Há
dias, quando procurava assunto para preencher o meu espaço semanal, deparei com
uma passagem de um texto de 1870, das Farpas,
que acho ser o espelho desta realidade que estamos a viver. Ora leiam:
«O
influente ordinariamente é proprietário; foi cavador de enxada, enriqueceu, tem
ambições, quer ser da junta da paróquia, da junta dos repartidores e mais
tarde, num futuro glorioso, vereador! Já não usa jaqueta nem tamancos. Tem umas
casas pintadas de amarelo, um par de luvas pretas e fala na soberania nacional.
Na véspera das eleições todos o vêem montado na sua mula, pelos caminhos das
freguesias ou, nos dias de mercado, misturado entre os grupos: fala, gesticula,
grita, tem pragas e anedotas. Dispõe de 200 ou 300 votos: são os seus criados
de lavoura, os seus devedores, os seus empreiteiros, aqueles a quem livrou os
filhos do recrutamento, a bolsa do aumento de décima ou o corpo da cadeia. A autoridade
acaricia o influente, passa-lhe a mão por cima do ombro, fala-lhe vagamente no
hábito de Cristo. Tudo o que ele pede é satisfeito, tudo o que ele lembra é
realizado. As leis curvam-se, ou afastam-se para ele passar. As suas fazendas
não são colectadas à justa: é o influente! Os criminosos por quem ele pede são absolvidos:
é o influente! Livra do recrutamento, pede baixas, solta presos, tudo se lhe
consente: é o influente! Se a lei proíbe os arrozais ele pode tê-los: é o
influente! Se há uma medida proibindo o porte de armas, ele é exceptuado: é o
influente! Só ele caça nos meses defesos: é o influente! Só a sua rua é
calçada: é o influente!
Se algum dia, leitores das Farpas,
encontrardes o influente, tirai-lhe o vosso chapéu: ele domina, e a sua
tirania assenta sobre a coisa que, apesar de ser a mais lodosa, é ainda a mais
sólida – a corrupção!»
Se mudardes os nomes, se actualizardes alguns vocábulos, se retocardes
o quadro com umas pinceladas de tecnologia, misturando um maior número de cores
partidárias, tereis à vossa frente a imagem da sociedade de hoje talvez mais
colorida, mas mais corrompida e mais acomodada do que a de 1870!...
O “influente” de hoje que dá por outro nome, mas que também não foi
cavador de enxada, nem usa jaqueta, nem tamancos, aí está, bem instalado, nas
mais diversas áreas da governação e afins…
Ao contrário de outras profissões, a dele não precisa de formação
profissional. Quase todos trocaram as suas vocações profissionais por uma mais
lucrativa e é por isso que a sociedade portuguesa está enxameada de mandantes
amadores, com predominância de gente arrogante, desconhecedora do país, desonesta
e incompetente.
Diz um provérbio chinês “que quando o peixe apodrece, a primeira
coisa a cheirar mal, é a cabeça”. Infelizmente e como é o caso da situação
vigente, os factos indiciam o seu alastramento a todo “o corpo.” Por mim, que
segundo as normas da modernidade já ultrapassei o prazo de validade, as consequências
pouco me afectarão. Mas os vindouros? Que País lhes deixaremos como herança?
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