A sua casa foi
assaltada. Você foi roubado e agredido. Acidentalmente, o ladrão foi preso.
Porém, dois dias depois, encontra-o na rua. Ele riu-se e não contente com isso,
fez-lhe aquele gesto com os braços que o Bordalo imortalizou no
"toma" do Zé Povinho! E então aí, você fica furioso e revoltado. Mas
não deve, porque contrariamente ao que pensa, todo o processo se desenrolou
democraticamente - o gatuno desempenhou a sua missão briosamente; você foi
agredido dentro das regras estabelecidas; os objectos roubados foram os mais
valiosos, e os polícias, por mero acaso, capturaram o ratoneiro. O Juiz, por
seu lado, desenvolveu um excelente trabalho no campo da Psicologia, pois
descobriu que o larápio sofria de doença hereditária - o seu bisavô destacado
membro da associação dos "Amigos do Alheio", tinha-se tornado célebre
como "coleccionador" de relógios de ouro. Daí a absolvição do réu, porque
a culpa é da Sociedade que permite que se fabriquem objectos caros e bonitos e
não dá a todos a possibilidade de os possuírem pelas mesmas vias!...
Demonstrado assim que
neste como em outros casos do género, a culpa é sempre imputada à Sociedade
(isto é: a mim, a si, a eles e a elas) está já na forja uma nova lei sobre esses
casos. E a lei é assim: você é atacado, ferido e roubado. Imediatamente, numa
central própria, acende-se um sinal vermelho. Instantaneamente são-lhe enviados
três indivíduos: um doutor-psicólogo, um doutor - médico e um doutor- polícia.
Enquanto o primeiro o mentaliza de que poderia
ser ainda pior, o segundo ausculta-o, extrai-lhe os restos dos dentes
partidos, liga-lhe as costelas se necessário, e entrega-lhe uma receita. O
terceiro, depois de examinar o local do crime, pergunta o que lhe roubaram. E
entre duas fumaças do seu cachimbo, faz-lhe presente de uma requisição.
Em seguida você vai a
farmácia do Estado onde lhe servirão, gratuitamente, os medicamentos. Passa
depois pelo armazém Comunitário onde lhe substituirão tudo o que lhe roubaram.
E assim,
democraticamente, tudo acabará bem e todos ficarão contentes: escusa de fingir
o polícia, deixa de mal julgar o Juiz, beneficiará o ladrão porque não vai
preso e você adquiriu objectos novos em troca dos velhos que possuía. Evidentemente
que isso acarretará mais encargos para o Erário público, mas bastam uns
aumentos encapotados na electricidade, nos combustíveis, nos transportes, nos
impostos e... pronto!...
É certo que será uma
lei polémica e votarão contra, todos os cidadãos honestos. Porém, como o seu
número é cada vez menor, com certeza que ela será aprovada por maioria
absoluta. Por isso, não dê ouvidos aos que andam por aí a apregoar que o futuro
vai ser terrível. É mentira! Há, isso sim, duas opções: continuar pobre e honesto
ou "candidatar-se" a ladrão e tornar-se milionário. Mas aí você
escolhe. Democraticamente...