Não
reconheço, a quem nunca viveu em África, autoridade e conhecimentos suficientes
para dela falarem. E isto, porque é muito difícil, e para muitos até
impossível, entrar na
mentalidade dos seus habitantes, mesmo até depois de uma convivência de anos.
Muitos
dos que escrevem, esquecem-se, (ou não sabem) que a descolonização tentou impor
à nova África, "um nacionalismo sem Nação", quando é a tribo, e não a
nação, que constitui a célula base da vida africana.
A
título de exemplo, aquando do conflito, há alguns anos, entre o Ruanda e o
Zaire, e muito embora nós chamemos os opositores de ruandeses e zairenses, o
certo é que na intimidade das suas aldeias eles sentem orgulho de pertencerem,
antes de tudo, às suas respectivas e inúmeras tribos de origem. E assim, o que
designamos por uma guerra entre paises, é , na realidade, uma guerra entre
tribos rivais. O que é muito mais trágico e, por que não dizê-lo, de solução
quase impossível.
Todos
nós sabemos que as fronteiras coloniais nunca foram fronteiras naturais, tendo
sido estabelecidas pelo simples entendimento entre as nações europeias
adoptando os critérios da divisão do bolo, portanto, com limites falsos. E foi
assim que se pretendeu fazer viver em comum povos que nem a raça, nem a língua,
nem a religião, nem os interesses, predispunham a pertencer ao mesmo Estado.
Houve mesmo fronteiras ditas naturais que separaram os próprios irmãos, como os
Somalis, submetidos durante anos a cinco domínios: o italiano a Mogadíscio, o
britânico em Berbera, o francês em Djibouti, o etíope em Ogaden, e a queniana
no Oeste. O Zaire não escapa também a esse fenómeno, e as várias convulsões por
que tem passado são, -com a ajuda de interesses externos, complementados pela
ambição desmedida dos novos mandantes, fruto da passagem rápida e sem transição
da era da zorra à do avião - motivadas, em grande parte, por questões tribais
transmitidas de geração para geração. O genocídio está em vias de ser
considerado uma prática comum...
Não
resisto a citar o poeta ugandês Okot Bitek: "O rio de sangue que a África
verteu depois das independências, é mais largo e mais longo que o poderoso
Nilo. Os refugiados africanos são tão numerosos como as nuvens de gafanhotos.
As nossas prisões estão a abarrotar de presos políticos..."
Tudo
isto para concluir que vem longe o dia em que todos os habitantes e em especial
as crianças, possam usufruir do bem-estar, da tranquilidade e da paz que alguns
homens, desconhecedores da realidade do Continente Africano, prometeram a seus
pais, há mais de cinco décadas.
Lembrei-me
deste texto que escrevi em 1997 e que
foi traduzido para neerlandês e publicado
em 1997 no semanário belga “Delta” ao ler há dias o apelo de D. François Xavier
Maroy Rusengo, arcebispo de Bukavu, que de visita a Portugal, pediu que
rezassem pela paz na Republica Democrática do Congo. Um País que 53 anos depois
da independência continua a ser palco de guerras, de mortes, de violações e de
lágrimas. Um exemplo de como a impunidade transforma um País rico num rio de
sangue.
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