quarta-feira, janeiro 25, 2012

UM DOMINGO À LAREIRA



Um Domingo frio de Janeiro. Um daqueles dias em que não apetece sair de casa, mas sim ficar á lareira. Há pouco, quando fui buscar lenha, mal abri a porta, um ventinho frio deu-me os bons dias e reforçou esse meu desejo.
E aqui estou olhando os troncos que ardem e aquecem a sala. Minha mulher entretém-se com os bordados e eu, música em surdina, vou lendo um livro de Erico Veríssimo que me foi oferecido por um dos meus filhos.
E, mesmo em Janeiro, o ambiente ainda tem feições de Natal. Parece haver ainda no ar aquele cheiro característico dos bolos que nos traz a recordação daquela magia indescritível dessa festa da família.
Não há dúvida de que somos nós que construímos a nossa história, que tornamos o nosso lar mais aconchegante, que aquecemos com afectos esses momentos de harmonia familiar. Os troncos ardem, as labaredas esgueiram-se chaminé acima em danças fantasmagóricas e o calor invade este cantinho, aquece o corpo e transmite-nos um bem-estar interior difícil de explicar. Quando a nossa casa é aquecida por um conforto espiritual, a vida tem um significado mais verdadeiro, mais significativo e é muito mais fácil de enfrentar!
Por vezes, os dois, aqui ao borralho, dedilhamos o rosário das nossas vidas olhando o passado, reflectindo sobre os erros que cometemos, as alegrias que vivemos, os momentos que poderíamos ter gozado e não gozámos.
De vez em quando, uma recordação mais terna da infância dos filhos ou uma lembrança mais triste duma despedida que poderia ter sido um adeus, conforta-nos a alma por termos sobrevivido e dá-nos mais ânimo para continuar a caminhada. E é nesta tranquilidade, nestes momentos a sós, nestes diálogos sobre o que passámos, que a vontade de viver se torna mais forte… É uma espécie de vingança contra o tempo que não vivemos!
Às vezes é o silêncio absoluto e só se ouvem os estalidos dos troncos. Mesmo agora, num desses silêncios, uma faúlha saltou da lareira, deixou um rasto luminoso no ar e veio cair na carpete, despertando-nos. E a imaginação, que percorreu milhares de quilómetros, que ziguezagueou pelo azul do céu, e sobrevoou locais longínquos como avião que espreita o campo de batalha, regressou!...
Nem sempre estes momentos de paz interior – embora interrompidos por silêncios que falam – são possíveis. Mas são momentos que ficam gravados e que nos ensinam a viver – o homem, por mais estudos que faça, por mais dotado que seja, por mais anos que conte, não passa de um simples aprendiz da vida. É que ela recomeça todos os dias e em cada dia que o sol nasce, ela é sempre nova, é sempre diferente…





ÀMANHÃ PODE JÁ SER TARDE...


Eis uma frase que adoptei como lema nos anos 60 e que ainda hoje me serve de guia. Em 1965 escrevi-a num papel e mandei-a copiar para uma chapa de ferro, que depois, e à guisa de brasão, encimei com uma casa em miniatura, no interior da qual coloquei uma lâmpada, que irradia luz.
Como na língua do País onde então me encontrava não existia o til, o copista substitui-o por um acento circunflexo.
Na altura pensei corrigir o erro, mas perante o sorriso de satisfação do “artista” quando me entregou a “obra”, desisti de o fazer. Afinal a gralha até tinha a sua piada, pois o amanhâ com o chapéu ficaria mais protegido das “intempéries” da vida!
Durante anos o “brasão” manteve-se afixado numa espécie de pátio da casa onde habitei. Era um espaço interior a céu aberto, com canteiros de flores e duas buganvílias, uma branca outra vermelha, e numa das paredes a casa do “Jacó”, um papagaio, que me dava os bons dias, mal abria a porta. Era lá que tomávamos o pequeno-almoço naquelas manhãs inesquecíveis de África!
À tarde, quando regressava do trabalho e entrava, o cumprimento não se fazia esperar: “Olá Manel!” – saudava ele numa imitação muito bem conseguida e complementada por várias vénias.
No meu regresso à terra natal trouxe-o comigo, mas não durou muito tempo. Talvez porque a variação do clima o tivesse fragilizado, a coccidiose pôs termo à sua vida. E confesso que a perda daquele velho amigo foi para mim um grande desgosto.
Mas, como tudo na vida, a divisa em questão tem uma história: Logo no início dos meus trabalhos no Continente Negro, e apesar de me encontrar num dos locais mais recônditos daquele País, longe de tudo e de todos, o primeiro dinheiro que ia ganhando, aplicava-o em variados utensílios de casa e em livros. Passados alguns anos pode dizer-se que tinha tudo o que é necessário numa casa -utensílios de uso diário, uma boa baixela, uma biblioteca onde podia esclarecer dúvidas, um rádio, por intermédio do qual, em onda curta, ouvia as notícias da Pátria distante, e até, confesso, coisas supérfluas.
No entanto, muitas vezes privávamo-nos de utilizar o que tínhamos para não estragar ou para, eventualmente, nos acompanhar aquando do regresso definitivo!
Guardávamos tudo quase religiosamente. Até que um dia… ficámos reduzidos à roupa que tínhamos vestida. Perdemos tudo! As convulsões políticas na região fizeram com que ficassem apenas as paredes da casa…
E eis o motivo por que a partir daquela data nunca mais deixei o certo pelo duvidoso, isto é, nunca mais deixei de sorver todos os momentos da vida e sempre que posso,“vivo o hoje como se fosse o último dia da minha vida”, porque...«Amanhâ pode já ser tarde...!»


sexta-feira, janeiro 06, 2012

POR QUE ESCREVO


Parece que foi ontem, mas a verdade é que há 23 anos, que preencho semanalmente este espaço.
O fim de cada ano é para mim como que uma prenda que ofereço a mim mesmo e um reconhecimento a todos os que me têm acompanhado nesta caminhada.
Colaboradores, correspondentes, assinantes, leitores, amigos, todos eles têm sido meus companheiros de viagem. E se o caminho é feito pelos nossos próprios passos, a beleza da caminhada também depende dos que nos acompanham.
Como todos sabem e como várias vezes o tenho dito, o acto de escrever
é para mim uma necessidade espiritual. É a forma de afastar para longe, o que a vida me negou, mas é também um hino de louvor por tudo o que ela me concedeu em troca.
É uma mistura de lágrimas e sorrisos. Lágrimas de outrora que já secaram e sorrisos que vou alimentando com esta força interior de querer continuar a luta, de tentar recuperar momentos irrecuperáveis!
Utopia? Talvez. Mas o que seria a vida sem sonhos, sem aquela faceta utópica que muitas vezes tentamos esconder?...
E é por isso que eu continuo a escrever. E faço-o, porque é como quem faz uma confissão. A sós. Sem padre, mas com a presença invisível de Deus. Com o amontoar dos anos, há momentos na vida em que a solidão nos cerca, e embora rodeados de muita gente, interiormente, precisamos de estar sós.
E com a música em surdina, aí vou eu em peregrinação interior percorrendo a vida, encurtando caminho, poupando os passos.
É uma viagem por dentro de nós, através de atalhos, e porque é longa a caminhada, não há tempo a perder. Por vezes, no caminho, a emoção cerca-nos e invade-nos a alma. Há ocasiões em que tropeçamos nos sorrisos que deixámos nos trilhos que percorremos, e é a alegria que se apossa de nós. Recordações, momentos que o tempo não apagou saltam da arca dos nossos sonhos e vêm fazer-nos companhia. E dialogamos. Um diálogo que acaba também por ser um monólogo entre passado e presente, mas a uma só voz. Um confronto que nem sempre é pacífico.
Escreve-se a vida, as gentes, os tempos, mas o acto de escrever é sempre um acto solitário. Sobretudo quando não nos movem interesses escondidos nem vinganças alheias e em que apenas denunciamos injustiças, lutando mais pelos outros que por nós próprios.
Escrevinhador de barba e cabelos brancos, escrevo também para resistir à marginalização e não deixar morrer a criança da alma, a alegria de viver, a espontaneidade do sorriso e a fé que sempre me alumiou. Neste tempo em que apenas se ouve a voz da conveniência, denunciar as injustiças é também como que rezar a Deus para que ponha cobro a tanta desumanidade.
E aqui têm, resumidamente, o motivo por que continuo a escrever.




































DOIS MIL E DOZE AÍ ESTÁ

Não quis Deus conceder-me os dotes de um Bandarra ou de qualquer outro adivinho e graças Lhe dou por isso. Tal mister não o quereria eu de livre vontade, tratando-se, como é o caso, de tão arriscada missão.
Estejam, pois, descansados os leitores que não vou impingir-lhes nem profecias nem vaticínios, aliás, coisas a que eu também nunca dei muita importância.
Promessas também não vou fazer, pois já nos bastam as dos nossos ilustríssimos políticos que de tantas que fizeram e de tão poucas que cumpriram, ficaram com tal reputação, que nenhum cidadão que se preze gostaria de ter, como é o meu caso.
Dir-me-ão, que o que me faz falar é a inveja, que é como quem diz as centenas de “eros” que eles embolsam todos os meses sem bulir uma palha!
Nada disso. Eu até pertenço ao número daqueles que concorda que um político competente deveria ganhar o dobro do ordenado e outro tanto em subsídios. No entanto como é difícil encontrar uma dessas “avis rara” não concordo que se faça tábua rasa e se paga a todos pela mesma tabela. Dessa maneira é o que se vê: em vez de uma equipa íntegra e eficaz que deveria saber governar, temos um bando de papagaios, que de tanto palrarem puseram o rectângulo no estado em que se encontra – falido. E hipotecado!...
Mas, deixemos de falar em desgraças e vamos ao que importa. O que venho hoje dizer-vos é que o próximo ano terá 12 meses e será bissexto; a Páscoa celebrar-se-á num Domingo, o Carnaval a uma terça e o dia da preguiça continuará a ser a segunda-feira.
No que se refere ao dia a dia nacional, manter-se-á o statu quo, isto é: os políticos continuarão a passar o tempo a atribuir as culpas uns aos outros para garantir os seus tachos; os sindicatos continuarão a decretar greves para justificar a sua existência e assegurarem os seus salários; o povo continuará a refilar, mas como “é sereno” tudo não passará de “fumaças”; o “ero” continuará na corda bamba e os especuladores continuarão a auferir os respectivos benefícios; o futebol continuará a movimentar multidões e a distribuir salários faraónicos; o número de ricos continuará a aumentar e o mesmo fenómeno se passará com os pobres, que aumentarão também; a cultura será cada vez mais abstracta e inculta, e o Zé pagante continuará a fazer das tripas coração.
Entrementes e para desviar a atenção do povoléu, abjuram-se os heróis e assalta-se a História suprimindo datas célebres com falsos pretextos. Quanto do fim do mundo que muitos anunciam para 21 de Dezembro de 2012, não acreditem. Ele vai acabando para os que vão morrendo. Tudo o que se disser em contrário é conversa da treta, tal como a dos nossos políticos.
Um bom ano para todos!


















ASSIM SE RENEGA A HISTÓRIA

O que ides ler foi escrito por etapas. Foram precisos três dias para conseguir escrever 464 palavras, alinhavar 2.200 caracteres, separá-los por 11 parágrafos e empilhá-los em 59 linhas!
No primeiro dia passei o tempo a escrever, apagar, reescrever, voltar a apagar, enfim um trabalho que se fosse feito no tempo do lápis e da borracha, seriam precisas umas boas dúzias de uns e de outras. Agora com o computador é mais fácil, mas nem por isso deixa de ser desgastante esta tarefa semanal de alinhavar estes rabiscos.
No segundo dia fiz uma lista com inúmeros assuntos, mas quanto a inspiração, nicles! A minha secretária particular que me segue há mais de meio século, bem tentava consolar-me: «Deixa lá, amanhã de manhã com a cabeça fria, vais ver que será mais fácil…»
Cabeça fria tenho eu sempre, pois com a boina rota e com o tempo frio que tem feito, não admira. Mas nada. Talvez os meus neurónios tenham congelado e emperrem o raciocino.
Mas hoje, terceiro dia, eis que se fez luz! Primeiro de Dezembro, feriado nacional, uma data simbólica – a da redenção da Pátria, da restauração da Independência.
E apressei-me a folhear o meu velhinho livro da História de Portugal. E vou lendo, pára aqui, recomeça acolá: «Nesta conturbada 25.ª Hora que é o nosso tempo, meditemos no seu alto significado e na magnífica lição que exprime. Meditemos tão sentidamente, tão sinceramente que, sempre que a Pátria esteja em perigo, imediatamente desponta na nossa alma a aurora estimulante da manhã radiosa do 1.º de Dezembro!»
E as palavras de Camões em 1580: «Morro, e comigo a Pátria!» E mais à frente como numa antevisão do que viria a acontecer: «Ó glória de mandar! Ó vã cobiça / Desta vaidade a quem chamamos Fama! /O fraudulento gesto que os atiça / C’uma aura popular que honra se chama! / Que castigo tamanho e que justiça / Fazes no peito vão que muito te ama! / Que mortes, que perigos que tormentas, / Que crueldades neles experimentas!
A vida dos povos pode comparar-se á vida das pessoas com o magnificat dos seus triunfos e das suas glórias e com o de profundis dos seus desaires e das suas derrotas.
Mas estes últimos há quem não queira assumi-los e invente toda a espécie de subterfúgios para desviar a atenção do Zé-povinho. E tudo lhes serve. Nem a História pátria escapa.
Politicamente falando, há na verdade factos, que é melhor não recordar. Sobretudo quando se trata de comparar a energia viril dos grandes feitos de antanho com a subjugação e o egoísmo das atitudes do presente. E é talvez por isso que as nossas cabecinhas pensadoras se preparam para “apagar” da História essa data simbólica que foi o 1.º de Dezembro de 1640.














ESTÓRIAS DA HISTÓRIA

Costumo, de vez em quando, folhear os livros por onde estudei. Alguns, diga-se em abono da verdade, estão em fanicos. Mas, mesmo assim, gosto deles, e é sempre muito carinhosamente que os manuseio. Alguns têm ainda frases ou dedicatórias de antigos ou antigas colegas, e num deles, na página 26, há uma violeta mirrada, de folhas amarelecidas, que ficou esquecida!
Há coisas a que não demos importância enquanto jovens, mas que nos aparecem agora sob outra forma, isto é, despidas daquelas vestes coloridas e ilusórias que marcaram o figurino da nossa juventude.
E foi num dia destes, depois de reler a História de Portugal que cheguei à conclusão que, afinal, fomos sempre um povo de "libertadores".
E isso começou já em 1140, quando D. Afonso Henriques pôs a senhora sua mãe no seu lugar e libertou o Condado Portucalense. E desde então fomos vivendo, cai aqui, levanta acolá, até que os Filipes nos deitaram a manápula. Foram sessenta anos, caladinhos, e obedientes às ordens de nuestros hermanos.
Porém, com este nosso espírito de liberdade que herdámos do "homem que bateu na mãe", a pachorra atingiu o limite, e em 1640, sob as ordens de João Pinto Ribeiro, um punhado de libertadores, dirigiu-se ao Paço, encontrou o traidor escondido num armário e com um tiro imobilizou o verdugo, que foi depois atirado, por uma janela, tendo a mesma receita sido prescrita à teimosa Duquesa de Mântua: «se não saísse pela porta saía também pela janela...»
Depois, em 1908, dois "corajosos" assassinos mandados e "agindo em nome do povo" assassinaram cobardemente El Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro, em nome de uma pseudo-república, que viria a tornar-se, como popularmente se diz, uma autêntica «república das bananas». E até 1928 "era rei morto, rei posto", sempre com o eterno sacrificado – o Povo.
A partir daí houve uma certa acalmia que durou cerca de quarenta anos, mas como o bichinho da liberdade nos roía cá por dentro, eis que surge outra libertação – a dos “cravos”.
E foi o início de uma nova era, que com o andar dos tempos e depois de muitas traquinices dos donos da quinta se transformou na “era dos cravas”, presidida por “Cocó, Ranheta e Facada”, mais conhecida por “Troika”!
Mas sosseguem os inconformados, porque o bichinho da libertação, apesar de muitos e variados insecticidas, não morreu. E a prová-lo estão as declarações de um “patriota” de Abril, que afirmou há dias que Portugal está “a atingir os limites” e como “há menos quartéis” um golpe de Estado seria mais eficaz.
Perante estes arrufos de libertação, apetece-me recordar as palavras do escritor francês Georges Duhamel: “Cristo quando falou ao Mundo, fê-lo como se ele fosse povoado de bons e de maus. Esqueceu os imbecis…”