No silêncio da noite
Na quietude da noite, tonalidade da música quase no zero, aqui estou a escrever sem saber bem por que o faço. Talvez pela necessidade de esvaziar esta arca velha, de desabafar, de fugir de mim mesmo, de me afastar daquilo que me rodeia, me incomoda, e criar à minha volta um mundo novo, tranquilo, sem pressas e sem competições.
Utopia?... Que o seja, mas sinto muitas vezes essa necessidade de reinventar esse outro mundo e esquecer aquele por que passei.
E nesse desejo, nessa ânsia, muitas vezes, sem me aperceber, esqueço-me de mim mesmo e invento outra personagem. Totalmente diferente. Uma silhueta, uma espécie de fantasma que pouco dura e que acaba por desaparecer submersa nas vagas da minha própria imaginação.
É difícil “fugir” da aparência, da fachada, da máscara com que disfarçamos uma felicidade que nunca atingimos. É sempre difícil se não impossível despir completamente a indumentária que vestimos ao longo de muitos anos.
E é também difícil localizarmos no nosso imaginário aquele momento mágico em que nos foi oferecida a ocasião de optar, de escolher o rumo certo, aquele que agora, depois desta longa distância percorrida, pensamos teria sido o ideal...
Mas será que alguma vez na nossa adolescência nos apercebemos desse momento enigmático, dessa encruzilhada de caminhos que a vida nos mostrou para podermos escolher o tal rumo certo?!...
É curioso como apesar de todos estes anos de peregrinação por este vale de lágrimas, esta ânsia de reinventar um outro caminho que não o percorrido, continue, de vez em quando, a atravessar-se no caminho dos meus pensamentos, colocando dúvidas e interrogações difíceis de satisfazer!
É curioso também que mesmo numa idade avançada se continue a sonhar e a ter pesadelos. Sobretudo pesadelos, porque os sonhos, quanto a mim, têm uma grande lógica interna e uma grande coerência interior. Eles permitem-nos, enquanto duram, alimentar esperanças e dão-nos também alento para reforçar a nossa auto-estima ainda que envoltos num manto diáfano e enganador....
É que todos nós temos virtudes e defeitos tornando-se por isso, e à medida que o tempo vai passando, mais importante consciencializarmo-nos da nossa imperfeição.
Bem sei que nesse turbilhão de ideias, nesse emaranhado de interrogações e sem possibilidade de voltar atrás, nos resta apenas dominar os sentimentos e substituir as tendências negativas pelas tendências positivas, lutando e, reeducando-nos para atingir a felicidade. Não a felicidade completa, mas aquele estado de alma que nos proporciona todos os dias a alegria de viver em paz connosco, sem ódios, sem remorsos, sem alimentar sentimentos de inveja pelo vizinho do lado, que é mais poderosos e rico.
Às vezes ando às voltas dentro de mim e, algum tempo depois, consciente de que por mais voltas que dê não encontro já a tal encruzilhada de que acima falei, tento recriar, baseado no passado, um caminho diferente. Porém, como o passado, não se refaz, não se recria, mas também não se pode abjurar, volto ao ponto de partida – às interrogações, às reticências e às vírgulas das várias situações por que passei. E é sempre com um sentimento de saudade que termino estas minhas incursões que muitas vezes faço a esse tempo longínquo embora por vezes me apareçam figuras monstruosas que se movem numa dança endiabrada como que atribuindo-me culpas de coisas de que já não me lembrava... Ou faço por não me lembrar.
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