sábado, janeiro 02, 2016

"PORTUGAL, HOJE ÉS NEVOEIRO"


«Portugal, hoje és nevoeiro...»
«Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer-
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Portugal, hoje, és nevoeiro...

É a hora!»

Fernando Pessoa escreveu sob o título "Nevoeiro" o poema que acabais de ler. Li-o pela primeira vez, longe da Pátria, por altura do 25 de Abril de 1974, num livro enviado por um amigo que o sublinhou com tinta verde...
Reencontrei-o agora e voltei a lê-lo. E, coisa curiosa: talvez por obra do tempo... da tinta - verde que era - apenas uma mancha baça enquadra os versos!
Parece que é sina nossa. De tempos a tempos acreditamos ainda que D. Sebastião vai chegar rodeado por uma auréola de justiça.
Porém, os tempos mudaram! Os santos também fazem greve, acabaram-se os milagres, e Portugal continua a entristecer e...
«Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.»
Portugal é um país de resistentes e estas cogitações vêm-me à memória quando penso no país que nos querem impor... O povo sente-se desprotegido face a um Estado que tudo lhe exige e nada lhe dá em troca. No Portugal profundo, no país real, no interior, instala-se a desconfiança. Confrontada com tanta impunidade e tanta injustiça, esta gente simples não confia mais nos homens do leme. A tirania dos abutres abafa o grito dos pacientes que, apesar de tudo, ainda não perderam a fé. Mas a paciência vai-se esgotando e a revolta começa já a inflamar os mais pacíficos...
«Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Portugal, hoje és nevoeiro ...»

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