sábado, julho 30, 2016

OS QUE FOGEM À MORTE


 
Nas sociedades primitivas o homem, praticamente sem qualquer utensílio para se defender dos animais selvagens, contava apenas com a sua força física e a sua inteligência.
Esta última, que é a faculdade de pensar e reflectir, fazia com que ele se distinguisse das outras criaturas, concedendo-lhe também decisivas vantagens na luta pela vida, que diariamente tinha de travar.
Na sociedade moderna, o homem, possuindo tudo quanto é necessário para se defender não só dos animais selvagens como também dos seus semelhantes, não precisa de recorrer, nem à sua força física, nem à sua inteligência. Basta-lhe apenas premir um botão!
Por aqui podemos avaliar a sua evolução e concluir que o que ele perdeu em qualidades humanas ganhou-o em práticas selvagens - uma espécie de "compensação" que é, como quem diz, uma outra forma de regressar à barbárie. 
Vem isto a propósito, já não digo do que se passa pelo mundo, mas mais especificamente do que se está a passar bem perto de nós com esses milhares de pessoas, homens, mulheres e crianças que fogem da guerra, e que acabam por sucumbir nas ondas revoltas do mar.
Creio que deve haver muito pouca gente que saiba avaliar o sofrimento, a angústia e o estado de espírito dessas centenas de milhares de refugiados que a televisão nos mostra e que, deixando tudo, tentam apenas escapar à morte!
Por mais filmes que se vejam, por mais livros que se folheiem, por mais histórias que se ouçam, aqueles que nunca viveram esses dramáticos momentos, não podem compreender a luta que se trava no íntimo de cada um desses seres humanos.
É uma luta tão dolorosa, uma mistura de sentimentos tão contraditórios que se torna difícil explicar. É um doloroso combate interior travado em duas frentes e com duas implacáveis opções - ficar ou partir!
São momentos, são horas e, por vezes, dias de dúvidas e de hesitações. São momentos de infindável angústia, de dilacerante ansiedade e de revolta mal contida.
São marcas que apesar do correr do tempo, ficam sempre gravadas no subconsciente, como dores adormecidas, mas que, ao mais pequeno corte, logo sangram. Deixar a casa que se construiu e todo o resto que durante anos se granjeou mercê de muito trabalho, muitos sacrifícios, muitas renúncias e partir por vezes apenas com a roupa que vestimos, é como ferida que não cicatriza.   
Quando eu também fugia da onda selvática de um exército com impulsos primitivos, nunca poderia imaginar, que mais de meio século depois assistiria, na Europa, a esse lancinante drama, dos que fogem da morte!

 

 

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