Houve um tempo, - e já lá vão tantos
anos!... – em que os mais velhos me falavam dasua vinda, como se tratasse de
uma coisa grave. Alguns, mais íntimos, quando a ocasião se proporcionava,
tentavam mentalizar-me: «Ninguém escapa, homem, e lá virá o tempo em que, sem
dares conta, ela aparecerá…» E logo a seguir, com uma pitada de humor,
acrescentavam os mais crentes em oráculos: «E mais de pressa do que julgas!...»
Nessa altura eu estava na minha
Primavera e nesses verdes anos não há tempo para pensar e muito menos para nos
preocuparmos com o futuro ou ter medo dele. Era um tempo em que via sempre o
céu azul, em que o Sol sorria todos os dias lá no alto, só cresciam flores à
minha volta e eu fazia de todos os dias um “sábado à noite”!
Não havia Futuro, só o Presente contava.
Era um tempo sem interrogações. Tudo deslizava em roda livre pela bonita e
plana estrada da juventude sem que fosse preciso pedalar muito. Era a época dos
sonhos, dos contos de fada, do perfume do amor – “esse fogo que arde sem se
ver”, no dizer do poeta. Mas entretanto… Entretanto os anos foram-se acumulando, acumulando, até que um dia, numa manhã de Inverno, reflectida no espelho, ela sussurrou carinhosamente: «Cá estou!...»
E lá estava o seu rosto. Olhos inchados, provavelmente atraentes no passado, mas agora escondidos por detrás de grossas lentes aprisionadas em aros de metal luzidio; da farta cabeleira de outrora, restavam, apenas nas têmporas, cabelos brancos, dispersos, qual estriga de linho pronta a ser colocada na roca; na fronte e no pescoço, rugas, muitas rugas, sulcos por onde passaram, como em leito de rio, – em grosso caudal ou em passeio tranquilo – mágoas, alegrias...
E as mãos? A pele enrugada, as veias salientes e os dedos trementes não conseguiam esconder toda uma vida de lutas, de canseiras, de incertezas, de lágrimas... e também de muitas alegrias. E como aquele rosto me fascinava!
O seu sorriso trocista, a ingenuidade do seu olhar infantil como que a pedir desculpa de pecado que não se cometeu, atraíam-me… E como de feitiço se tratasse, ali fiquei por instantes, olhando o espelho. O tempo parecia não ter pressa. E, cúmplices, ali ficámos os dois, contemplando e tentando adivinhar a história daquele rosto. Um esboço de sorriso disfarçava as rugas e a vontade de viver adivinhava-se no luzir dos olhos papudos. E tanta, tanta alegria naquele olhar cansado, mas tão feliz!
Baixei os olhos e vi-a tentando
esconder-se timidamente como que a pedir desculpa pela sua intrusão na minha
existência. E sorrimos. E talvez com medo de me perder ou de que me zangasse,
Dona Velhice abraçou-me com tanta força que desde esse dia nunca mais nos
separámos. E desde então e como devem já ter notado, andamos sempre de braço
dado...