sábado, abril 04, 2009

Morra Marta, morra farta...


Edição n.º 937 de 02 de Abril de 2009

Embora nunca vos tenha dito declaradamente, já devem ter percebido pelos meus rabiscos, que já cá cantam uns bons anitos!
Imaginem que já venho de tão longe que os primeiros passos de dança que dei, foi ao som de uma grafonola!... Sou ainda do tempo das sardinhas em salmoura, dos feijões cozidos e temperados com azeite, do presunto curtido na salgadeira, da genuína broa de milho, das sopas de "cavalo cansado", do vinho tirado do tonel e tapado com o espicho, etc., etc.,... E sou também daquele tempo em que ainda não existiam esses locais a que puseram o nome de Centros de Saúde, mas onde só vão doentes… e de véspera para serem atendidos. Não é que nesse tempo não houvesse doenças. Havia, evidentemente, mas os doentes eram mais "sãos"!...
Há dias, quando ouvi dizer que o Governo ia tratar da saúde aos indígenas cá do rectângulo cortando no sal do pão, lembrei-me da conversa que o meu vizinho Agapito – um homem mais ou menos da minha idade, mas com muito medo de morrer – teve com um discípulo de Hipócrates, a quem agora chamam de médico de família. É ele a contar: «Logo à entrada, mal me sentei, ele disparou:
- «Então de que se queixa?» – «Olhe, Dr., praticamente de nada, mas como ouço dizer a toda a hora que é preciso fazer atenção com o que se come!... Agora, por exemplo, fala-se muito no sal...» – «O sal? É a pior droga existente sobre a terra. Veja os gordos, os cardíacos...» – «Mas Dr. uma omeleta sem sal... – «Omeleta! Nem fale em ovos, homem! Olhe o fígado, o aparelho digestivo...» – «Mas Dr.... digestões difíceis só quando como carne de porco...» – «O quê?!... Você come carne de porco? Você não sabe que os nitritos são tantos nessa carniça que podem levar um cristão directamente à cova sem passar pela Igreja?...» – «Nesse caso, Dr., um bife com batatas fritas...» – Abrenúncio! Ó homem você s'tá doido! Não ouve falar em hormonas, não se lembra das vacas loucas?!... Batatas fritas, disse você? E as gorduras saturadas, os pesticidas, os conservantes...» – «Resta-me então o frango...» – «Alto aí, amigo! Esse galináceo tem ainda mais química do que o animal; é como uma espoja a absorver os venenos que lhe põem nas tremonhas...» – «Quer dizer que só o peixe, Dr.?...» – «Qual quê? Nunca ouviu falar na poluição do mar pelos petroleiros, nos esgotos que para ele correm? E o mercúrio?!... Comer peixe é como suicidar-se trincando termómetros, homem!...» – «Ouça Dr.: Sabe o que vou fazer? Comer apenas pão com manteiga...» – «Então experimente e verá!... Com a farinha actual que é um pó indigesto e a manteiga que é colesterol no seu estado mais puro, você mal se precata, dá dois saltos e é um homem morto!...» – «Quer dizer que nesse caso só me resta o ar...» – «E mesmo assim só o ar do campo, meu caro amigo... O da cidade, com os gazes dos escapes dos carros, os fumos tóxicos das fábricas, o enxofre...» E aqui eu explodi: - «Vá p'ró raio que o parta seu esculápio de uma figa! Eu cá vou ingerir nitritos, hormonas, mercúrio e todos esses venenos que diz existirem em tudo o que sabe bem. Vou consolar – me ouviu?... Vou consolar – me. Passe bem. Levantei-me e deixei-o a esbracejar...»
Alguns dias depois deste desabafo encontrei o Agapito num restaurante, numa encarniçada "luta" com um valente cozido à portuguesa. Esqueceu os nitritos, as hormonas, e toda a química existente em tudo o que agora se come.
Aliás, como nós, os amantes da boa mesa, fazemos. Nada de comidas plastificadas. E isso na minha “insuspeita” opinião, porque morrer por morrer, antes com a barriga cheia. Morra Marta, morra farta, como diz a velha máxima.

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