sábado, maio 23, 2015

OS LADRÕES DO MEU TEMPO



Penso que não há ninguém que, de vez em quando, consiga resistir ao desejo de revisitar o passado e recordar factos e figuras que dele fizeram parte.
Fiz há dias uma dessas viagens imaginárias e fui parar à minha aldeia. Numa das ruas mais antiga e por detrás de um espigueiro em ruinas, quem me salta à imaginação? O Bernardino…
O Bernardino era mais ou menos da minha idade. Só que mais forte. Corpulento, sempre risonho, era – usando a linguagem de hoje – um gajo porreiro.
Porém, naquela altura, a sua profissão já não era nada bem vista e o mais simples trabalho que fizesse trazia-lhe complicações. E ele, como todos nós, tinha de trabalhar para comer. E trabalhava dia e noite. Mas mais de noite…
Nos intervalos, nos momentos livres, dormia em qualquer sítio: no vão de uma escada, numa casa abandonada ou num palheiro. Todos esses lugares lhe serviam. Não gostava do barulho. Adorava o silêncio e era um acérrimo defensor do escuro.
Para executar as suas tarefas, usava as mais rudimentares ferramentas e arrostava os maiores perigos. Além disso não tinha sindicato que o defendesse, não tinha direito a férias, e nessa altura também ainda não existiam os subsídios dos malandros, nomeadamente o Rendimento Social de Inserção.
Por vezes eram todos contra ele: a população, os polícias… e até a Justiça, que já naquela altura nada tinha de imparcial. Defendia ferozmente os “clientes” visitados e condenava sempre o visitante – o Bernardino. E foi a pensar nele, com um pé no começo do século vinte, (altura em que ele exerceu a sua actividade) e outro neste, em que estamos, tentei imaginar como seria o Bernardino de hoje, o Bernardino versão moderna, século vinte e um!
E então, imaginei-o sentado ao volante de um “topo de gama”, bem vestido, rolando pela auto-estrada, telemóvel colado ao ouvido e sorriso nos lábios…
Um Bernardino à la page – sem gazua, sem pé-de-cabra, sem escada de corda e servindo-se apenas da ferramenta que usam agora os da sua profissão – uma simples esferográfica!
Como as coisas mudaram, como os métodos evoluíram e quão bonito é o progresso. Que aconteceria ao Bernardino se hoje fosse possível ressuscitá-lo? Quem sabe se não seria condecorado pela sua “honestidade”?
 Ah!...Esquecia-me de vos dizer que num dia em que o “trabalhinho” não correu bem, o Bernardino foi preso e condenado a muitos anos de prisão, que teve de cumprir integralmente numa enxovia húmida e sem luz. Como eram pobres e mal compreendidos os ladrões do meu tempo!...












 

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