O tempo, apesar de ser um grande
escultor, nunca volta atrás para fazer retoques ou modificar seja o que for na
obra que esculpiu. No entanto, confesso que embora o "passado" seja
para mim um ponto de referência, também não gostaria de voltar a vivê-lo.
No interior daqueles que chegaram a
homens sem nunca terem sido meninos, há marcas do passado que jamais se
diluirão e que acabam, mais tarde, por servir de lenitivo, de compensação e até
de refúgio, sejam quais forem os sobressaltos e os desencontros das nossas vidas.
Por mais que queiramos não conseguimos nunca apagar esses traços, essas pegadas
que marcaram o começo da nossa existência. Há sempre um episódio que perdura
eternamente - uma vontade insatisfeita, uma aspiração que realizámos, um
castigo injusto, uma paixão infantil, um sonho que se desfez e muitas
esperanças também!
E é quando a caminhada já vai longa,
quando a intensidade das paixões diminuiu, quando as horas deixaram de nos
escravizar e as modernas encruzilhadas da vida nos confundem, é então que
procuramos o tal refúgio. E nele reflectimos, meditamos, analisamos e, quase
sem querer, voltamos atrás e recordamos...
E é nesses momentos mágicos, quando o
silêncio impera e refreia o pensamento, que a imaginação, à rédea solta, viaja
no tempo, segue as pegadas e perde-se no sótão poeirento das nossas memórias...
Mas nem sempre o reencontro com o
passado é pacífico. A vida não volta à infância e muitas vezes as lutas que
interiormente travamos por querermos adaptar as aivecas do antigo arado à
moderna charrua do tractor, só nos trazem desgostos e frustrações. São lutas
inglórias...
É que a diferença entre os marcos de
pedra do passado e as balizas electrónicas do presente é abismal. Incomensurável!...
Protagonista dessas pelejas, muitas
vezes, mesmo antes de começar, deponho as armas, tão diferentes se me afiguram
os métodos do combate e as armas do "inimigo"!
Ademais, não se pode parar o tempo.
Temos de viver uns com os outros e é difícil escapar às atmosferas sociais do
tempo que passa. Sem renunciar ao passado, tento ser homem do presente. Mas
sempre com a aldeia de antigamente a pular-me no coração. Aquela aldeia de
olhos postos em Deus, em que se fechava um negócio com um aperto de mão e uma
palavra de honra. Foi nesse mundo que me fiz homem, que aprendi a partilhar,
que aprendi a cumprir a doutrina da solidariedade, do respeito mútuo, da lei da
honra. Ali interiorizei para sempre o valor da amizade e a cultura dos
princípios da moral sem necessidade de folhear volumosos livros nem estudar
complicados tratados de filosofia política ou outra. E agora, que a embarcação
começa a desmantelar-se, agarro-me aos pedaços que resistiram às tempestades e
vestindo o colete da Fé, tento manter a rota neste mar alteroso e traiçoeiro em
que vivemos.
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