Papéis desbotados
Já
muitas vezes vos tenho aqui falado dela, da minha velha arca. De vez em quando
abro-a, remexo, folheio os papéis amarelecidos, e com as mãos também elas
envelhecidas, faço uma visita ao passado.
Alguns
livros por que estudei, lá estão como que a recordar esse tempo distante e
diferente – uns sem capa, outros com folhas descoladas ali dormem, assistindo às modernas reformas, indiferentes ao
correr do tempo misturados com papéis decrépitos, cheios de anotações e de
muitas rasuras feitas com lápis de variadas cores. \Às vezes, e porque já são
tantos, sinto vontade de rasgar alguns, de os queimar... Mas desisto sempre! Eles representam os meus (já poucos) cabelos brancos, as minhas rugas, as veias salientes das minhas mãos que o tempo tingiu de castanho-escuro. Papéis amarelecidos. Fotografias desbotadas. Cartas…
«Velhas cartas…Antigas confidências…
Recordações de tudo que se quis:
Que avivam do passado as ocorrências
- E a mocidade quanta coisa diz!...
Velhas cartas…
Desfile de sequências…
Devaneios que,
outrora, amando, fiz,Pois o tempo transforma em reticências
Palavra e gesto … o que me fez feliz!
Releio-as uma a
uma… Que ansiedade!
Adormecido mundo
que desperta,Que me envolve no manto da saudade.
E, hoje, minha
existência é tão deserta,
Que revejo o fulgor
da mocidade,Como se fosse a derradeira oferta.»
E são estes papéis sem cor – este amontoado de coisas velhas, essas sebentas rabiscadas, esse “querer” sem “crer” de outrora – que fazem com que, de vez em quando, ao sentir-me perdido e baralhado no meio de todo este turbilhão de loucuras e incertezas, me fazem subir as escadas, ir ao sótão, abrir a minha velha arca…e sonhar um pouco!
Não sou poeta, mas confesso que sou um pouco saudosista, na verdadeira acepção do termo. E as saudades são uma espécie de sonho, uma poesia abstracta... E para mim um sonho se não é poesia, é metade da realidade...
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