Ao
folhear as páginas amarelecidas dos arquivos da minha memória, misturam-se
recordações de vários Natais.
Na
primeira, quase ilegível, surge o Natal da minha infância, com noites escuras e
frias. Parece que ainda ouço o matraquear dos socos e tamancos na calçada a
caminho da Missa do galo na pequena Capela, sem árvore de Natal, mas cheia de
gente, numa mistura de surrobeco, xailes e capuchas. No ar o cheiro do incenso
e, no altar, deitado numa simples almofada, o Deus Menino, risonho, faces
rosadas, braços abertos, com os dedos dos pés já gastos de tantos beijos...
Os
cânticos entoados com devoção e fervor, sem instrumentos musicais, o regresso a
casa, descendo a correr a escaleira de lousa que levava à capelinha. E já em
casa, abrigado do frio, à lareira, a minha alegria, ao ver os pinhões que saíam
das pinhas postas à beira do brasido entre panelas de ferro e a trempe que
sustentava a sertã onde minha Mãe fazia as filhós!
Os
brinquedos, quando os havia, eram pobres, quase todos saídos da marcenaria de
S. José. Eram de madeira, mas tanta alegria que proporcionavam! A avaliação da
riqueza depende da inocência de quem a recebe. E a felicidade varia conforme a
humildade.
Natais
da minha infância, já tão longe, mas ainda tão presentes. Natais da minha
infância, dos brinquedos de madeira, dos carrinhos de lata, das caixas de lápis
de cor...
Natais
da minha infância!.. Natais sem presentes. Natais pobres de brinquedos mas tão
ricos de significado e calor. Natais que permanecem vivos e saudosos até que a
morte os reconstrua do lado de lá da vida.
Outros
Natais estampados nas folhas desbotadas são aqueles que passei longe da
terra-mãe, da família, e dos filhos.
E
um deles, – o mais triste dos meus Natais – passado sozinho, na solidão dos
trópicos, longe de tudo e de todos.
Todo
este arrazoado, como já devem ter percebido, para desejar um Bom Natal a todos.
A
todos, mas em especial àqueles que lá longe, uns com alguma família, outros
sozinhos, como eu em tempos, lutam por uma vida melhor e passam esta noite,
este dia, recordando a família e a terra natal.
Uma
noite e um dia cheios de felicidade, um dia bem vivido, um dia em que cada um
se sinta feliz consigo, com a família e com aquilo que possui. Mesmo que seja
pouco. A felicidade não decorre de possuir, mas de compreender.
Ao
menos uma vez por ano, é bom que façamos uma pausa para despertar o sentimento
de fraternidade - esse sentimento tão nobre, mas cada vez mais esquecido. Esse
sentimento imprescindível para que na terra haja paz entre os homens de boa
vontade.
Feliz
Natal para todos vós!
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