Não é fácil encontrar assunto para,
semanalmente, preencher o espaço que me é concedido. Ou melhor dizendo:
assuntos há, e muitos!.. Só que, escrever simplesmente para ajudar a encher a
página, abordando temas que, por vezes, nem dominamos, é caminho pelo qual não
gosto de enveredar. E foi por isso que recorri à minha velha arca de que já vos
tenho falado.
Desta vez veio-me à mão um disco antigo
ainda em vinil. Riscado já. Na capa um homem de forte estatura, enormes
bigodes, empunhando uma viola – Georges Brassens, um cantor compositor dos anos
50/60, muito contestado e cujas canções foram consideradas escandalosas pela
burguesia francesa de então. Não sei se entre os meus leitores haverá quem se
lembre de algumas delas e que escandalizaram a França: Le Gorille, Le Pornographe du Phonographe, Les amoreux qui ecrivent sur l'eau, La
Mauvaise Herbe, etc. etc. são algumas das que deram muito que falar...
«Desmistifica, desintoxica, e é o
inimigo de uma sociedade inimiga do homem. Quem não gosta dele, traiu ou
participa. Viva Brassens!...» – diziam uns, «Tudo o que canta é absurdo ou
imundo. O seu êxito é um desafio ao bom senso e ao bom gosto...», contrapunham
outros.
E todos, afinal, tinham razão, porque de
todas essas diferenças, nasceu o mito Brassens. As notas que tomei na altura, –
já bastante desbotadas – dizem que a sua figura de lutador e as suas canções de
revolta e sarcasmo, escondem um fundo de angústia e desilusão. A sua adesão ao
movimento anarquista e a sua ânsia de se cultivar através de exaustivas
leituras explicam, talvez, as duas facetas do homem – um homem cada vez mais
só. Família, credos políticos e religiosos, ele tudo despreza. Tudo recusa. E a
violência da sua revolta é tal que a todos ataca. O mais violento vocabulário é
para ele uma necessidade. É preciso chocar, testemunhar, escandalizar porque
sem escândalos as pessoas conservam a sua pacatez e o agitador que as espicaça
não teria razão de ser. Para conseguir dar um significado mais puro às palavras
da tribo, é necessário desvendar o seu significado impuro. Brassens empenhou-se
nessa tarefa e talvez sem o pensar operou uma revolução na arte, ao denunciar
os falsos valores e as hipocrisias da sociedade, que se escondem sob uma
canção.
Muito mais haveria a dizer, sobre esses
homens da canção que pela sua irreverência, pelas suas "provocações",
mas também pela sua ousadia e pelo desprezo por si próprios, enfrentaram os
poderosos, fazendo com que muitas injustiças fossem atenuadas. Quedamo-nos no
entanto por aqui, recordando as estrofes de uma das suas canções, cuja mensagem
filosófica está ainda actualizada e merece reflexão: Les hommes sont faits, nous dit-on, / Pour vivre en band' comm'
les moutons. / Moi, j' vis seul e c'est pas
demain / Que je suivrais leur droit chemin.
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