Esta manhã, quando cortava
a barba, vi, de repente, uma cara que eu conhecia de qualquer parte e que me
fitava ainda com os olhos ensonados. - «Mas eu conheço-te...» - disse baixinho
cá pra comigo não fosse minha mulher ouvir e pensar que eu começava a tresler
logo no começo do dia. Depois, com calma, arregalei os olhos e surpreso, mas
sorridente, fixei a imagem. E então o espelho reflectiu uma cara ensaboada, o
braço no ar e a máquina de barbear parada junto ao nariz. Era eu!...
E sorri. E ao sorrir,
as rugas do rosto fizeram-se mais notadas, e os olhos humedeceram-se levemente.
E numa espécie de diálogo virtual com o espelho, interpelei a imagem. E como
num rosário, - rosário da vida, com estações e mistérios – lá fomos desfiando
as contas já puídas pela erosão do tempo, e já desbotadas pelos sóis que as
alumiaram, e que depois as escureceram: - emoções, anseios, alegrias,
tristezas, esperanças, desilusões, de todos os ingredientes de que é feita a
vida, elas tudo guardam. São símbolos vivos de muita coisa que já morreu!
Perdido nesta
divagação íntima e silenciosa, deixei que a lâmina penetrasse mais fundo na
pele. E voltei à realidade, regressei ao Presente. A imagem que o espelho
reflectia era já diferente. Era a actual. Uma cara enrugada e carrancuda.
Apenas uma réstia de um sorriso antigo tinha ficado esquecido no canto do
olho...
O tempo não pára! E é
talvez por isso que a nossa convivência com ele nem sempre é pacífica. Por
vezes o relacionamento torna-se mesmo difícil. Sobretudo, quando na esperança
de o fazermos parar, o corpo nos atraiçoa, reavivando as marcas que a passagem
dos anos deixou.
Espelho meu, espelho
meu... O tempo não pára! Os anos passaram a correr e, a certa altura, é preciso
assumir, com coragem e resignação, os estragos que eles deixaram na sua
passagem.
Envelhecer é uma
arte. E, como todas as artes, é preciso cultivá-la. Gostar dela. Admitir as
suas limitações e brincar com elas. Cada idade tem os seus encantos. O que
acontece é que muitas vezes não os sabemos procurar. Sucede também que, ao
afirmarmos tudo saber pela experiência adquirida, cavamos um fosso à nossa
volta. E somos rejeitados. As novas gerações são avessas a conhecimentos
baseados na prática e na experiência. É a teoria que impera. Não adianta remar
contra a maré...
Envelhecer é uma
arte. E nesta sociedade materialista em que vivemos ou a cultivamos e a
renovamos constantemente, evoluindo e adaptando-nos aos novos ventos que sopram
ou corremos o risco de cair no isolamento - essa ilha perdida no mar imenso que
é a indiferença!
A boa disposição e o
bom humor são ajudas imprescindíveis. Não esqueçamos que o riso é como o limpa
brisas do automóvel: - mesmo sem conseguir parar a chuva, ele permite que
continuemos a viagem...
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