Como
já vai longe o barco da minha infância! Mas lá dentro, agarrada ao homem de
barba e cabelos brancos, há ainda aquela esperança que nunca morre - é a
criança que pula, a criança que ri, a criança que sonha.
Comemorou-se
ontem o Dia da Criança. E talvez por isso esta minha necessidade de falar, de
brincar, de sonhar, de voltar atrás no tempo. E nem sei por que o faço. Talvez
a necessidade de confessar-me a mim próprio. Ou talvez a vontade de voltar a
sonhar, de tentar reviver esse tempo sem tempo, esse tempo sem passado nem
futuro... Esse tempo sem preocupações, sem medos, sem hipocrisias e sem temores. E nesta romagem de saudades "voltei" à escola, àquele edifício térreo que ainda existe e que é agora o "Jardim de Infância". Como tudo mudou - desde as brincadeiras, aos trajes. Desde a lousa, do lápis de pedra, ao papel A4 e às esferográficas!
E separado por um fosso de mais de oito décadas, emocionado, ali permaneci algum tempo enquanto, lentamente, a bobina do filme da vida ia rodando...
Entretanto,
um petiz, passou por mim a correr, pôs a língua de fora e fez aquele gesto do
boneco do fiado que se via antigamente em quase todas as mercearias das
aldeias. Fruto do tempo. Ou do progresso?!
Talvez as duas coisas. E impotentes para modificar seja o que for temos
de habituar-nos a esta "nova maneira de educar". Muito se fala das
chagas da sociedade actual: droga, prostituição divórcios, enfim, de todos
esses males que estão minar a célula familiar. Detecta-se o mal, mas não há
remédio para o erradicar. A "explosão" escolar que se verificou,
esbarrou não só com a carência de infra-estrutura eficientes na orgânica dos
respectivos serviços, mas também com a falta de recursos humanos. Daí este
"angustiante drama de quantidade" e o "pungente drama da
qualidade", como alguém já afirmou. E não se deve apenas culpar a escola.
O mal começa na própria casa, onde hoje, em muitos casos, se compram os filhos,
dando lhes tudo e, por vezes, até com bastante sacrifício. E entrou-se num
verdadeiro círculo vicioso donde não é fácil sair... Nesta divagação, meti,
talvez, a foice em seara alheia. Que me desculpem os "entendidos".
Foi apenas um desabafo. E voltemos ao começo. Durante todo o dia de ontem, por
intermédio da Televisão, chegaram a nossas casas, as imagens e os sorrisos
felizes de milhares de crianças. E, como disse, talvez daí o grito que acordou
a criança que dorme dentro de todos nós. Daí a vontade de inventar uma
juventude que passou, de sonhar os mesmos sonhos, de jogar a bola de trapos, de
roer uma maçã verde, de correr pelos campos, de fazer de pássaro, de avião…Mas
o tempo não volta atrás. E muito embora ainda ao leme falta-me a criança que
desafiava as marés. Muitas vezes nem marinheiro já sou.
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