bem sei que nesse turbilhão de ideias, nesse emaranhado de interrogações e sem possibilidade de voltar atrás, nos resta apenas dominar os sentimentos e substituir as tendências negativas pelas tendências positivas, lutando e, reeducando-nos para atingir a felicidade. Não a felicidade completa, mas aquele estado de alma que nos proporciona todos os dias a alegria de viver em paz connosco, sem ódios, sem remorsos, sem alimentar sentimentos de inveja pelo vizinho do lado, que é mais poderosos e rico.
Às vezes ando às voltas dentro de mim e, algum tempo depois, consciente de que por mais voltas que dê não encontro já a tal encruzilhada de que acima falei, tento recriar, baseado no passado, um caminho diferente. Porém, como o passado, não se refaz, não se recria, mas também não se pode abjurar, volto ao ponto de partida – às interrogações, às reticências e às vírgulas das várias situações por que passei. E é sempre com um sentimento de saudade que termino estas minhas incursões que muitas vezes faço a esse tempo longínquo embora por vezes me apareçam figuras monstruosas que se movem numa dança endiabrada como que atribuindo-me culpas de coisas de que já não me lembrava... Ou faço por não me lembrar.
domingo, novembro 04, 2007
Recordando meu pai
Duas datas numa lápide
De repente, sentimos que a noite se aproxima. O Sol desaparece por detrás da serra e os seus raios, de várias cores, pincelam o horizonte fazendo inveja aos mais célebres pintores!
A passarada procura os abrigos e, sopradas pela brisa fresca do anoitecer, as folhas rodopiam e caem das árvores formando no caminho um tapete de variadas cores.
É Outono!
Há ouriços no chão com castanhas a espreitar, há nozes escondidas nas ervas secas e aqui e além, no laranjal, um amarelo esverdeado de um fruto sobressai por entre as frondosas copas verdes. A groselheira, ramos vergados, carregados de frutos, em cachos, quase a tocarem na terra, parece querer rivalizar com o azevinho, também ele, mostrando os seus ramos crivados de bolinhas vermelhas.
É Outono!
Há um cheiro diferente no ar. O fumo das chaminés espalhadas pela aldeia anuncia que o frio já chegou. Abrandou a azáfama no povoado, fizeram-se as colheitas, descamisaram-se as espigas, secaram-se, guardaram-se nos espigueiros, cortaram-se as palhas, semearam-se as ervas, e agora é tempo de repouso.
É Outono!
Há magustos por todos os lados, começa a matança do porco, mas hoje foi um dia especial – dia de Todos os Santos, dia de romagem aos cemitérios. Velas, lamparinas modernas, coloridas, pois o progresso substituiu as vulgares velas de cera por canudos de cores diversas que deturpam um local que deveria ser de recolhimento e de simplicidade e o transformam numa feira de competições e vaidades.
Flores, muitas flores. Naturais, artificiais... mas quase todas compradas. As dos jardins próprios, juntos de casa, já não se usam e é de bom-tom dizer-se à vizinha o seu preço e quase sempre o local da compra.
E não há sepultura pobre, embora os restos mortais de muitos dos que nelas repousam o tivessem sido em vida. Pobres de tudo. Não só de comida, mas sobretudo de carinhos, atenções e de respeito.
E há lágrimas, muitas lágrimas. Umas de saudade, mas muitas também de remorsos do carinho que se poderia ter dado e não deu; do tempo que se poderia ter dispensado e não se dispensou; da paciência que se deveria ter tido, da companhia que se deveria ter feito, do simples sorriso que se não devolveu. E há também lágrimas fingidas…
Teríamos muitas surpresas se pudéssemos ler o que se passa no interior de muitos que no dia de hoje se alinham ao longo das pedras tumulares. Quantos não choram apenas e só para que os outros os vejam?
Quantos pensam que podem agora pagar, com flores, todas as faltas que tiveram para com os seus entes queridos, enquanto vivos?
“Flores e lágrimas são alívio dos vivos, mas não refrigério dos mortos” – disse Santo Agostinho.
E neste Outono, e neste dia, como é doloroso evocar alguém que não conhecemos em vida, mas cuja lembrança constantemente nos acompanha! É uma mistura de saudade tão pungente e de tristeza tão dorida que não se consegue explicar. Sente-se e connosco vive...até chegar também a nossa segunda data.
De repente, sentimos que a noite se aproxima. O Sol desaparece por detrás da serra e os seus raios, de várias cores, pincelam o horizonte fazendo inveja aos mais célebres pintores!
A passarada procura os abrigos e, sopradas pela brisa fresca do anoitecer, as folhas rodopiam e caem das árvores formando no caminho um tapete de variadas cores.
É Outono!
Há ouriços no chão com castanhas a espreitar, há nozes escondidas nas ervas secas e aqui e além, no laranjal, um amarelo esverdeado de um fruto sobressai por entre as frondosas copas verdes. A groselheira, ramos vergados, carregados de frutos, em cachos, quase a tocarem na terra, parece querer rivalizar com o azevinho, também ele, mostrando os seus ramos crivados de bolinhas vermelhas.
É Outono!
Há um cheiro diferente no ar. O fumo das chaminés espalhadas pela aldeia anuncia que o frio já chegou. Abrandou a azáfama no povoado, fizeram-se as colheitas, descamisaram-se as espigas, secaram-se, guardaram-se nos espigueiros, cortaram-se as palhas, semearam-se as ervas, e agora é tempo de repouso.
É Outono!
Há magustos por todos os lados, começa a matança do porco, mas hoje foi um dia especial – dia de Todos os Santos, dia de romagem aos cemitérios. Velas, lamparinas modernas, coloridas, pois o progresso substituiu as vulgares velas de cera por canudos de cores diversas que deturpam um local que deveria ser de recolhimento e de simplicidade e o transformam numa feira de competições e vaidades.
Flores, muitas flores. Naturais, artificiais... mas quase todas compradas. As dos jardins próprios, juntos de casa, já não se usam e é de bom-tom dizer-se à vizinha o seu preço e quase sempre o local da compra.
E não há sepultura pobre, embora os restos mortais de muitos dos que nelas repousam o tivessem sido em vida. Pobres de tudo. Não só de comida, mas sobretudo de carinhos, atenções e de respeito.
E há lágrimas, muitas lágrimas. Umas de saudade, mas muitas também de remorsos do carinho que se poderia ter dado e não deu; do tempo que se poderia ter dispensado e não se dispensou; da paciência que se deveria ter tido, da companhia que se deveria ter feito, do simples sorriso que se não devolveu. E há também lágrimas fingidas…
Teríamos muitas surpresas se pudéssemos ler o que se passa no interior de muitos que no dia de hoje se alinham ao longo das pedras tumulares. Quantos não choram apenas e só para que os outros os vejam?
Quantos pensam que podem agora pagar, com flores, todas as faltas que tiveram para com os seus entes queridos, enquanto vivos?
“Flores e lágrimas são alívio dos vivos, mas não refrigério dos mortos” – disse Santo Agostinho.
E neste Outono, e neste dia, como é doloroso evocar alguém que não conhecemos em vida, mas cuja lembrança constantemente nos acompanha! É uma mistura de saudade tão pungente e de tristeza tão dorida que não se consegue explicar. Sente-se e connosco vive...até chegar também a nossa segunda data.
Porreiro, pá!...
“Porreiro, pá!...”
Continuo a acreditar que somos, de facto, um povo extraordinário. Somos pau para toda a colher. Temos uma pachorra incomensurável e um desmedido arcaboiço para encaixar os mais incríveis disparates.
Cá dentro, bem no fundo do nosso “eu”, somos de tudo um pouco: paternalistas, brincalhões, descomplexados, cultivadores acérrimos do nacional-porreirismo e, essencialmente, os descendentes directos de uma árvore genealógica com muitas e diferentes ramificações. Do seu vetusto tronco, saíram muitos e variados ramos de cores diferentes, formando frondosa e matizada copa. E, em País de ameno clima, de brandos costumes, à sua sombra e à socapa, uma diversificada e duvidosa casta vai-se acoitando das intempéries da vida, graças a uma cumplicidade bem disfarçada. Somos, por isso, um amálgama de gente bizarra – de homens ingénuos e perdulários, de heróis destemidos, de arrojados piratas, de intrépidos marinheiros, de refinados falsários, de rudes campónios, de ilustres fidalgos, de brasonados ilustres, de vigaristas inveterados, de exímios palhaços, de inimitáveis actores de comédia e também de gente piedosa, bem instalada na vida, que sob o manto da solidariedade e do bem comum vai tosquiando o gado miúdo – a ralé – que, resignada, vai lambiscando o pouco que o graúdo lhe deixou, mas sempre sorridente e acomodada, batendo palmas na rua e insultando os mandantes no conforto do lar, pantufas nos pés, e janelas fechadas. É que as paredes têm ouvidos e os bufos estão sempre de orelha atenta, pé ligeiro e língua pronta a esguichar o veneno da denúncia. Mas somos os maiores! Em tudo. Escutem o que dizem os mandantes, leiam os jornais, ouçam os comentadores da TV, atentem no que dizem os analistas encartados, os profetas em estágio, e logo verão que assim é.
Ainda agora, na Cimeira de Lisboa, como pomposamente chamaram à reunião dos 27, noticiaram os jornais, disseram os organizadores e completaram os noticiários na televisão que luxo assim, só em Portugal – conseguimos atrair a fina-flor da Europa, e fazer com que os melhores hotéis esgotassem a capacidade; que houvesse jantaradas que nem Pantagruel teria sido capaz de imaginar; que os carros topo de gama fizessem alterar o trânsito da capital; que em cada esquina houvesse um polícia... Enfim, um sucesso tão grande que os representantes dos países presentes renderam-se ao nosso engenho e arte e não tiveram outro remédio senão assinar o tal Tratado! Isto sem falar no efeito persuasor da mochila “uma ideia renovadora que aposta nas energias renováveis,” que deixou os visitantes de boca aberta! E dava gosto vê-los, mochila às costas, satisfeitos por terem assinado o “instrumento que ajuda a UE a sair de uma crise política que a atrofia”, como disse um eurodeputado português.
Custos da Cimeira? Migalhas! Vêm aí os “Fundos”... Já imaginaram uma “torneira” a debitar 10 milhões de euros por dia? Não é “porreiro pá”?...
Continuo a acreditar que somos, de facto, um povo extraordinário. Somos pau para toda a colher. Temos uma pachorra incomensurável e um desmedido arcaboiço para encaixar os mais incríveis disparates.
Cá dentro, bem no fundo do nosso “eu”, somos de tudo um pouco: paternalistas, brincalhões, descomplexados, cultivadores acérrimos do nacional-porreirismo e, essencialmente, os descendentes directos de uma árvore genealógica com muitas e diferentes ramificações. Do seu vetusto tronco, saíram muitos e variados ramos de cores diferentes, formando frondosa e matizada copa. E, em País de ameno clima, de brandos costumes, à sua sombra e à socapa, uma diversificada e duvidosa casta vai-se acoitando das intempéries da vida, graças a uma cumplicidade bem disfarçada. Somos, por isso, um amálgama de gente bizarra – de homens ingénuos e perdulários, de heróis destemidos, de arrojados piratas, de intrépidos marinheiros, de refinados falsários, de rudes campónios, de ilustres fidalgos, de brasonados ilustres, de vigaristas inveterados, de exímios palhaços, de inimitáveis actores de comédia e também de gente piedosa, bem instalada na vida, que sob o manto da solidariedade e do bem comum vai tosquiando o gado miúdo – a ralé – que, resignada, vai lambiscando o pouco que o graúdo lhe deixou, mas sempre sorridente e acomodada, batendo palmas na rua e insultando os mandantes no conforto do lar, pantufas nos pés, e janelas fechadas. É que as paredes têm ouvidos e os bufos estão sempre de orelha atenta, pé ligeiro e língua pronta a esguichar o veneno da denúncia. Mas somos os maiores! Em tudo. Escutem o que dizem os mandantes, leiam os jornais, ouçam os comentadores da TV, atentem no que dizem os analistas encartados, os profetas em estágio, e logo verão que assim é.
Ainda agora, na Cimeira de Lisboa, como pomposamente chamaram à reunião dos 27, noticiaram os jornais, disseram os organizadores e completaram os noticiários na televisão que luxo assim, só em Portugal – conseguimos atrair a fina-flor da Europa, e fazer com que os melhores hotéis esgotassem a capacidade; que houvesse jantaradas que nem Pantagruel teria sido capaz de imaginar; que os carros topo de gama fizessem alterar o trânsito da capital; que em cada esquina houvesse um polícia... Enfim, um sucesso tão grande que os representantes dos países presentes renderam-se ao nosso engenho e arte e não tiveram outro remédio senão assinar o tal Tratado! Isto sem falar no efeito persuasor da mochila “uma ideia renovadora que aposta nas energias renováveis,” que deixou os visitantes de boca aberta! E dava gosto vê-los, mochila às costas, satisfeitos por terem assinado o “instrumento que ajuda a UE a sair de uma crise política que a atrofia”, como disse um eurodeputado português.
Custos da Cimeira? Migalhas! Vêm aí os “Fundos”... Já imaginaram uma “torneira” a debitar 10 milhões de euros por dia? Não é “porreiro pá”?...
segunda-feira, setembro 17, 2007
Os mamões
Mamã eu quero…
Já há alguns anos e neste mesmo espaço, me referi ao assunto. No entanto e porque cada vez há mais gente a mamar a repetição nunca é descabida.
Em 1900, na revista "A Paródia", e querendo estabelecer uma comparação entre a prática da política e a condição porcina, o nosso grande caricaturista Bordalo Pinheiro desenhou uma porca deitada com uma dúzia de leitões agarrados às suas tetas.
Em 1923, aparecia na mesma Revista, um desenho com uma porca já de pé, com os porquinhos mais crescidos a comerem do mesmo gamelão. Tanto num caso como noutro, os contribuintes perceberam. Mas ao compararem as duas caricaturas, ficaram pensativos: é que, enquanto na primeira, os bacorinhos estavam deitados e chupavam na teta, na segunda, já todos estavam de pé a comer com voracidade...
Nos anos cinquenta, G. Orwell, com o "Triunfo dos Porcos", actualizou o tema, colocando um "porco-líder" a dominar os seus súbditos com o autoritarismo próprio de todo o mandante que se preza.
Foi depois a vez da série televisiva "Os Simpsons" apresentar os políticos na figuração de porcos, mostrando senadores surpreendidos, no Senado, a comer hamburgers com recheio de dólares temperados com lobies, limpando depois as trombas à bandeira estrelada, como de um simples guardanapo se tratasse.
Esta lengalenga para vos dizer que apesar da caricatura inicial ter evoluído ao longo dos tempos, – passando de livro a filme e de filme, a desenho animado – a mensagem não se diluiu. Pelo contrário. Não só se manteve, como também se agigantou. E como se pode verificar, nunca foram tantos os "mamões", apesar de todas as artimanhas e camuflagens dos políticos que, com o auxílio da tecnologia moderna, tudo têm feito para esconder a porca e camuflar as tetas.
A modernização das instalações, (o luxo dos gabinetes) o constante apuramento da raça (a selecção de boys) e a galopante automatização das tetas (a criação de comissões e afins), tornaram a mama ainda mais apetecida. E os leitõezinhos continuam a engordar, não só com o líquido do úbere materno, (os nossos impostos) mas agora também com rações vindas directamente da estranja, etiquetadas pomposamente sob o nome de fundos e subsídios... É uma vergonha o que se passa por aí fora: a corrupção, o compadrio, as injustiças, os branqueamentos, os desperdícios, a incompetência, a ociosidade, tudo isso alastrou e transformou o País num lamaçal pestilento, onde proliferam os parasitas, os vermes rastejantes e os oportunistas. Cada vez são mais os que mamam e menos os que trabalham. A «epidemia» propagou-se a todas as forças partidárias. E é por isso que não há uma oposição válida. Enquanto a porca tiver leite, mesmo que as tetas não cheguem para todos, eles mamam por turnos. E lambuzados e contentes, ei-los cantando em coro:mamã eu quero, mamã eu quero mamar…
Já há alguns anos e neste mesmo espaço, me referi ao assunto. No entanto e porque cada vez há mais gente a mamar a repetição nunca é descabida.
Em 1900, na revista "A Paródia", e querendo estabelecer uma comparação entre a prática da política e a condição porcina, o nosso grande caricaturista Bordalo Pinheiro desenhou uma porca deitada com uma dúzia de leitões agarrados às suas tetas.
Em 1923, aparecia na mesma Revista, um desenho com uma porca já de pé, com os porquinhos mais crescidos a comerem do mesmo gamelão. Tanto num caso como noutro, os contribuintes perceberam. Mas ao compararem as duas caricaturas, ficaram pensativos: é que, enquanto na primeira, os bacorinhos estavam deitados e chupavam na teta, na segunda, já todos estavam de pé a comer com voracidade...
Nos anos cinquenta, G. Orwell, com o "Triunfo dos Porcos", actualizou o tema, colocando um "porco-líder" a dominar os seus súbditos com o autoritarismo próprio de todo o mandante que se preza.
Foi depois a vez da série televisiva "Os Simpsons" apresentar os políticos na figuração de porcos, mostrando senadores surpreendidos, no Senado, a comer hamburgers com recheio de dólares temperados com lobies, limpando depois as trombas à bandeira estrelada, como de um simples guardanapo se tratasse.
Esta lengalenga para vos dizer que apesar da caricatura inicial ter evoluído ao longo dos tempos, – passando de livro a filme e de filme, a desenho animado – a mensagem não se diluiu. Pelo contrário. Não só se manteve, como também se agigantou. E como se pode verificar, nunca foram tantos os "mamões", apesar de todas as artimanhas e camuflagens dos políticos que, com o auxílio da tecnologia moderna, tudo têm feito para esconder a porca e camuflar as tetas.
A modernização das instalações, (o luxo dos gabinetes) o constante apuramento da raça (a selecção de boys) e a galopante automatização das tetas (a criação de comissões e afins), tornaram a mama ainda mais apetecida. E os leitõezinhos continuam a engordar, não só com o líquido do úbere materno, (os nossos impostos) mas agora também com rações vindas directamente da estranja, etiquetadas pomposamente sob o nome de fundos e subsídios... É uma vergonha o que se passa por aí fora: a corrupção, o compadrio, as injustiças, os branqueamentos, os desperdícios, a incompetência, a ociosidade, tudo isso alastrou e transformou o País num lamaçal pestilento, onde proliferam os parasitas, os vermes rastejantes e os oportunistas. Cada vez são mais os que mamam e menos os que trabalham. A «epidemia» propagou-se a todas as forças partidárias. E é por isso que não há uma oposição válida. Enquanto a porca tiver leite, mesmo que as tetas não cheguem para todos, eles mamam por turnos. E lambuzados e contentes, ei-los cantando em coro:mamã eu quero, mamã eu quero mamar…
quinta-feira, agosto 30, 2007
África
Falar acerca de África
Nunca reconheci, a quem nunca viveu em África, autoridade e conhecimentos suficientes para dela falarem. E isso, porque é muito difícil, e para muitos até impossível entrar na mentalidade dos seus habitantes, mesmo até depois de uma convivência de anos.
Muitos dos que escrevem ou que falam esquecem-se (ou não sabem) que a descolonização tentou impor à nova África “um nacionalismo sem Nação”, quando é a tribo e não a nação que constitui a célula base da vida africana. Muitas vezes o que os jornais designam por uma guerra entre países é, na realidade, uma rixa entre tribos rivais. Não digo que sempre assim aconteça, mas na maior parte, esses conflitos, têm, na sua origem, a rivalidade tribal.
Todos sabemos que as fronteiras coloniais nunca foram fronteiras naturais e que foram estabelecidas pelo simples entendimento entre as nações europeias. E foi dessa maneira que se pretendeu fazer viver em comum, povos que nem a raça, nem a língua, nem a religião, nem os interesses predispunham a que pertencessem a um mesmo Estado. Houve fronteiras, ditas “naturais” que separaram os próprios irmãos. Lembro-me dos Somalis submetidos durante anos a cinco domínios: o italiano em Mogadíscio, o britânico em Berbera, o francês em Djibouti, o etíope em Ogaden e o queniano no Oeste!
Na República Democrática do Congo, País que melhor conheci, existiam cerca de 250 etnias com 221 línguas ou dialectos falados, e todos se lembram das convulsões por que passou. As questões tribais transmitidas de geração para geração e aproveitadas em momentos de convulsões interiores por elementos e interesses externos, quase chegaram a transformar o genocídio em prática comum. As independências dos povos africanos que deveriam ser de festa e alegria foram, salvo raras excepções, isso sim, o prólogo de ciclos de morte, miséria e desespero.
Propositado ou não, os diplomatas ocidentais desconheceram por completo a psicologia da maior parte dos africanos, baseando-se apenas em alguns deles mentalizados e educados à maneira europeia ou americana. E se virmos bem, foram apenas esses que se aproveitaram da independência dos seus povos em proveito próprio. Os exemplos estão à vista...
Agora menos, mas houve um tempo em que, desde o analfabeto primário ao mais pretensioso “intelectual”, a acusação era a mesma: os brancos em África limitaram-se apenas a escravizar o negro e a amassar fortunas. Ouvi algumas vezes essa afirmação, mas nunca tentei contradizê-la. Os que assim pensam, como digo no começo, nada conhecem sobre o Continente Negro, e por isso, o mais saudável é não retorquir. O que “ sabem” é através de livros ou de facciosas histórias contadas pelos “sabichões” de serviço. Nenhum deles será capaz de explicar a diferença entre colono e colonialista. Mesmo hoje, muitos doutores e engenheiros são capazes de não saberem fazer a destrinça entre um e o outro. Mas isso fica para outra crónica.
Nunca reconheci, a quem nunca viveu em África, autoridade e conhecimentos suficientes para dela falarem. E isso, porque é muito difícil, e para muitos até impossível entrar na mentalidade dos seus habitantes, mesmo até depois de uma convivência de anos.
Muitos dos que escrevem ou que falam esquecem-se (ou não sabem) que a descolonização tentou impor à nova África “um nacionalismo sem Nação”, quando é a tribo e não a nação que constitui a célula base da vida africana. Muitas vezes o que os jornais designam por uma guerra entre países é, na realidade, uma rixa entre tribos rivais. Não digo que sempre assim aconteça, mas na maior parte, esses conflitos, têm, na sua origem, a rivalidade tribal.
Todos sabemos que as fronteiras coloniais nunca foram fronteiras naturais e que foram estabelecidas pelo simples entendimento entre as nações europeias. E foi dessa maneira que se pretendeu fazer viver em comum, povos que nem a raça, nem a língua, nem a religião, nem os interesses predispunham a que pertencessem a um mesmo Estado. Houve fronteiras, ditas “naturais” que separaram os próprios irmãos. Lembro-me dos Somalis submetidos durante anos a cinco domínios: o italiano em Mogadíscio, o britânico em Berbera, o francês em Djibouti, o etíope em Ogaden e o queniano no Oeste!
Na República Democrática do Congo, País que melhor conheci, existiam cerca de 250 etnias com 221 línguas ou dialectos falados, e todos se lembram das convulsões por que passou. As questões tribais transmitidas de geração para geração e aproveitadas em momentos de convulsões interiores por elementos e interesses externos, quase chegaram a transformar o genocídio em prática comum. As independências dos povos africanos que deveriam ser de festa e alegria foram, salvo raras excepções, isso sim, o prólogo de ciclos de morte, miséria e desespero.
Propositado ou não, os diplomatas ocidentais desconheceram por completo a psicologia da maior parte dos africanos, baseando-se apenas em alguns deles mentalizados e educados à maneira europeia ou americana. E se virmos bem, foram apenas esses que se aproveitaram da independência dos seus povos em proveito próprio. Os exemplos estão à vista...
Agora menos, mas houve um tempo em que, desde o analfabeto primário ao mais pretensioso “intelectual”, a acusação era a mesma: os brancos em África limitaram-se apenas a escravizar o negro e a amassar fortunas. Ouvi algumas vezes essa afirmação, mas nunca tentei contradizê-la. Os que assim pensam, como digo no começo, nada conhecem sobre o Continente Negro, e por isso, o mais saudável é não retorquir. O que “ sabem” é através de livros ou de facciosas histórias contadas pelos “sabichões” de serviço. Nenhum deles será capaz de explicar a diferença entre colono e colonialista. Mesmo hoje, muitos doutores e engenheiros são capazes de não saberem fazer a destrinça entre um e o outro. Mas isso fica para outra crónica.
Boa viagem
Boa viagem
Pertenço ao grupo daqueles que não conseguem ler nem dormir quando viajam. Seja qual for o meio de transporte utilizado não consigo concentrar-me na leitura, e Morfeu também não consegue tomar conta de mim.
Foi o que aconteceu aqui há tempos numa viagem que fiz entre a capital e a estação mais próxima da minha aldeia. E quando tal acontece, divago, e de olhos fechados deixo o pensamento “correr” à rédea solta… E nesse dia comparei a vida a uma viagem…
Nascemos, subimos para o comboio, e começa a marcha. Nem sempre tranquila. Há, por vezes, acidentes durante o percurso; há paragens; há surpresas; há lágrimas…
Quando subimos, encontramos pessoas, e logo pensamos que elas ficarão connosco durante todo o trajecto – são os nossos familiares!
Porém, e infelizmente a verdade é outra. Eles podem descer em qualquer estação e deixar-nos sem o seu amor, a sua afeição, a sua amizade, a sua companhia. Mas há outras que sobem e que serão também importantes para nós: são os nossos irmãos e as nossas irmãs, os nossos amigos e todas as pessoas de quem gostamos – umas estão sempre presentes, sempre prontas a ajudar; outras permanentemente indiferentes ao que se passa à sua volta.
Algumas, quando descem, deixam uma tristeza que jamais se desvanece. Outros sobem e descem tão depressa que mal os conhecemos.
Às vezes admiramo-nos e ficamos intrigados quando passageiros de quem gostamos, vão sentar-se noutra carruagem e que nos deixam viajar sozinhos!
Evidentemente que ninguém nos impede de os procurar por todo o comboio até os encontrar. Porém, muitas vezes quando os encontramos não podemos sentar-nos a seu lado porque o lugar está já ocupado...
É assim a viagem, é assim a vida: feita de desafios, de sonhos, de esperança e de despedidas... muitas vezes para sempre.
Por tudo isso façamos por fazer a viagem da melhor maneira possível. Tentemos compreender os nossos vizinhos de carruagem e procuremos o melhor que há neles. Lembremo-nos de que num qualquer momento da viagem um dos nossos companheiros pode desmaiar e pode ter necessidade da nossa ajuda e da nossa compreensão. O mesmo nos poderá acontecer…
O grande mistério da viagem é que nós nunca sabemos quando desceremos. Nem nós, nem mesmo o companheiro que viaja sentado a nosso lado!
Imagino e sinto como será triste deixar o comboio! A separação de todos os amigos que encontrámos será dolorosa. E como será mais doloroso ainda deixar os mais próximos!...
Sinto-me no entanto contente por ter contribuído para ajudar a minimizar as incertezas e os maus momentos da viagem.
Aqui fica, por isso, um apelo a todos: façam o possível para que o percurso seja agradável e tentem tudo para que os passageiros que continuam no comboio da vida fiquem com uma boa recordação de vós quando, finalmente, vos apeardes.
A todos aqueles que continuam a viajar comigo, eu desejo boa viagem!
Pertenço ao grupo daqueles que não conseguem ler nem dormir quando viajam. Seja qual for o meio de transporte utilizado não consigo concentrar-me na leitura, e Morfeu também não consegue tomar conta de mim.
Foi o que aconteceu aqui há tempos numa viagem que fiz entre a capital e a estação mais próxima da minha aldeia. E quando tal acontece, divago, e de olhos fechados deixo o pensamento “correr” à rédea solta… E nesse dia comparei a vida a uma viagem…
Nascemos, subimos para o comboio, e começa a marcha. Nem sempre tranquila. Há, por vezes, acidentes durante o percurso; há paragens; há surpresas; há lágrimas…
Quando subimos, encontramos pessoas, e logo pensamos que elas ficarão connosco durante todo o trajecto – são os nossos familiares!
Porém, e infelizmente a verdade é outra. Eles podem descer em qualquer estação e deixar-nos sem o seu amor, a sua afeição, a sua amizade, a sua companhia. Mas há outras que sobem e que serão também importantes para nós: são os nossos irmãos e as nossas irmãs, os nossos amigos e todas as pessoas de quem gostamos – umas estão sempre presentes, sempre prontas a ajudar; outras permanentemente indiferentes ao que se passa à sua volta.
Algumas, quando descem, deixam uma tristeza que jamais se desvanece. Outros sobem e descem tão depressa que mal os conhecemos.
Às vezes admiramo-nos e ficamos intrigados quando passageiros de quem gostamos, vão sentar-se noutra carruagem e que nos deixam viajar sozinhos!
Evidentemente que ninguém nos impede de os procurar por todo o comboio até os encontrar. Porém, muitas vezes quando os encontramos não podemos sentar-nos a seu lado porque o lugar está já ocupado...
É assim a viagem, é assim a vida: feita de desafios, de sonhos, de esperança e de despedidas... muitas vezes para sempre.
Por tudo isso façamos por fazer a viagem da melhor maneira possível. Tentemos compreender os nossos vizinhos de carruagem e procuremos o melhor que há neles. Lembremo-nos de que num qualquer momento da viagem um dos nossos companheiros pode desmaiar e pode ter necessidade da nossa ajuda e da nossa compreensão. O mesmo nos poderá acontecer…
O grande mistério da viagem é que nós nunca sabemos quando desceremos. Nem nós, nem mesmo o companheiro que viaja sentado a nosso lado!
Imagino e sinto como será triste deixar o comboio! A separação de todos os amigos que encontrámos será dolorosa. E como será mais doloroso ainda deixar os mais próximos!...
Sinto-me no entanto contente por ter contribuído para ajudar a minimizar as incertezas e os maus momentos da viagem.
Aqui fica, por isso, um apelo a todos: façam o possível para que o percurso seja agradável e tentem tudo para que os passageiros que continuam no comboio da vida fiquem com uma boa recordação de vós quando, finalmente, vos apeardes.
A todos aqueles que continuam a viajar comigo, eu desejo boa viagem!
A minha companheira
A minha companheira
O que hoje vos vou contar passou-se há muito, muito tempo. Nessa altura ouvia os mais velhos que, em tom jocoso, me falavam da sua vinda como de coisa muito grave se tratasse. Alguns, os mais íntimos, de vez em quando, e mal a ocasião se proporcionava tentavam mentalizar-me. «Lá virá o tempo – diziam-me eles – que, sem dares conta, ela aparecerá...»
- E mais depressa do que julgas! - Acrescentavam com uma pitada de humor os mais crentes em oráculos.
Estava então na minha Primavera e nesses verdes anos não há tempo para reflectir, para pensar ou para ter medo. Era um tempo em que via sempre o céu azul, em que o Sol sorria todos os dias lá no alto, só cresciam flores à minha volta e eu fazia de todos os dias um “sábado à noite”!
Não havia futuro, só o “presente” contava. Era um tempo sem interrogações. Tudo deslizava em roda livre pela bonita e plana estrada da juventude sem que fosse preciso pedalar muito...
Era a época dos sonhos, dos contos de fada, do perfume do amor – “esse fogo que arde sem se ver”, no dizer do poeta.
Mas entretanto…
Entretanto os anos foram-se acumulando, acumulando, até que um dia, cedinho, numa manhã de Inverno em que estava só, ela chegou. Senti um bafo quente no meu pescoço e estremeci! Mas ela enlaçou-me carinhosamente, apertou-me contra o seu peito, e disse-me baixinho: «Cá estou!»
Levantei os olhos e vi um rosto no espelho. Olhos inchados, provavelmente atraentes no passado, mas agora escondidos por detrás de grossas lentes aprisionadas em aros de metal luzidio; da farta cabeleira de outrora restavam apenas, nas têmporas, cabelos brancos, dispersos, qual estriga de linho pronta a ser colocada na roca; na fronte e no pescoço, rugas, muitas rugas, sulcos por onde passaram, como em leito de rio, – em grosso caudal ou em passeio tranquilo – mágoas, alegrias... E as mãos? A pele enrugada, as veias salientes e os dedos trementes não conseguiam esconder toda uma vida de lutas, de canseiras, de incertezas, de lágrimas... e também de muitas alegrias. E como aquele rosto me fascinava!
O seu sorriso trocista, a ingenuidade do seu olhar infantil como que a pedir desculpa de pecado que não se cometeu, atraíam-me…
E como de feitiço se tratasse, ali fiquei por instantes, olhando o espelho. O tempo parecia não ter pressa. E, cúmplices, ali ficámos os dois, contemplando e tentando adivinhar a história daquele rosto. Um esboço de sorriso disfarçava as rugas e a vontade de viver adivinhava-se no luzir dos olhos papudos.
E tanta, tanta alegria naquele olhar cansado mas tão feliz!
Virei-me e olhei para trás. Baixei os olhos e vi-a tentando esconder-se timidamente como que a pedir desculpa pela sua intrusão na minha existência.
E sorrimos. E talvez com medo de me perder ou de que me zangasse, Dona Velhice abraçou-me com tanta força que desde esse dia nunca mais nos separámos. E desde então e como devem já ter notado, andamos sempre de braço dado.
O que hoje vos vou contar passou-se há muito, muito tempo. Nessa altura ouvia os mais velhos que, em tom jocoso, me falavam da sua vinda como de coisa muito grave se tratasse. Alguns, os mais íntimos, de vez em quando, e mal a ocasião se proporcionava tentavam mentalizar-me. «Lá virá o tempo – diziam-me eles – que, sem dares conta, ela aparecerá...»
- E mais depressa do que julgas! - Acrescentavam com uma pitada de humor os mais crentes em oráculos.
Estava então na minha Primavera e nesses verdes anos não há tempo para reflectir, para pensar ou para ter medo. Era um tempo em que via sempre o céu azul, em que o Sol sorria todos os dias lá no alto, só cresciam flores à minha volta e eu fazia de todos os dias um “sábado à noite”!
Não havia futuro, só o “presente” contava. Era um tempo sem interrogações. Tudo deslizava em roda livre pela bonita e plana estrada da juventude sem que fosse preciso pedalar muito...
Era a época dos sonhos, dos contos de fada, do perfume do amor – “esse fogo que arde sem se ver”, no dizer do poeta.
Mas entretanto…
Entretanto os anos foram-se acumulando, acumulando, até que um dia, cedinho, numa manhã de Inverno em que estava só, ela chegou. Senti um bafo quente no meu pescoço e estremeci! Mas ela enlaçou-me carinhosamente, apertou-me contra o seu peito, e disse-me baixinho: «Cá estou!»
Levantei os olhos e vi um rosto no espelho. Olhos inchados, provavelmente atraentes no passado, mas agora escondidos por detrás de grossas lentes aprisionadas em aros de metal luzidio; da farta cabeleira de outrora restavam apenas, nas têmporas, cabelos brancos, dispersos, qual estriga de linho pronta a ser colocada na roca; na fronte e no pescoço, rugas, muitas rugas, sulcos por onde passaram, como em leito de rio, – em grosso caudal ou em passeio tranquilo – mágoas, alegrias... E as mãos? A pele enrugada, as veias salientes e os dedos trementes não conseguiam esconder toda uma vida de lutas, de canseiras, de incertezas, de lágrimas... e também de muitas alegrias. E como aquele rosto me fascinava!
O seu sorriso trocista, a ingenuidade do seu olhar infantil como que a pedir desculpa de pecado que não se cometeu, atraíam-me…
E como de feitiço se tratasse, ali fiquei por instantes, olhando o espelho. O tempo parecia não ter pressa. E, cúmplices, ali ficámos os dois, contemplando e tentando adivinhar a história daquele rosto. Um esboço de sorriso disfarçava as rugas e a vontade de viver adivinhava-se no luzir dos olhos papudos.
E tanta, tanta alegria naquele olhar cansado mas tão feliz!
Virei-me e olhei para trás. Baixei os olhos e vi-a tentando esconder-se timidamente como que a pedir desculpa pela sua intrusão na minha existência.
E sorrimos. E talvez com medo de me perder ou de que me zangasse, Dona Velhice abraçou-me com tanta força que desde esse dia nunca mais nos separámos. E desde então e como devem já ter notado, andamos sempre de braço dado.
domingo, agosto 05, 2007
Ser Feliz
Ser feliz
Se alguém não encontra a felicidade em si mesmo, é inútil que a procure noutro lugar
La Rochefoucauld
Se alguém não encontra a felicidade em si mesmo, é inútil que a procure noutro lugar
La Rochefoucauld
Todos nós sabemos que ser feliz é um dos mais antigos direitos da humanidade. E também sabemos que não há ninguém que não mereça auferi-lo. Há, no entanto, quem pense nunca poder alcançar esse dom.
E isso resulta de uma certa insatisfação e de um conceito errado do que é a felicidade. O homem foi criado para ser feliz e seria insensato imaginar um Deus cujo prazer consistisse em submetê-lo a contínuas desgraças.
Essa ideia seria demasiado humana para ser divina e, quando assim pensamos, estamos a fazer um Criador à imagem da nossa imbecilidade e à semelhança da nossa estupidez. Porém, a causa, é bem diferente.
Neste mundo estereotipado em que vivemos, a felicidade deixou de ser um ideal do indivíduo para ser uma aspiração das multidões. Todos querem ser felizes da mesma maneira. Convencionou-se que não há felicidade sem automóvel, sem uma casa repleta de electrodomésticos, de electrónica, de móveis de estilo, de livros caros (mas que nunca se lêem), de imitações de objectos e de quadros antigos (dos quais não se sabe falar), sem roupas e calçado de marcas badaladas... enfim e para resumir, sem todos esses sinais exteriores de riqueza que por aí se vêem. Quanto a boas maneiras, civilidade, educação ou cultura, tudo isso é secundário. O que é preciso é ter dinheiro. E como nem todos o podem ter para se fazerem passar por aquilo que não são, daí a "infelicidade" de muitos. Uma infelicidade que gera invejas, revoltas e que, infelizmente, está a transformar a sociedade num viveiro de insatisfeitos, de egoístas e de falsários. Há na terra milhões de pessoas a sonhar a mesma coisa e a desejar os mesmos bens. E é assim que os espíritos simples se asfixiam numa atmosfera de estupidez. E são cada vez mais os que não conseguem viver fora desse esquema. Cada vez se deseja possuir mais. Cresce dia a dia a inveja pelo vizinho. A ânsia de "também querer ser" aumenta no sentido inverso do "querer fazer". Atropelam-se os princípios mais sagrados para chegar mais depressa a um lugar que se cobiça, mas que não se merece. O que mais interessa é "parecer". É uma luta feroz e constante entre aquilo que se tenta aparentar e a verdadeira realidade daquilo que se é.
Parece que fica assim, mais ou menos, traçado, ainda que com pálidas pinceladas, o retrato daquele que quer ostentar coisas superiores aos seus recursos e à sua mentalidade. E é esse, de facto, o protótipo do verdadeiro infeliz. E é tão fácil ser feliz! Contentarmo-nos com o que temos e orgulharmo-nos de sermos, apenas, como somos, é já o começo da felicidade. Mas o que muitos procuram é ser mais do que os outros. E isso é impossível, porque os outros nunca são, na realidade, tão felizes como nós julgamos.
E isso resulta de uma certa insatisfação e de um conceito errado do que é a felicidade. O homem foi criado para ser feliz e seria insensato imaginar um Deus cujo prazer consistisse em submetê-lo a contínuas desgraças.
Essa ideia seria demasiado humana para ser divina e, quando assim pensamos, estamos a fazer um Criador à imagem da nossa imbecilidade e à semelhança da nossa estupidez. Porém, a causa, é bem diferente.
Neste mundo estereotipado em que vivemos, a felicidade deixou de ser um ideal do indivíduo para ser uma aspiração das multidões. Todos querem ser felizes da mesma maneira. Convencionou-se que não há felicidade sem automóvel, sem uma casa repleta de electrodomésticos, de electrónica, de móveis de estilo, de livros caros (mas que nunca se lêem), de imitações de objectos e de quadros antigos (dos quais não se sabe falar), sem roupas e calçado de marcas badaladas... enfim e para resumir, sem todos esses sinais exteriores de riqueza que por aí se vêem. Quanto a boas maneiras, civilidade, educação ou cultura, tudo isso é secundário. O que é preciso é ter dinheiro. E como nem todos o podem ter para se fazerem passar por aquilo que não são, daí a "infelicidade" de muitos. Uma infelicidade que gera invejas, revoltas e que, infelizmente, está a transformar a sociedade num viveiro de insatisfeitos, de egoístas e de falsários. Há na terra milhões de pessoas a sonhar a mesma coisa e a desejar os mesmos bens. E é assim que os espíritos simples se asfixiam numa atmosfera de estupidez. E são cada vez mais os que não conseguem viver fora desse esquema. Cada vez se deseja possuir mais. Cresce dia a dia a inveja pelo vizinho. A ânsia de "também querer ser" aumenta no sentido inverso do "querer fazer". Atropelam-se os princípios mais sagrados para chegar mais depressa a um lugar que se cobiça, mas que não se merece. O que mais interessa é "parecer". É uma luta feroz e constante entre aquilo que se tenta aparentar e a verdadeira realidade daquilo que se é.
Parece que fica assim, mais ou menos, traçado, ainda que com pálidas pinceladas, o retrato daquele que quer ostentar coisas superiores aos seus recursos e à sua mentalidade. E é esse, de facto, o protótipo do verdadeiro infeliz. E é tão fácil ser feliz! Contentarmo-nos com o que temos e orgulharmo-nos de sermos, apenas, como somos, é já o começo da felicidade. Mas o que muitos procuram é ser mais do que os outros. E isso é impossível, porque os outros nunca são, na realidade, tão felizes como nós julgamos.
segunda-feira, julho 02, 2007
Memento, homo...
Lágrimas
O escritor francês Baudelaire, referindo-se à Morte, disse um dia, mais palavra, menos palavra “que em cada minuto que passa, essa ideia, essa sensação do fim, está sempre presente, esmagando e absorvendo o nosso pensamento…”
Esbarrei, por acaso, contra as palavras do autor de Flores do Mal, dias depois de ter sido confrontado com o desaparecimento de um Amigo.
Embora tal facto, na minha idade, não seja já uma obsessão, (é antes uma submissão resignada perante os desígnios de Deus) tais palavras, no entanto, levaram-me a uma reflexão sobre a Vida.
É que, como ninguém pode parar o tempo, também ninguém consegue parar o pensamento. O tempo, inexoravelmente, vai seguindo sempre em frente deixando marcas, delimitando épocas, gravando datas e enterrando recordações; o pensamento, num vaivém constante, vai-se ocupando a fazer visitas e a perpetuar esses lugares de culto.
E nesses momentos gosto de estar sozinho. E escrevo. Escrevo, porque escrevendo, falo sem que ninguém me interrompa…
E aqui estou eu debruçado na janela do tempo, folheando o livro de recordações – folhas amarelecidas pelo rodar dos anos, momentos de alegria, tristezas, sonhos, pesadelos, risos de crianças…
Todos morremos, mas poucos estão preparados para a coisa mais certa da vida. E é assistindo a essa "dança" que arrasta homens e mulheres de todas as idades e condições que vem ao de cima essa verdade incontestável de que um dia chegará também a nossa vez.
E como uma espécie de vingança, mas numa luta inglória, a vontade de viver sobrepõe-se a essa lei implacável, e é cada vez maior o desejo de aproveitar, de sorver todos os momentos.
E nesta época do ano como é bonita a Natureza!...
Nesta manhã de sol olho pela janela e vejo as gotas de água da orvalhada da noite que se desprendem das folhas da buganvília e recordo outras lágrimas de saudade, porque a Morte ao interromper os sonhos da vida de quem partiu, deixou uma sofrida saudade nos que ficaram.
«Devem chorar-se os homens à nascença e não quando morrem», escreveu alguém. Mas, muitas vezes, é difícil conter as lágrimas, mesmo sabendo que elas nada remedeiam, nada alteram. Mas elas são, nesses instantes, além de um desabafo, uma espécie de lenitivo, um bálsamo que suaviza essa dor pungente que rasga a alma, e que só o tempo faz desaparecer. Lágrimas – gotas de água que tantos significados podem ter!
Estou a lembrar-me, a propósito, daquela versão do conto popular, da criança morta que voltou à Terra para pedir à mãe que não chorasse mais para que a sua mortalha pudesse secar.
O escritor francês Baudelaire, referindo-se à Morte, disse um dia, mais palavra, menos palavra “que em cada minuto que passa, essa ideia, essa sensação do fim, está sempre presente, esmagando e absorvendo o nosso pensamento…”
Esbarrei, por acaso, contra as palavras do autor de Flores do Mal, dias depois de ter sido confrontado com o desaparecimento de um Amigo.
Embora tal facto, na minha idade, não seja já uma obsessão, (é antes uma submissão resignada perante os desígnios de Deus) tais palavras, no entanto, levaram-me a uma reflexão sobre a Vida.
É que, como ninguém pode parar o tempo, também ninguém consegue parar o pensamento. O tempo, inexoravelmente, vai seguindo sempre em frente deixando marcas, delimitando épocas, gravando datas e enterrando recordações; o pensamento, num vaivém constante, vai-se ocupando a fazer visitas e a perpetuar esses lugares de culto.
E nesses momentos gosto de estar sozinho. E escrevo. Escrevo, porque escrevendo, falo sem que ninguém me interrompa…
E aqui estou eu debruçado na janela do tempo, folheando o livro de recordações – folhas amarelecidas pelo rodar dos anos, momentos de alegria, tristezas, sonhos, pesadelos, risos de crianças…
Todos morremos, mas poucos estão preparados para a coisa mais certa da vida. E é assistindo a essa "dança" que arrasta homens e mulheres de todas as idades e condições que vem ao de cima essa verdade incontestável de que um dia chegará também a nossa vez.
E como uma espécie de vingança, mas numa luta inglória, a vontade de viver sobrepõe-se a essa lei implacável, e é cada vez maior o desejo de aproveitar, de sorver todos os momentos.
E nesta época do ano como é bonita a Natureza!...
Nesta manhã de sol olho pela janela e vejo as gotas de água da orvalhada da noite que se desprendem das folhas da buganvília e recordo outras lágrimas de saudade, porque a Morte ao interromper os sonhos da vida de quem partiu, deixou uma sofrida saudade nos que ficaram.
«Devem chorar-se os homens à nascença e não quando morrem», escreveu alguém. Mas, muitas vezes, é difícil conter as lágrimas, mesmo sabendo que elas nada remedeiam, nada alteram. Mas elas são, nesses instantes, além de um desabafo, uma espécie de lenitivo, um bálsamo que suaviza essa dor pungente que rasga a alma, e que só o tempo faz desaparecer. Lágrimas – gotas de água que tantos significados podem ter!
Estou a lembrar-me, a propósito, daquela versão do conto popular, da criança morta que voltou à Terra para pedir à mãe que não chorasse mais para que a sua mortalha pudesse secar.
sábado, junho 23, 2007
O QUADRO
Um quadro só sobrevive graças àquele que o olha”
Pablo Picasso
Pablo Picasso
Tinha já folheado quase todas as revistas que se encontravam sobre a pequena mesa e como geralmente acontece nestes locais, todas elas estavam fora de prazo. Todas antigas exceptuando a “Maria” que estava a ser lida e comentada em voz baixa por duas adolescentes. Éramos uns sete ou oito. Tentei meter conversa com o vizinho do lado, mas pelas respostas monossilábicas logo depreendi que era homem de poucas falas. E desisti.
A senhora encarregada das consultas que, a avaliar pela sua má disposição devia sofrer de disfunção hepática, anunciou, entretanto, que o senhor doutor estava atrasado e não sabia a que hora chegava… Sussurros na sala e uma adolescente que se entretinha a fazer bolinhas com uma pastilha elástica, enchendo-a e esvaziando-a com um frenesim danado, pegou na mochila, soltou um palavrão e ala moço…
E foi quando a seguia com os olhos que vi o quadro na parede. Grande. Talvez um metro de comprido por sessenta de altura. Bela moldura. Lá dentro muita flores que lembravam a Primavera. Um banco com dois velhinhos sentados separados por uma bengala. Num canto, fazendo sombra, uma árvore frondosa. E na árvore um ninho… e três biquitos amarelos, abertos, implorando comida. Atrás do banco uma espécie de fonte antiga – um sulco numa pedra por onde corria um fio de água.
O Sol espreitava no outro canto e um raio mais atrevido, como numa carícia, emprestava tons de prata aos cabelos brancos da velhinha.
Aqui e além pinceladas de azul. De um azul celeste, a contrastar com o verde das folhas. E flores, muitas flores – violetas, madressilvas, rosas vermelhas. E duas pombas, talvez um casal, a debicar à cata de alimento…
Apeteceu-me “entrar” no quadro e conversar com o casal, saber coisas das suas vidas e perguntar-lhes se aquele sorriso a transbordar de felicidade era mesmo deles…Não seria um “postiço” do pintor como acontecia com a ausência de rugas bem disfarçadas sob sábia combinação de tintas? E por que havia uma bengala a separá-los? Teriam tido filhos, netos?... Devaneio de pintor ou transposição colorida de uma realidade? Mistério que só autor saberia explicar… De repente, o quadro pareceu animar-se! Uma das pombas esvoaçou, a velhinha levantou-se, pegou na bengala e estendeu a mão ao companheiro para que se levantasse. Os passaritos continuavam de bico aberto esperando que os pais lhes trouxessem alimentos. A bica de água continuava a correr, o Sol nascente espreguiçava-se lá no canto e as flores pareciam tremular empurradas pela brisa branda e fresca de uma manhã de Primavera. O casal caminhava agora lentamente, e tive a sensação de que o velhinho, sorridente, me piscou o olho num mudo convite para os acompanhar… Só quando ouvi o meu nome “berrado” pela senhora que sofria do fígado é que dei conta de que estava só...
A senhora encarregada das consultas que, a avaliar pela sua má disposição devia sofrer de disfunção hepática, anunciou, entretanto, que o senhor doutor estava atrasado e não sabia a que hora chegava… Sussurros na sala e uma adolescente que se entretinha a fazer bolinhas com uma pastilha elástica, enchendo-a e esvaziando-a com um frenesim danado, pegou na mochila, soltou um palavrão e ala moço…
E foi quando a seguia com os olhos que vi o quadro na parede. Grande. Talvez um metro de comprido por sessenta de altura. Bela moldura. Lá dentro muita flores que lembravam a Primavera. Um banco com dois velhinhos sentados separados por uma bengala. Num canto, fazendo sombra, uma árvore frondosa. E na árvore um ninho… e três biquitos amarelos, abertos, implorando comida. Atrás do banco uma espécie de fonte antiga – um sulco numa pedra por onde corria um fio de água.
O Sol espreitava no outro canto e um raio mais atrevido, como numa carícia, emprestava tons de prata aos cabelos brancos da velhinha.
Aqui e além pinceladas de azul. De um azul celeste, a contrastar com o verde das folhas. E flores, muitas flores – violetas, madressilvas, rosas vermelhas. E duas pombas, talvez um casal, a debicar à cata de alimento…
Apeteceu-me “entrar” no quadro e conversar com o casal, saber coisas das suas vidas e perguntar-lhes se aquele sorriso a transbordar de felicidade era mesmo deles…Não seria um “postiço” do pintor como acontecia com a ausência de rugas bem disfarçadas sob sábia combinação de tintas? E por que havia uma bengala a separá-los? Teriam tido filhos, netos?... Devaneio de pintor ou transposição colorida de uma realidade? Mistério que só autor saberia explicar… De repente, o quadro pareceu animar-se! Uma das pombas esvoaçou, a velhinha levantou-se, pegou na bengala e estendeu a mão ao companheiro para que se levantasse. Os passaritos continuavam de bico aberto esperando que os pais lhes trouxessem alimentos. A bica de água continuava a correr, o Sol nascente espreguiçava-se lá no canto e as flores pareciam tremular empurradas pela brisa branda e fresca de uma manhã de Primavera. O casal caminhava agora lentamente, e tive a sensação de que o velhinho, sorridente, me piscou o olho num mudo convite para os acompanhar… Só quando ouvi o meu nome “berrado” pela senhora que sofria do fígado é que dei conta de que estava só...
sexta-feira, junho 08, 2007
segunda-feira, maio 28, 2007
O comprimido
O comprimido
Já muitas vezes aqui disse que é muito difícil encontrar assunto para estas minhas crónicas semanais. Não minto se vos disser que quando há temas pertinentes que desejo tratar mas que ultrapassam os meus parcos conhecimentos e requerem, por isso, apoio alheio, passo horas a folhear livros e a estudá-los procurando descrevê-los com a exactidão possível.
Acontece também que, algumas vezes, num percurso já avançado da pesquisa tenha de abandonar o assunto, porque a sua complexidade ultrapassa os limites do meu entendimento. Está assim explicado que quando não sei, a minha honestidade mental, aconselha-me a que não desperdice tempo e não ostente conhecimentos que não possuo.
Vem este intróito a propósito de uma mensagem que recebi há dias por correio electrónico com um nome de alguém que não conheço e que por isso não posso comprovar se quem a subscreve existe de facto.
Costumo, nestes casos, apagar e não me preocupar mais. Desta vez, porém, não aconteceu o mesmo e resolvi responder publicamente, na esperança de que quem a enviou, leia a resposta…
Entre muitas considerações em que os pontapés na gramática e os erros ortográficos, travam uma competição renhida em busca do primeiro lugar, e misturando graxa e ironia, “acusa-me” de algumas das minhas crónicas se assemelharem “às homilias do padre já velhote e antiquando” da aldeia onde nasceu “que no altar só fala em Deus e deixa o Diabo na sacristia…”
Acrescenta ainda irónico e em tom jocoso: “apesar de tudo gosto de o ler à noite, porque poupo um comprimido para dormir…”
Reli a mensagem, soletrei algumas palavras, pus ordem nalgumas frases, sentei-me e entretive-me a fazer, mentalmente, um retrato “robot” do fulaninho.
Não foi difícil chegar à conclusão de que deveria tratar-se de um desses doutores ou engenheiros de aviário, de um desses pseudo-intelectuais que esvoaçam por aí a abarrotar de empáfia e que vivem encaixilhados num desses lugares onde só têm assento os afilhados ou os protegidos da Nação.
Mas tem razão, o homem. Falo muito em Deus. E isso, porque vou buscar o que escrevo quase sempre à minha experiência da vida. E na vida vivida há sempre Deus por perto. Dêem-lhe o nome que quiserem, mas Ele está lá. Nos bons e nos maus momentos.
É curioso como passa despercebido falar-se de sexo, de obscenidades, de bacanais, e se é alérgico logo que se fala em Deus. E é também curioso que alguém se preocupe tanto com o que os outros pensam e se preocupe tão pouco do que Deus pensará a seu respeito!...
Mas gostei muito dessa do comprimido para dormir!... Espero que continue a tomá-lo. Não necessita de receita médica, não são conhecidos efeitos secundários e é ainda mais barato do que qualquer “genérico”.
Acontece também que, algumas vezes, num percurso já avançado da pesquisa tenha de abandonar o assunto, porque a sua complexidade ultrapassa os limites do meu entendimento. Está assim explicado que quando não sei, a minha honestidade mental, aconselha-me a que não desperdice tempo e não ostente conhecimentos que não possuo.
Vem este intróito a propósito de uma mensagem que recebi há dias por correio electrónico com um nome de alguém que não conheço e que por isso não posso comprovar se quem a subscreve existe de facto.
Costumo, nestes casos, apagar e não me preocupar mais. Desta vez, porém, não aconteceu o mesmo e resolvi responder publicamente, na esperança de que quem a enviou, leia a resposta…
Entre muitas considerações em que os pontapés na gramática e os erros ortográficos, travam uma competição renhida em busca do primeiro lugar, e misturando graxa e ironia, “acusa-me” de algumas das minhas crónicas se assemelharem “às homilias do padre já velhote e antiquando” da aldeia onde nasceu “que no altar só fala em Deus e deixa o Diabo na sacristia…”
Acrescenta ainda irónico e em tom jocoso: “apesar de tudo gosto de o ler à noite, porque poupo um comprimido para dormir…”
Reli a mensagem, soletrei algumas palavras, pus ordem nalgumas frases, sentei-me e entretive-me a fazer, mentalmente, um retrato “robot” do fulaninho.
Não foi difícil chegar à conclusão de que deveria tratar-se de um desses doutores ou engenheiros de aviário, de um desses pseudo-intelectuais que esvoaçam por aí a abarrotar de empáfia e que vivem encaixilhados num desses lugares onde só têm assento os afilhados ou os protegidos da Nação.
Mas tem razão, o homem. Falo muito em Deus. E isso, porque vou buscar o que escrevo quase sempre à minha experiência da vida. E na vida vivida há sempre Deus por perto. Dêem-lhe o nome que quiserem, mas Ele está lá. Nos bons e nos maus momentos.
É curioso como passa despercebido falar-se de sexo, de obscenidades, de bacanais, e se é alérgico logo que se fala em Deus. E é também curioso que alguém se preocupe tanto com o que os outros pensam e se preocupe tão pouco do que Deus pensará a seu respeito!...
Mas gostei muito dessa do comprimido para dormir!... Espero que continue a tomá-lo. Não necessita de receita médica, não são conhecidos efeitos secundários e é ainda mais barato do que qualquer “genérico”.
domingo, março 04, 2007
Coisas da minha arca
No tempo em que o volfrâmio era explorado em força cá pelas nossas bandas, contavam-se várias anedotas acerca do rápido enriquecimento de alguns indígenas. De todas as que corriam de boca em boca, uma ficou-me gravada na mente e recordo-a com frequência. Esclareço que naquela altura e nos locais e proximidades dos lugares de extracção do minério, não só era moda como também conferia uma certa importância ostentar, pendurada no pequeno bolso exterior esquerdo do casaco, uma caneta-tinteiro ou caneta de tinta permanente, como vulgarmente se dizia. Havia mesmo quem pendurasse três ou quatro bem alinhadas!
Contava-se então que um desses ricaços se dirigiu um dia a uma papelaria em Viseu e pediu que lhe vendessem uma caneta de tinta permanente, mas das mais caras – uma Pelikan em ouro... Essa marca era, na época, uma das mais conhecidas e reluzentes.
O dono do estabelecimento lá veio com vários estojos, onde repousavam vários estilos de canetas. O homem pegou numa, pegou noutra, mirou, remirou, lá se decidiu e comprou duas... Puxou duma nota de conto e com a bazófia própria dos novos-ricos, atirou do alto da sua "importância": - «Pode ficar com o troco...» O vendedor, habituado já às características esbanjadoras de tais clientes, arrecadou a nota mas, cumpridor do seu dever e para descargo da sua consciência ainda balbuciou: - «Vossência tem aqui papel para experimentar o aparo...» Ao que, prontamente, o volframista retorquiu já com os dois objectos a enfeitarem o bolsinho: - «Não vale a pena. Eu até nem sei escrever...»
Dizia eu no começo que esta anedota me vem à mente muitas vezes. O motivo que hoje a fez "ressuscitar" foi o facto de verificar, há dias, que a quantidade de percursores, de obreiros, de heróis, de analistas e de comentaristas, não pára de aumentar de ano para ano. Não há bicho-careta que não discorra e faça comparações entre a escravatura do antigamente e as liberdades da democracia!
E o que, na minha opinião, é mais flagrante e comprometedor para o futuro, é que essa cultura inculta começa a enraizar-se nas camadas jovens fazendo com que a soma de "analfabetos históricos" no nosso espaço político-partidário atinja já números bastante significativos. Criados em aviários, com a luz acesa toda a noite, tremonhas a abarrotar, bebedouros a transbordar, papo cheio, que mais é preciso para anquilosar o raciocínio? Não é a realidade histórica – porque é humana – equívoca e inesgotável?!...
Aos volframistas de canetas reluzentes dos meus tempos de miúdo, sucedem agora os "garimpeiros", versão começo-de-século, pseudo-detentores de toda a sapiência, enfarpelados a rigor, encadernados em potentes "máquinas", alguns comendo ainda à custa dos pais!
A única diferença entre os bazófias de ontem e os de hoje, talvez resida no facto de os primeiros não saberem ler nem escrever e os segundos serem letrados, embora haja muitos doutores analfabetos pelo meio…
O que me leva a crer que o futuro do homem do século XXI será sapientemente civilizado. E humanamente bárbaro…
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
quarta-feira, fevereiro 14, 2007
Resposta de Dom Afonso I
Cartas...
CARTA A DOM AFONSO HENRIQUES
Peço desculpa por vir incomodar Vossa Majestade e acordá-lo do sono em que mergulhou há quase nove séculos, mas com acontecimentos tão graves no Condado, achei por bem pô-lo ao corrente da situação.
Não tivesse havido aquele precedente de terem querido arrombar o mausoléu em que repousa apenas para tentarem reconstituir o seu perfil biológico e o seu código genético e saberem “coisas” sobre a estatura, os hábitos, a força, a alimentação, a cor do cabelo e dos olhos de Vossa Majestade, eu não ousaria perturbá-lo. Mas já que isso aconteceu, eu também ousei…
Está a decorrer cá no rectângulo um concurso para apurar quem teria sido o maior português de todos os tempos. Consta que incluíram na lista de partida cerca de cem concorrentes, sendo Vossa Majestade um deles. A certa altura, e por arte de berliques e berloques, a centena de candidatos ao título, ficou reduzida a dez!
Nesses dez, de que Vossa Majestade faz parte, há de tudo: poetas, navegadores, reis, diplomatas, um ministro do seu colega D. José I, um ditador e um dos seus muitos e encarniçados opositores.
Sucede que ultimamente correm vários boatos e até se diz, à boca pequena, que está a ser urdida uma conspiração visando postergar o nome de Vossa Majestade pondo-o em último lugar. E perante tanto desprezo e ingratidão eu revoltei-me. Será justo atribuir tal lugar ao nosso mais prestigiado Mata-Mouros, vencedor de Ourique e Fundador da Nacionalidade?
Mas as injustiças não se ficam por aqui. Saiba Vossa Majestade que centraram a escolha entre dois controversos concorrentes – um tal de Salazar, um ditador, uma espécie de fantasma, uma assombração de que todos têm medo e a quem uma escritora já apelidou de “cromo”, e um tal de Cunhal, um resistente ao “consulado” do atrás citado, mas do qual também se dizem cobras e lagartos!...
E foi ontem ao ver a apresentação de um resumo póstumo do reinado de Vossa Majestade – resumo muito mal “amanhado”e excessivamente folclórico, diga-se de passagem!... – que incluía, entre muitos outros feitos, batalhas “ao vivo” com Mouros que caíam como tordos no dia da abertura da caça que resolvi escrever-lhe. Bem sei que isto não passa de um desabafo, pois sem código postal duvido que esta carta lhe chegue às mãos…
Fica no entanto o meu testemunho e a minha grande homenagem ao Homem que nos legou este espaço rectangular que se dilatou, que deu novos mundos ao Mundo, mas que, infelizmente, foi encolhendo, encolhendo, até se transformar numa espécie de arena onde quase diariamente se realizam combates de galos de bela plumagem… mas sem crista!
E termino citando os versos de um poeta, seu companheiro de lista, Fernando Pessoa: Ninguém sabe que coisa quer. / Ninguém conhece que alma tem, / Nem o que é mal nem o que é bem. / Tudo é incerto e derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro. / Portugal, hoje és nevoeiro…
Peço desculpa por vir incomodar Vossa Majestade e acordá-lo do sono em que mergulhou há quase nove séculos, mas com acontecimentos tão graves no Condado, achei por bem pô-lo ao corrente da situação.
Não tivesse havido aquele precedente de terem querido arrombar o mausoléu em que repousa apenas para tentarem reconstituir o seu perfil biológico e o seu código genético e saberem “coisas” sobre a estatura, os hábitos, a força, a alimentação, a cor do cabelo e dos olhos de Vossa Majestade, eu não ousaria perturbá-lo. Mas já que isso aconteceu, eu também ousei…
Está a decorrer cá no rectângulo um concurso para apurar quem teria sido o maior português de todos os tempos. Consta que incluíram na lista de partida cerca de cem concorrentes, sendo Vossa Majestade um deles. A certa altura, e por arte de berliques e berloques, a centena de candidatos ao título, ficou reduzida a dez!
Nesses dez, de que Vossa Majestade faz parte, há de tudo: poetas, navegadores, reis, diplomatas, um ministro do seu colega D. José I, um ditador e um dos seus muitos e encarniçados opositores.
Sucede que ultimamente correm vários boatos e até se diz, à boca pequena, que está a ser urdida uma conspiração visando postergar o nome de Vossa Majestade pondo-o em último lugar. E perante tanto desprezo e ingratidão eu revoltei-me. Será justo atribuir tal lugar ao nosso mais prestigiado Mata-Mouros, vencedor de Ourique e Fundador da Nacionalidade?
Mas as injustiças não se ficam por aqui. Saiba Vossa Majestade que centraram a escolha entre dois controversos concorrentes – um tal de Salazar, um ditador, uma espécie de fantasma, uma assombração de que todos têm medo e a quem uma escritora já apelidou de “cromo”, e um tal de Cunhal, um resistente ao “consulado” do atrás citado, mas do qual também se dizem cobras e lagartos!...
E foi ontem ao ver a apresentação de um resumo póstumo do reinado de Vossa Majestade – resumo muito mal “amanhado”e excessivamente folclórico, diga-se de passagem!... – que incluía, entre muitos outros feitos, batalhas “ao vivo” com Mouros que caíam como tordos no dia da abertura da caça que resolvi escrever-lhe. Bem sei que isto não passa de um desabafo, pois sem código postal duvido que esta carta lhe chegue às mãos…
Fica no entanto o meu testemunho e a minha grande homenagem ao Homem que nos legou este espaço rectangular que se dilatou, que deu novos mundos ao Mundo, mas que, infelizmente, foi encolhendo, encolhendo, até se transformar numa espécie de arena onde quase diariamente se realizam combates de galos de bela plumagem… mas sem crista!
E termino citando os versos de um poeta, seu companheiro de lista, Fernando Pessoa: Ninguém sabe que coisa quer. / Ninguém conhece que alma tem, / Nem o que é mal nem o que é bem. / Tudo é incerto e derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro. / Portugal, hoje és nevoeiro…
sábado, fevereiro 10, 2007
Que pena!...
Segundo um jornal inglês, uma equipa de neurocientistas teria inventado uma técnica que permitirá descodificar e ler tudo o que se passa no cérebro e assim ter conhecimento das intenções das pessoas antes que elas as ponham em execução.
Os cientistas usaram um “scaner” de alta resolução que lhes permitiu a interpretação dos pensamentos da pessoa visada de acordo com as zonas do cérebro em actividade nesse momento.
Calculem o que ganharia Portugal com a aplicação desse método se os nossos políticos tivessem cérebro!....
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Os cientistas usaram um “scaner” de alta resolução que lhes permitiu a interpretação dos pensamentos da pessoa visada de acordo com as zonas do cérebro em actividade nesse momento.
Calculem o que ganharia Portugal com a aplicação desse método se os nossos políticos tivessem cérebro!....
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quarta-feira, janeiro 10, 2007
Mentirosos
Por mais que tente, não consigo refrear esta onde de revolta que me invade, cada vez que a hipocrisia dos nossos governantes ultrapassa os limites e colide com os mais elementares princípios da moral. Parece haver um prazer mórbido em levar ostensivamente à prática actos que mais não são do que verdadeiros atentados contra os que mais sofrem.
Não sei como se pode ser feliz quando, a nosso lado, e a todo o instante deparamos com seres desfigurados pela miséria ou quando ao dobrar da esquina quase tropeçamos num montão de cartões e farrapos que escondem um ser humano enregelado e faminto!
Num momento em que a luta contra a miséria deveria passar por uma cultura responsável, solidária, fraterna e de partilha com os que mais precisam e menos têm, assistimos precisamente ao contrário – à atribuição de verbas faraónicas àqueles que menos fazem, menos merecem, e mais têm...
Esta minha crónica de hoje e esta revolta, a propósito dos dois assessores do ministro Paulo Portas que desde Janeiro auferem um ordenado líquido de mais de mil contos!
Afinal, se estamos em crise, e é preciso apertar o cinto, quem deve dar o exemplo? Os idosos com pensões de trinta ou quarenta contos a quem ultrajaram agora com um mísero aumento de mil escudos?... Os velhos doentes, cuja pensão não chega para pagar a conta na farmácia?... Os que perderam o emprego, porque as multinacionais estrangeiras com a cumplicidade do Governo encheram os bolsos e foram repetir a proeza para outros "paraísos"? Afinal, quem esfrangalhou o país?... Quem contribuiu para que nos atascássemos no "pântano" até ao pescoço? Quem esteve na origem de todos os esbanjamentos de dinheiro, de todos esses desvios de fundos, senão os governantes, directa ou indirectamente?
Não quero, por uma questão de ética, dar uma imagem deprimente do pulsar político deste país. Ademais, é dever de quem escreve sensibilizar para o respeito e dignificação das autoridades, das instituições e das personalidades responsáveis pelos destinos da Nação. Também não quero generalizar as acções cometidas injustamente por alguns políticos, nem usar linguagem menos correcta para exprimir a minha revolta... Mas confesso que é muito difícil ficar calado perante tanta injustiça, suportar tanta demagogia e aguentar com serenidade as traquinices de certos políticos que elegemos, confiados que estávamos na sua maturidade e na assunção responsável dos actos que iriam praticar!
É difícil conter tanta revolta... Basta fazer contas. O ordenado mensal de um só assessor seria suficiente para pagar o aumento da pensão a mil cidadãos!...
É assim que respeitam os princípios da solidariedade que tanto apregoam? Mentirosos...
Não sei como se pode ser feliz quando, a nosso lado, e a todo o instante deparamos com seres desfigurados pela miséria ou quando ao dobrar da esquina quase tropeçamos num montão de cartões e farrapos que escondem um ser humano enregelado e faminto!
Num momento em que a luta contra a miséria deveria passar por uma cultura responsável, solidária, fraterna e de partilha com os que mais precisam e menos têm, assistimos precisamente ao contrário – à atribuição de verbas faraónicas àqueles que menos fazem, menos merecem, e mais têm...
Esta minha crónica de hoje e esta revolta, a propósito dos dois assessores do ministro Paulo Portas que desde Janeiro auferem um ordenado líquido de mais de mil contos!
Afinal, se estamos em crise, e é preciso apertar o cinto, quem deve dar o exemplo? Os idosos com pensões de trinta ou quarenta contos a quem ultrajaram agora com um mísero aumento de mil escudos?... Os velhos doentes, cuja pensão não chega para pagar a conta na farmácia?... Os que perderam o emprego, porque as multinacionais estrangeiras com a cumplicidade do Governo encheram os bolsos e foram repetir a proeza para outros "paraísos"? Afinal, quem esfrangalhou o país?... Quem contribuiu para que nos atascássemos no "pântano" até ao pescoço? Quem esteve na origem de todos os esbanjamentos de dinheiro, de todos esses desvios de fundos, senão os governantes, directa ou indirectamente?
Não quero, por uma questão de ética, dar uma imagem deprimente do pulsar político deste país. Ademais, é dever de quem escreve sensibilizar para o respeito e dignificação das autoridades, das instituições e das personalidades responsáveis pelos destinos da Nação. Também não quero generalizar as acções cometidas injustamente por alguns políticos, nem usar linguagem menos correcta para exprimir a minha revolta... Mas confesso que é muito difícil ficar calado perante tanta injustiça, suportar tanta demagogia e aguentar com serenidade as traquinices de certos políticos que elegemos, confiados que estávamos na sua maturidade e na assunção responsável dos actos que iriam praticar!
É difícil conter tanta revolta... Basta fazer contas. O ordenado mensal de um só assessor seria suficiente para pagar o aumento da pensão a mil cidadãos!...
É assim que respeitam os princípios da solidariedade que tanto apregoam? Mentirosos...
segunda-feira, janeiro 01, 2007
1 de Janeiro de 2007
Hoje, do ventre do tempo, nasceu um novo ano ! Ninguém pode dizer, com certezas, o que ele nos reserva.
Para mim e minha família, que ele seja, se não melhor, pelo menos igual a este que ontem terminou.
Projectos?... Não faço. O que peço a Deus?... Saúde, união na família e muita compreensão… e a continuação do mesmo carinho e atenção que temos recebido dos que nos são mais queridos.
Para mim e minha família, que ele seja, se não melhor, pelo menos igual a este que ontem terminou.
Projectos?... Não faço. O que peço a Deus?... Saúde, união na família e muita compreensão… e a continuação do mesmo carinho e atenção que temos recebido dos que nos são mais queridos.
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