sábado, maio 09, 2015

DO TEMPO QUE PASSA

 
 Sempre gostei muito de ler. Houve um período na minha vida em que, além de minha mulher, a minha companheira favorita era a leitura. Não tínhamos vizinhos, vivíamos isolados em plena floresta tropical numa casa coberta com colmo e rodeada de seringueiras e cafezeiros.   
Do Mundo, as notícias chegavam-nos através da Rádio na banda das “ondas curtas” que por vezes se tornavam “curtíssimas”, pois a audição era péssima.…
Não tínhamos luz eléctrica e às seis da tarde a noite caía. Havia, por isso, necessidade de ocupar o tempo – as longas noites de África. A leitura era o nosso refúgio. À luz da “Coleman” ou da “Petromax”…
Em 1951 entrei para o «Clube do Livro» da Bélgica, e de mês a mês lá chegava o barco com os víveres, as cartas e os livros!
E, como costuma dizer-se, “devorava-os”! Tomava notas. Exprimia a minha opinião, a lápis, nos espaços em branco. Ora concordava com as ideias expressas, ora era contra. Já nesse tempo fazia parte dos que apadrinham o conceito de que um livro tem sempre dois autores: o que o escreve e aquele que o lê. Nalguns, as minhas notas quase faziam desaparecer algumas das frases do autor. Infelizmente, quase todos foram queimados aquando do despertar dessa onda de “liberdade” que varreu o Continente negro na década de sessenta. 
Há dias, encontrei na minha estante, um dos que escapou à fúria dessa turbamulta: «Les Saints vont en Enfer», de Gilbert Cesbron, escritor francês. Foi o primeiro que encomendei, e que motivou esta minha crónica de hoje. Um livro que gerou bastante polémica nesses longínquos tempos, mas que acabou por se afirmar e se tornar uma obra de referência do escritor.
E é, porque, o seu conteúdo tem muito a ver com o que penso e com a minha maneira de estar na vida, – sobretudo quando denuncio injustiças e defendo o povo do qual, honrosamente, faço parte, – que traduzi, à intenção dos leitores, um pequeno excerto, que é uma espécie de premonição dos tempos em que vivemos: «Eis um livro que vai desagradar a muita gente. Mas será que a prudência é, ainda, uma virtude? Num mundo em que aqueles que falam a mesma língua não se conseguem fazer perceber sem um intérprete; num tempo em que os mediadores são assassinados e a honra esquartejada, eu não quero ser de nenhum partido. O que vi entre os seus membros é mais do que suficiente para que tome esta decisão. Assim eu nunca deixarei a mão dos homens no meio dos quais eu cresci….»
Esses homens que, sozinhos, sem quaisquer ajudas, percorreram os escuros caminhos da vida, lutaram, enfrentaram ventos contrários, mas que são livres, porque não devem a ninguém, aquilo que são e o pouco que têm. 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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