quarta-feira, novembro 22, 2006

A MINHA ÁFRICA -(excerto4)

A segunda fuga

(...) Voltando ao voo Bansankusu-Kinshasa, dizia eu que o avião tinha baixado e que era possível, lá do alto, distinguir as cabanas das aldeias e ver o fumo que delas saía. Entre os passageiros encontravam-se missionários, freiras e outros civis, homens e mulheres. Já quase a chegar ao destino, um dos motores começou a "tossir", fez-se silêncio no interior do aparelho e um padre, desapertou o cinto de segurança, ajoelhou-se e começou a rezar... Ao contrário do que acontece hoje em quase todos os voos, nesse tempo e nas linhas aéreas do interior do Congo, não havia hospedeiras. Geralmente eram três os membros da tripulação – o piloto, um co-piloto (às vezes) e um mecânico. Por isso nesse momento de inquietação, não houve ninguém que viesse tranquilizar ou explicar o que se passava. Cada qual podia fazer a sua avaliação pessoal. Assim aconteceu e quase poderia garantir que não houve propriamente pânico. Depois de sair do inferno... é difícil ter-se medo... Entretanto, e com a hélice do motor direito "em bandeira", o avião adernou um pouco e foi baixando, baixando... e de repente o asfalto da pista à vista! Dois ou três solavancos, uma pequena derrapagem, uns ziguezagues e, por fim o deslizar sereno do avião em direcção à aerogare.
Como já o disse os pilotos eram experientes, mas acrescente-se que durante a minha permanência de 30 anos não se registou qualquer acidente com os aviões apesar dos rudimentares, podíamos mesmo dizer "artesanais", meios de navegação aérea. Muitos sustos é verdade, mas sem consequências de maior. Em viagens do interior para a capital ou vice-versa, quando passávamos a linha do Equador, raro era o voo em que não houvesse que contar. Muitas vezes era tal turbulência e os poços de ar, que todos os passageiros emudeciam. As trovoadas e as tempestades tropicais com chuvas intensas eram tão fortes, que o comportamento do avião era o de uma cadeira de montanha russa!... Muitas vezes, a chuva, juntava-se a nós, entrando pelas minúsculas frinchas das velhas carlingas...
De vez em quando o avião era desviado da sua rota porque era necessário ir buscar um doente a uma Plantação perdida na floresta e então aterrávamos em pistas cobertas de capim e era um "espectáculo" estranho ver as asas do bimotor a ceifar as ervas que encontrava na pista. Sucedia que os passageiros não eram informados da alteração da rota e podem adivinhar a sensação de medo quando se acendiam as luzes para apertarmos os cintos e de repente, pelas janelas, víamos os arbustos a serem degolados e o avião a rolar envolto numa nuvem de pó!... (...)

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