Sempre
a mesma interrogação a agigantar-se… Valerá a pena continuar a expor
publicamente os receios que, interiormente, me atormentam face aos
acontecimentos deste nosso complicado quotidiano?
Valerá
a pena apontar e denunciar os males que corroem a nossa sociedade? Valerá a
pena, neste nosso pequeno mundo materialista e desumanizado, dominado pelo
egoísmo, pelo dinheiro, pela política e pelo futebol, denunciar injustiças?
Valerá
a pena falar de pobreza, de exclusão social, de irresponsabilidade, de
prepotência, de abuso de poder, de descriminação, de incompetência e de falta
de humanismo?
Valerá
a pena chamar a atenção dos que têm tudo, e convidá-los a partilhar as sobras,
com os que nada têm?
Valerá
a pena, ir aos livros já esfarrapados da minha Universidade, – que foi a da
Vida – folheá-los, e apontar exemplos, citar experiências, transcrever
capítulos inteiros de factos vividos em que o trabalho, a humildade, a
perseverança, o respeito, a educação e a honra foram os elementos criadores de
homens íntegros, responsáveis, cumpridores, amantes da Verdade, da Justiça e da
Moral?
Conseguirei
penetrar no coração empedernido dos que vivem em mansões onde nada falta, e
acordá-los, convidando-os a espreitar a miséria, o frio e a fome dos milhares
de homens mulheres e crianças que vivem ou que se escondem nas ruas, por vezes,
debaixo de um pedaço de cartão?
Valerá
a pena apontar como urgente e imperiosa a necessidade da conjugação dos
esforços de todos para uma total humanização nos sectores da vida nacional,
mormente na saúde, na justiça, na educação e na segurança social?
Serei
capaz de convencer os que mandam, fazendo com que exerçam o seu trabalho com
inteligência, humanismo, justiça e com espírito de isenção e partilha?
Valerá
a pena apelar aos que ocupam os mais altos cargos, aos que detêm o poder de
decisão para que saiam dos seus confortáveis gabinetes de Lisboa e venham até
ao País real, – não de fugida para inaugurar um chafariz ou um quilómetro de
alcatrão – mas com tempo suficiente para se inteirarem do difícil dia-a-dia de
muitos dos que neles vão votaram?!...
O
drama das democracias reside essencialmente na infidelidade aos valores
cristãos que lhes servem de alicerce. Presentemente, o que acontece é que
enquanto se valoriza o dinheiro, assiste-se à vertiginosa desvalorização da
honra e da moral. Daí estas minhas interrogações e, por vezes, a minha revolta
perante tanta injustiça, tanta falta de escrúpulos e, sobretudo, tanta falta de
seriedade e de vergonha.