quarta-feira, novembro 13, 2013

«O POVO É SERENO...»


Os leitores já se devem ter apercebido da minha paixão pela nossa história antiga, mormente por documentos que traduzam o pulsar da nossa sociedade ao longo dos asnos.
De tudo o que tenho lido acabo sempre por concluir que o comportamento do nosso Povo e dos mandantes através dos séculos, pouco ou nada tem mudado e, quanto a mim, será muito difícil se não impossível esperar uma mudança dessa ancestral mentalidade.
Há várias explicações para o nosso pacifismo perante os algozes, mas todas elas não passam de meras suposições e nada mais.
E, a propósito, atentem no que se passa presentemente à nossa volta e leiam um excerto de um texto de Guerra Junqueiro escrito em 1896, há precisamente cento e dezassete anos. Escreveu ele, referindo-se aos Zés desse tempo e aos respectivos mandantes:
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Como os leitores podem verificar, este texto, escrito há mais de um século, está actualíssimo e mostra à saciedade, que por mais voltas que o Mundo dê, não mudamos. Os mandantes são iguais e «o povo é sereno, é só fumaça…” Lembram-se deste estribilho de um ex-ministro no “Verão Quente de 1975”?



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