Os
leitores já se devem ter apercebido da minha paixão pela nossa história antiga,
mormente por documentos que traduzam o pulsar da nossa sociedade ao longo dos
asnos.
De tudo
o que tenho lido acabo sempre por concluir que o comportamento do nosso Povo e
dos mandantes através dos séculos, pouco ou nada tem mudado e, quanto a mim,
será muito difícil se não impossível esperar uma mudança dessa ancestral
mentalidade.
Há
várias explicações para o nosso pacifismo perante os algozes, mas todas elas
não passam de meras suposições e nada mais.
E, a
propósito, atentem no que se passa presentemente à nossa volta e leiam um
excerto de um texto de Guerra Junqueiro escrito em 1896, há precisamente cento
e dezassete anos. Escreveu ele, referindo-se aos Zés desse tempo e aos
respectivos mandantes:
"Um
povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo,
burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes
de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois
que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia
ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um
povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua
inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro
em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma
burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o
bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que,
honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e
sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à
falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa
sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente
inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do
executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado
absoluto pela abdicação unânime do País.
A
justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela
saca-rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes,
vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas
palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo
zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no
parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Como os
leitores podem verificar, este texto, escrito há mais de um século, está
actualíssimo e mostra à saciedade, que por mais voltas que o Mundo dê, não mudamos.
Os mandantes são iguais e «o povo é sereno, é só fumaça…” Lembram-se deste estribilho
de um ex-ministro no “Verão Quente de 1975”?
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