Domingo pardacento e frio. Dia
de recordar os que já partiram. Muita gente no Campo Santo. Muitas flores,
muitas velas, orações e algumas lágrimas – de saudade e de remorsos também.
Lágrimas verdadeiras e
sentidas por aqueles que partiram reconfortados com o carinho dos que ficaram, e
de remorsos daqueles que em vida lho negaram…
Refiro-me aos homens e mulheres
que em vida viveram sepultados no coração dos familiares como que amortalhados
antecipadamente na frieza, na indiferença, no abandono, sofrendo carências de
toda a ordem!
A melhor forma de celebrar as
pessoas amadas é estimando-as em vida e não através de objectos decorativos de
cariz religioso. É na sua vivência do dia-a-dia que devemos tratar com carinho
aqueles que amamos.
Infelizmente, na sociedade
consumista em que vivemos, as pessoas, a partir de uma certa idade são
relegadas para segundo plano e muitas vezes abandonadas pelos seus familiares.
Mas há de tudo nesta multidão
que põe flores, que acende velas, que ajoelha junto de campas rasas ou
contempla orgulhosamente ricos mausoléus de mármore encimados por doiradas e
reluzentes cruzes!
Mas é assim o nosso mundo. Um
mundo de fingidos e de hipócritas. De Judas e de falsos Samaritanos.
O que importa é parecer. Mesmo
que não se seja nem se possa vir a ser. Não há regras, não há códigos de
conduta, nem cartilha que sirva de orientação. Cada qual se rege pelas suas
próprias “convicções”… Que não podemos criticar. A liberdade de pensamento e de
acção são bens inalienáveis de qualquer cidadão.
Porém, com o amontoar dos anos
aprendi que há sentimentos tão íntimos e pessoais que por uma questão de
respeito por nós próprios, devemos evitar de os exteriorizar, guardando-os
dentro de nós como pertença só nossa, como é o caso das nossas angústias e das
recordações dos que nos deixaram.
E no meio daquela multidão dei
comigo a reflectir nas palavras de Santo Agostinho: ‘Flores e lágrimas são
alívio dos vivos, mas não refrigério dos mortos…»
Muitas vezes esses arranjos
florais não são mais do que manifestações hipócritas à intenção dos vivos. Os mortos
não falam, não vêem e é neste dia que muitos tentam “reabilitar-se perante os
que ficaram, ofertando flores e choros como compensação de tudo o que lhes negaram
enquanto vivos. E a esses basta uma simples cruz para simbolizar como foi a
vida…
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