sábado, janeiro 02, 2016

FELIZ ANO NOVO


 

FELIZ ANO NOVO
Sincera ou hipocritamente, é de bom-tom, no começo de cada Ano, quer por intermédio de um postal, quer verbalmente, desejarmos uns aos outros, muitas felicidades e muitas coisas boas.
Não tenho dúvidas de que quando os nossos tetravôs criaram este hábito lhe tivessem vestido um manto branco, ornamentado com pérolas de pureza e de sinceridade. Não duvido...
Porém, à medida que os anos foram passando, as nódoas foram maculando a túnica e, de branco, de pureza, e de sinceridade, pouco ou quase nada resta. Aliás, o mesmo tem acontecido a muitas outras práticas antigas que se têm vindo a abastardar, desaparecendo depois, envoltas na poeira levantada pela correria desenfreado do progresso.
Mas apesar disso, e com a teimosia e desfaçatez que caracterizam o homem deste fim de milénio, e arrastados que somos, também, por essa onda que a todos envolve, continuamos a observar os mesmos ritos, num faz-de-conta muito bem conseguido, onde não faltam os escritos laudatórios, os sorrisos amarelos e as hipócritas e, por vezes, as bem assentes palmadinhas nas costas. Tudo exibido e exteriorizado num cenário a condizer, isto é: um cenário com pinceladas de falsa emoção onde não faltam salpicos de ironia, e uns borrifos de solidariedade à mistura. É assim que manda a praxe! Ou, dito por outras palavras, - e, se quisermos ir beber a inspiração à fonte inesgotável das acrobacias da política - é assim que manda "o tradicionalmente correcto".
Nesta época de transformações que estamos a atravessar, em que interessa mais mostrar o que queremos parecer do que aquilo que, na realidade, somos, nada melhor que esconder sob o manto espesso da hipocrisia a nossa verdadeira identidade. E daí esta febre de disfarçar com figuras e palavras a ruindade que nos vai na alma... FELIZ ANO NOVO!...
Frase e desejos que depois deste intróito um nadinha cínico, os leitores não vão aceitar com certeza. E têm razão. Aliás, "Em um Mundo tão avarento de bens, onde apenas se encontra com um bom-dia, ter obrigação de dar bons-anos, dificultoso empenho! E na minha opinião cresce ainda mais esta dificuldade, porque isto de dar bons-anos, entendo-o de diferente maneira do que comummente se pratica no Mundo. Os bons anos não os dá quem os deseja, senão quem os assegura. A quantos se desejaram nesta vida, a quantos se deram os bons anos, que os não lograram bons, senão mui infelizes? Segue-se logo, própria e rigorosamente falando, que não dá os bons anos quem só os deseja, senão quem os faz seguros..."
São palavras do Padre António Vieira proferidas no Sermão dos Bons Anos, pregado na Capela Real em Lisboa no ano de 1642. Não transcrevi o excerto acima, com o intuito de arranjar apoios ou desculpas para o que escrevi no começo. Se citei o nosso ilustre orador isso ficou a dever-se a uma pura coincidência. É que, presentemente, são "Os Sermões" que ocupam a minha mesa-de-cabeceira. E porque sou também um dos "infectados" com o vírus da síndroma do "tradicionalmente correcto", aqui reforço os meus votos. A vós, leitores, a escolha de os aceitarem ou não.

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