domingo, agosto 24, 2014

MEMÓRIAS

Ontem andei pela parte antiga da minha aldeia. Fui revisitar o bairro que, antigamente, era habitado pela “nobreza”, por gente rica que detinha o “poder” e a quem todos tiravam o chapéu.
E ali me quedei olhando aquelas casas, aquelas paredes velhas, aqueles telhados em ruínas, aqueles portões ferrugentos e aquelas árvores antigas.
Há bem pouco tempo a palmeira da minha juventude ainda lá estava. Teimosa, já quase sem ramos, ela ali se mantinha a desafiar o tempo, como que a atestar a antiguidade e o simbolismo do famoso largo.
Recordo ainda as variadas cores das flores das cameleiras que espreitavam por detrás dos altos muros da quinta, enfeitados, na Primavera, pelos rendilhados de flores das glicínias! …  
Mesmo ao lado, a Farmácia… E lá “estava” o farmacêutico, amante da caça e sábio apicultor, rodeado de frascos com rótulos em letra barriguda, alinhados em prateleiras de armários envidraçados. 
Um balcão carunchoso, uma balança da época e um cepo de madeira, esburacado, onde se anichavam os pesos.
Ao lado, um almofariz, alfaia essencial para misturar e triturar os ingredientes que o médico tinha rabiscado na receita. Frasco daqui, frasco dacolá, pó deste, mais pó daquele, pesa, junta, tritura, mexe… e receita aviada!
Ainda não existiam os antibióticos, as penicilinas e outros que tais e, por isso, todos os medicamentos eram “sãos”: além dos preparados, as papas de linhaça, os sinapismos, os xaropes de fabrico caseiro, eram os remédios mais usados naquele tempo!...
Mas havia menos doenças. Era raro ver-se por aqui o médico. E quando vinha era um acontecimento que atraía toda a pequenada da povoação. Todos iam vê-lo chegar no seu automóvel, “coisa” rara naquele tempo. Quando o chamavam para uma povoação na Serra, como não havia caminho próprio, traziam um burro ou um cavalo para o levar…
Outra rua ali. Antiga, estreita, feita à medida dos carros de bois e que vai até à velha escola. A minha escola. Em tudo diferente da escola de hoje. Mais austera, mais exigente, mas (que me perdoem os mestres de agora…) talvez mais escola no que à língua materna diz respeito.
Olho agora em frente. A Igreja e o casario moderno. E tudo muda. Casas novas que contrastam com as velhas aqui ao lado. É quase como que uma ruptura com o passado. São casas novas, ainda sem uma história como a daquelas que lá no Fundo da Rua, aos poucos, se vão desmoronando.

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