segunda-feira, novembro 20, 2006

A MINHA ÁFRICA -(excerto) - 3 -

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A LIGAÇÃO COM O MUNDO

Nos primeiros tempos, entre 1950 e 1953, o único traço de união com o Mundo era o barco da Otraco (Office des Transports Congolais) que, de quinze em quinze dias, fazia o percurso entre Leopoldville e Befori, local até onde o Maringa era navegável. O barco saia de Leopoldville, escalava vários portos fluviais, entre eles Coquilhatville, Basankusu, Baringa, Samba, Ekukula, Mompono, Ngongo, seguindo depois para Befori.
Era por barco que recebíamos tudo: mercadorias, diversos produtos, alimentação e... correio! Pode imaginar-se, pois, a alegria com que esperávamos o barco. Muitas vezes ele chegava de noite, e se ouvíamos a sirene, era difícil conciliar mais o sono até de manhã, ansiosos que estávamos para saber notícias.
Importa dizer que os barcos eram movidos a vapor e em vez de hélices eram impulsionados por uma espécie de dobadoira feita de tábuas. Moviam-se lentamente e demoravam mais tempo a chegar pois navegavam contra a corrente que era forte. Todos os barcos possuíam dois quartos para passageiros com casas de banho e uma pequena sala. Quem neles viajava tinha que levar mantimentos para a viagem. Um cozinheiro do barco fazia a comida. Tive ocasião de viajar num deles de N'gongo até Basankusu com minha mulher que se dirigia ao hospital de Basankusu para o nascimento do meu primeiro filho, o Jorge. Foi uma viagem de três dias. De noite e apesar de os barcos terem um gerador e um potente holofote que se acendia logo que começasse a fazer escuro, a navegação não era aconselhada. Então o comandante, um congolês, já com prática e conhecimento do trajecto, fazia a navegação de maneira a que chegássemos a um porto fluvial ao lusco-fusco e o barco ali permanecia durante a noite. Atreladas ao barco havia duas enormes barcaças onde eram acondicionados os produtos com destino a Leopoldville: borracha, óleo de palma, coconote, café, cacau, copal, etc.
Por vezes, durante a noite acontecia que não conseguíamos dormir motivado pelo barulho dos habitantes das aldeias próximas, que vinham ao barco comprar diversas bugigangas e beber cerveja ou as bebidas tradicionais – o "lotoko", uma espécie de aguardente fortíssima feita a partir da fermentação do milho ou o vinho de palma, obtido através da fermentação do suco da palmeira. A tripulação do barco fazia também comércio com artigos que traziam da capital e que constituíam novidade para as populações do interior: relógios, espelhos, isqueiros, tecidos, etc. etc.
A viagem no barco durante o dia era encantadora. A paisagem nas margens mudava constantemente e, além de várias aves, entre as quais papagaios, patos, galinholas, os macacos, com as suas piruetas nas árvores que bordejavam o rio, constituíam um espectáculo deslumbrante. Algumas vezes avistavam-se crocodilos refastelados ao sol nos bancos de areia aqui e ali.
Voltando à chegada do barco, ela constituía o único acontecimento que vinha quebrar a rotina dos dias que eram sempre iguais.

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