domingo, novembro 04, 2007

Recordando meu pai

Duas datas numa lápide
De repente, sentimos que a noite se aproxima. O Sol desaparece por detrás da serra e os seus raios, de várias cores, pincelam o horizonte fazendo inveja aos mais célebres pintores!
A passarada procura os abrigos e, sopradas pela brisa fresca do anoitecer, as folhas rodopiam e caem das árvores formando no caminho um tapete de variadas cores.
É Outono!
Há ouriços no chão com castanhas a espreitar, há nozes escondidas nas ervas secas e aqui e além, no laranjal, um amarelo esverdeado de um fruto sobressai por entre as frondosas copas verdes. A groselheira, ramos vergados, carregados de frutos, em cachos, quase a tocarem na terra, parece querer rivalizar com o azevinho, também ele, mostrando os seus ramos crivados de bolinhas vermelhas.
É Outono!
Há um cheiro diferente no ar. O fumo das chaminés espalhadas pela aldeia anuncia que o frio já chegou. Abrandou a azáfama no povoado, fizeram-se as colheitas, descamisaram-se as espigas, secaram-se, guardaram-se nos espigueiros, cortaram-se as palhas, semearam-se as ervas, e agora é tempo de repouso.
É Outono!
Há magustos por todos os lados, começa a matança do porco, mas hoje foi um dia especial – dia de Todos os Santos, dia de romagem aos cemitérios. Velas, lamparinas modernas, coloridas, pois o progresso substituiu as vulgares velas de cera por canudos de cores diversas que deturpam um local que deveria ser de recolhimento e de simplicidade e o transformam numa feira de competições e vaidades.
Flores, muitas flores. Naturais, artificiais... mas quase todas compradas. As dos jardins próprios, juntos de casa, já não se usam e é de bom-tom dizer-se à vizinha o seu preço e quase sempre o local da compra.
E não há sepultura pobre, embora os restos mortais de muitos dos que nelas repousam o tivessem sido em vida. Pobres de tudo. Não só de comida, mas sobretudo de carinhos, atenções e de respeito.
E há lágrimas, muitas lágrimas. Umas de saudade, mas muitas também de remorsos do carinho que se poderia ter dado e não deu; do tempo que se poderia ter dispensado e não se dispensou; da paciência que se deveria ter tido, da companhia que se deveria ter feito, do simples sorriso que se não devolveu. E há também lágrimas fingidas…
Teríamos muitas surpresas se pudéssemos ler o que se passa no interior de muitos que no dia de hoje se alinham ao longo das pedras tumulares. Quantos não choram apenas e só para que os outros os vejam?
Quantos pensam que podem agora pagar, com flores, todas as faltas que tiveram para com os seus entes queridos, enquanto vivos?
“Flores e lágrimas são alívio dos vivos, mas não refrigério dos mortos” – disse Santo Agostinho.
E neste Outono, e neste dia, como é doloroso evocar alguém que não conhecemos em vida, mas cuja lembrança constantemente nos acompanha! É uma mistura de saudade tão pungente e de tristeza tão dorida que não se consegue explicar. Sente-se e connosco vive...até chegar também a nossa segunda data.

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